13/02/2014

Tratado dos vícios e pecados 10


Questão 72: Da distinção entre os pecados


Art. 4 ― Se convenientemente os pecados se distinguem em pecados contra Deus, o próximo e nós mesmos.

(II Sent., dist. XLII, q. 2, a. 2, qa 2; in Psalm, XXV)

O quarto distingue-se assim. ― Parece que inconvenientemente os pecados se distinguem em pecados contra Deus, o próximo e nós mesmos.

1. ― Pois, o comum a todo pecado não deve ser considerado como parte na divisão do mesmo. Ora, é comum a todos eles serem contra a lei de Deus, pois lhes entra na definição a contrariedade a essa lei, como já dissemos (q. 71 a. 6). Logo, o pecado contra Deus não deve ser considerado como parte, na divisão dos pecados.

2. Demais. ― Toda divisão deve ser feita baseada nas oposições. Ora, os três géneros de pecados, em questão, não são opostos, pois, quem peca contra o próximo peca contra si mesmo e contra Deus. Logo, não é apropriada a tríplice divisão de pecados.

3. Demais. ― O que é extrínseco não especifica. Ora, Deus e o próximo são-nos exteriores. Logo, por um e outro não se nos especificam os pecados. Logo, é inconveniente a sua divisão fundada nesses três elementos.

Mas, em contrário, Isidoro 1, distinguindo os pecados, escreve: dizemos que o homem peca contra si mesmo, contra Deus e contra o próximo.

Como já dissemos (q. 71, a. 1), o pecado é um acto desordenado. Ora, o homem está submetido a uma tríplice ordem. ― Uma, dependente da regra da razão, pela qual se devem medir todas as nossas acções e paixões. ― Outra, dependente da regra da lei divina, pela qual devemos dirigir-nos em tudo. ― Ora, se o homem fosse um animal solitário, naturalmente, essa dupla ordem bastaria. Mas, como é naturalmente um animal político e social, segundo o prova Aristóteles 2, é necessária uma terceira ordem, que o ordene relativamente aos outros homens, com quem deve conviver.

Ora, das duas ordens sobreditas, a primeira abrange a segunda e excede-a, porque tudo quanto se contém na ordem da razão também está contido na lei de Deus. Mas a ordem de Deus contém certas coisas excedentes à razão humana, e tais são as coisas da fé e aquilo que só a Deus é devido. Donde, dizemos que peca contra Deus quem peca contra tais coisas, como o herético, o sacrílego, o blasfemo. Semelhantemente, a segunda ordem inclui a terceira e excede-a. Pois, em tudo quanto nos ordenamos ao próximo é necessário dirigirmo-nos pela regra da razão. Mas há certas coisas em que nos dirigimos pela razão, só relativamente a nós e não, ao próximo. E quando pecamos contra elas, diz-se que pecamos contra nós mesmos, como é o caso do guloso, do luxurioso e do pródigo. Quando por fim pecamos contra aquilo pelo que nos ordenamos ao próximo, diz-se que pecamos contra ele, como claramente o mostra o ladrão e o homicida.

Mas, há ainda diversas coisas pelas quais o homem se ordena para Deus, para o próximo e para si mesmo. Donde, esta distinção dos pecados funda-se nos objectos, que diversificam as espécies de pecados, e portanto, propriamente ela funda-se nas diversas espécies de pecados. Porque também as virtudes que lhes são opostas se distinguem especificamente por essa diferença. Pois, como é manifesto pelo já dito, pelas virtudes teologais o homem se ordena para Deus, pela temperança e pela fortaleza, ordena-se para si mesmo, e pela justiça, para o próximo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Pecar contra Deus, enquanto à ordem relativa a ele, inclui toda a ordem humana, é comum a todo pecado. Mas, na medida em que a ordem de Deus excede as outras duas, o pecado contra Deus é um género especial de pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Quando duas coisas, das quais uma excede a outra, se distinguem entre si, entende-se que a distinção entre elas se faz não por onde uma inclui, senão, por onde excede a outra. Como bem o patenteia a divisão dos números e das figuras, assim, o triângulo não se divide por oposição com o quadrado, como se estivesse contido nele, mas enquanto por ele excedido. E o mesmo se deve dizer dos números ternário e quaternário.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Deus e o próximo, embora exteriores em relação ao pecador, não o são contudo em relação ao acto do pecado, mas estão para este como para seus objectos próprios.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. In lib. De summo Bono.
2. I Polit., lect. I.




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