09/02/2014

Tratado dos vícios e pecados 06


Questão 71: Dos vícios e dos pecados em si mesmos.


Art. 6 ― Se o pecado é convenientemente definido assim: o dito, feito ou desejado contra a lei eterna.


(II Sent., dist. XXXV, a. 2; De Malo, q. 2, a. 1).

O sexto discute-se assim. ― Parece que o pecado é inconvenientemente definido: o dito, feito ou desejado contra a lei eterna.

1. ― Pois, o dito, feito ou desejado implica algum acto. Ora, nem todo pecado implica um acto, como já se disse 1. Logo, esta definição não inclui todo pecado.

2. Demais. ― Agostinho diz: O pecado é a vontade de reter ou conseguir o que a justiça proíbe 2. Ora, tomando-se a consequência em sentido lato, no sentido de qualquer apetite, ela compreende a vontade. Logo, bastaria dizer: é pecado o desejado contra a lei eterna, sem ser preciso acrescentar: dito ou feito.

3. Demais. ― O pecado parece que consiste propriamente no desvio do fim, pois, o bem e o mal consideram-se principalmente em relação ao fim, como do sobredito resulta 3. Por isso, Agostinho define o pecado relativamente ao fim, dizendo 4: pecar não é senão buscar as causas temporais, desprezando as eternas, e ainda: toda a perversidade humana consiste em usarmos do que devemos fruir e fruirmos do que devemos usar. Ora, na definição pré-citada não se faz nenhuma menção do desvio do fim devido. Logo, o pecado é insuficientemente definido.

4. Demais. ― Chama-se proibido ao contrário à lei. Ora, nem todos os pecados são maus por serem proibidos, antes, alguns são proibidos por serem maus. Logo, numa definição comum, não se devia dizer que o pecado vai contra a lei de Deus.

5. Demais. ― Pecado significa um acto humano mau, como do sobredito resulta 5. Ora, o mal do homem é ir contra a razão, como diz Dionísio 6. Logo, devia antes dizer, que o pecado é contra a razão do que contra a lei eterna.

Em contrário, basta a autoridade Agostinho.

Como é claro pelo já dito 7, o pecado não é senão um acto humano mau. Ora, o que torna humano um acto é o ser voluntário, como pelo sobredito se patenteia 8. Voluntário, ou por ser como elícito da vontade, sendo tal o caso do querer ou do escolher, ou por ser por ela imperado, como os actos exteriores de falar ou obrar. Por outro lado, o que torna mau é o ser falto da comensuração devida. E como toda comensuração supõe a comparação com uma regra, faltando esta, essa coisa será in-comensurada. Ora, a regra da vontade humana é dupla. Uma próxima e homogénea, que é a própria razão humana, a outra é a regra primeira, a saber, a lei eterna, que é a quase razão de Deus. E por isso Agostinho, na definição do pecado, introduziu dois elementos. Um pertence à substância do acto humano, como o que é quase material no pecado, quando diz: o dito, o feito ou desejado, outro, pertencente à essência do mal, como sendo o que no pecado é quase formal, quando diz: contra a lei eterna.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Afirmação e negação reduzem-se ao mesmo género, assim como, nas Pessoas Divinas, gerado e não gerado se reduzem à relação, no dizer de Agostinho 9. Portanto, devemos considerar como significando o mesmo ― dito e não dito, feito e não feito.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― A causa primeira do pecado está na vontade, que rege todos os actos voluntários, únicos susceptíveis dele. E por isso, Agostinho às vezes define o pecado só pela vontade. Mas como também os actos exteriores pertencem à substância do pecado, sendo em si mesmos, maus, segundo dissemos, é necessário também introduzir na definição dele algo de pertencente a tais actos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― A lei eterna, primária e principalmente, ordena o homem para o fim, e por consequência leva-o a usar bem dos meios. E por isso, quando a definição diz ― contra a lei eterna ― toca no desvio do fim e em tudo o mais que seja desordenado.

RESPOSTA À QUARTA. ― Quando se diz que nem todo pecado é um mal por ser proibido, entende-se a proibição do direito positivo. Se porém nos referimos ao direito natural, contido primariamente na lei eterna, e secundariamente no judicatório natural da razão humana, então todo pecado é mal, por ser proibido. Pois, sendo por isso mesmo desordenado repugna ao direito natural.

RESPOSTA À QUINTA. ― O pecado é considerado pelos teólogos principalmente como ofensa a Deus, porém, pelo filósofo moral, enquanto contrário à razão. Por onde, Agostinho definia o pecado convenientemente, antes, pelo que tem de contrário à lei eterna, do que por ser contra a razão. Tanto mais que, pela lei eterna, nós nos regulamos em muitos casos excedentes à razão humana, como se dá com as coisas da fé.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. q. 71, a. 5.
2. De duabus animabus (cap. XI).
3. Q. 18, a. 6.
4. I De libero arbitr. (cap. XVI).
5. Q. 71, a. 1.
6. IV De div. nom., cap. XII.
7. Q. 71, a. 1.
8. Q. 1, a. 1.
9. V De Trinit. (cap. VI et VII).




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