08/02/2014

Tratado dos vícios e pecados 05



Questão 71: Dos vícios e dos pecados em si mesmos.


Art. 5 ― Se qualquer pecado implica um acto.



(II Sent., dist. XXXV, a. 3 ; De Malo, q. 2. a. 1).

O quinto discute-se assim. ― Parece que todo pecado implica um acto.

1. ― Pois, o mérito está para a virtude, como o pecado para o vício. Ora, o mérito não pode existir sem algum acto. Logo, também o pecado não o pode.

2. Demais. ― Agostinho diz: todo pecado é voluntário, pois, se fosse involuntário não seria pecado 1. Ora, nada pode ser voluntário a não ser por um acto de vontade. Logo, todo pecado implica algum acto.

3. Demais. ― Se o pecado não implicasse nenhum acto, seguir-se-ia que quem cessasse o acto próprio pecaria. Ora, quem nunca praticou tal acto cessa continuamente de o praticar. Donde se segue que peca continuamente, o que é falso. Logo, não há nenhum pecado sem acto.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Tg 4, 17): Aquele que sabe fazer o bem e não o faz, peca. Ora, não fazer não implica nenhum acto. Logo, o pecado pode existir sem qualquer acto.

Esta questão surge principalmente a propósito do pecado de omissão, sobre o qual as opiniões variam. ― Assim, para alguns, todo pecado de omissão implica um acto interior ou exterior. Interior, como quando queremos não ir à igreja, estando obrigados a fazê-lo. Exterior como quando, na hora em que devíamos ir à igreja, ou mesmo antes, nos ocupamos de modo a ficarmos impedidos de o fazer. E este caso vem de certo modo a cair no primeiro, pois se quisermos uma coisa que não pode coexistir com outra, consequentemente queremos ficar privado de uma delas, salvo se não reflectirmos em que aquilo que queremos fazer nos tolhe a obrigação, podendo então por negligência ser considerado culpado. ― Para outros porém, o pecado de omissão não supõe nenhum acto, pois, não fazer o que devemos já é pecado.

Ora, ambas essas opiniões encerram parte de verdade. ― Assim, se compreendermos no pecado de omissão aquilo o que em si mesmo pertence à essência do pecado, às vezes esse pecado é acompanhado do acto interior, como quando queremos não ir à igreja, outras vezes não implica nenhum acto interior ou exterior, como quando, na hora em que devemos ir à igreja, de nenhum modo pensamos em ir ou não. ― Se porém compreendermos no pecado de omissão também as causas ou ocasiões dela, então necessariamente esse pecado implica algum acto. Pois, tal pecado não existe senão quando omitimos o que podemos fazer ou não. Ora, só por uma causa ou ocasião conjunta ou precedente é que nos inclinamos a não fazer o que podemos ou não fazer. E se essa causa não estiver em nosso poder, não implica pecado a omissão, como quando por doença deixamos de ir à igreja. Se pelo contrário, a causa ou ocasião de omitir está ao alcance da vontade, a omissão implica pecado. E portanto, sempre necessariamente essa causa, enquanto voluntária, implica algum acto, pelo menos interior, da vontade.

E esse acto recai às vezes sobre a própria omissão, assim, quando queremos não ir à igreja para evitar um trabalho. E então, tal acto, em si mesmo, faz parte da omissão, porque, por si, a vontade de qualquer pecado, faz parte deste, por ser o voluntário da essência do pecado. Outras vezes porém, o acto da vontade é levado, directamente, a outra coisa, que nos impede o acto devido. E isso dá-se, quer quando aquilo a que a vontade é levada é conjunto com a omissão, como no caso de querermos divertir-nos no tempo em que devíamos ir à igreja, quer quando é precedente, como no caso de querermos divertir-nos até muito tarde, não podendo, por isso, ir em horas matinais à igreja. E então, esse acto interior leva à omissão acidentalmente, porque esta daí resulta, mas contra a intenção, e o contrário à intenção considera-se acidental, segundo diz Aristóteles 2. Donde, é manifesto que neste caso o pecado de omissão implica um acto conjunto ou precedente, que contudo se prende acidentalmente ao pecado de omissão. Ora, devemos julgar as coisas pelo que têm de essencial e não, de acidental. Donde e com mais verdade, podemos dizer que há pecados que podem existir sem qualquer acto, de contrário, também a essência dos outros pecados actuais implicaria os actos e as ocasiões circunstanciais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O bem implica mais elementos que o mal, porque aquele provém de uma causa totalmente íntegra, ao passo que este, de qualquer defeito particular, como diz Dionísio 3. E portanto, o pecado pode provir ou de fazermos o que não devemos, ou de não fazermos o que devemos; enquanto só pode haver mérito quando fazermos voluntariamente o que devemos. E logo, não pode haver mérito sem acto, mas sem acto pode haver pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Chama-se voluntário ao que não só é objecto de um acto da vontade, mas que também está em nosso poder ser ou não feito, como diz Aristóteles 4. Donde, também o mesmo não querer pode chamar-se voluntário, enquanto está em nosso poder querer ou não.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― O pecado de omissão contraria um preceito afirmativo, que obriga sempre mas não para sempre. Portanto, pecamos quando cessamos o acto só durante o tempo em que o preceito afirmativo obriga.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. III De libero arbítrio (cap. XVIII).
2. II Phys. (lect. VIII, IX).
3. cap. IV De div. nom. (lect. XXII).
4. III Ethic. (lect. XI).




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