Questão 68: Dos dons.
Art.
5 — Se os dons são conexos.
(III Sent., dist. XXXVI, a. 3).
O quinto discute-se assim. — Parece
que os dons não são conexos.
1. — Pois, diz o Apóstolo (1 Cor 12, 8): Porque a um pelo Espírito é dada a palavra de sabedoria, a outro porém a palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito. Ora, a sabedoria e a ciência incluem-se entre os dons do Espírito Santo. Logo, esses dons são atribuídos a diversos e não têm conexão mútua, num mesmo sujeito.
2. Demais. — Agostinho diz, que muitos
fiéis, embora possuam a fé, não possuem a ciência 1. Ora, a fé é
acompanhada por algum dom, ao menos pelo temor. Logo, os dons não estão
necessariamente conexos num mesmo sujeito.
3. Demais. — Gregório diz: a sabedoria
será menor se estiver privada do intelecto, e este será muito inútil, se não
subsistir pela sabedoria, vil é o conselho a que falta a robustez da fortaleza,
e esta será completamente destruída, se não se apoiar no conselho, a ciência
será nula se não tiver a utilidade da piedade, e esta será de todo inútil, se
carecer do discernimento da ciência, e também o próprio temor, sem as virtudes
supra enumeradas, deixará de servir a realização de qualquer boa acção 2.
Donde, podemos ter um dom sem ter os outros, Logo, os dons do Espírito Santo
não são conexos.
Mas, em contrário, o que antes já
havia dito Gregório: Nesse convívio de filhos, devemos perscrutar como se
nutrem mutuamente 3. Ora, por filhos de Job, de que agora fala,
entendem-se os dons do Espírito Santo. Logo, estes são conexos por se
alimentarem uns dos outros.
A verdade sobre esta
questão pode facilmente presumir-se do já dito. Pois, como já dissemos 4,
assim como as potências apetitivas se dispõem, pelas virtudes morais,
dependentemente do regime da razão, assim, todas as virtudes da alma se dispõem
pelos dons, dependentemente da moção do Espírito Santo. Ora, este habita em nós
pela caridade, conforme Escritura (Rm 5, 5): a caridade de Deus está derramada nos
nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado, assim como a nossa razão
se aperfeiçoa pela prudência. Donde, assim como as virtudes morais se ligam
umas às outras por meio da prudência, assim os dons do Espírito Santo, pela
caridade, de modo tal que, quem tiver tem todos os dons do Espírito, e ninguém
os pode ter sem a caridade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Num sentido, a sabedoria e a ciência podem ser consideradas graças dadas
gratuitamente, i. é, de tal modo que tenhamos tanta abundância do conhecimento
das coisas divinas e humanas, que possamos instruir os fiéis e refutar os
adversários. E é nesse sentido que o Apóstolo, no passo aduzido, considera a
sabedoria e a ciência, sendo, por isso que, assinaladamente, se refere a
palavra da sabedoria e da ciência. — Noutro sentido, essas palavras podem ser
tomadas como exprimindo dons do Espírito Santo. E então, não significam senão
certas perfeições da mente humana que a dispõem bem para seguir o instinto do
Espírito Santo, no conhecimento das causas divinas e humanas. Donde é claro que
tais dons existem em todos os que têm caridade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — No lugar citado,
Agostinho refere-se à ciência, expondo o passo aduzido do Apóstolo. E por isso,
ele toma-a no primeiro sentido exposto, i. é, como graça dada gratuitamente. E
isso é claro pelo que acrescenta: Uma coisa é saber só o que o homem deve crer
para alcançar a vida feliz, que não é senão a eterna, outra, como há-de
proporcioná-lo às piedosas e defendê-lo contra os ímpios, e isto é ao que o Apóstolo
chama propriamente ciência.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim como, de
um modo, a conexão das virtudes cardeais se prova por se aperfeiçoarem, de
certo modo, umas às outras, como já dissemos 5, assim também
Gregório pretende provar a conexão dos dons por não poder um ser perfeito sem o
outro. E por isso dissera antes: Cada uma das virtudes desaparecerá de todo, se
não se auxiliarem todas entre si: Donde não se conclui que um dom possa existir
sem os outros, mas que o intelecto não seria dom, se existisse sem a sabedoria,
assim como sem a justiça, a temperança não seria virtude.
(Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama)
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Notas:
1.
XIV De Trinit. (cap. I).
2.
I Moral. (c. XXXII).
3.
Ibidem.
4.
Q. 68, a. 3.
5.
Q. 65, a. 1.
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