Questão 68: Dos dons.
Art. 4 — Se são convenientemente enumerados os sete dons do Espírito Santo.
(IIª – IIªe, q. 8, a, 6, III
Sent., dist. XXXIV, q. 1, a. 2, In Isaiam, cap. XI).
O quarto discute-se assim. — Parece
que os sete dons do Espírito Santo são inconvenientemente enumerados.
1. — Pois, nessa enumeração incluem-se quatro elementos pertencentes às virtudes intelectuais: a sabedoria, o intelecto, a ciência e o conselho, pertencentes à prudência, e nela não se inclui nada relativo à arte, a quinta virtude intelectual. Semelhantemente, essa enumeração inclui a piedade, pertinente à justiça, o dom da fortaleza, pertencente à fortaleza, e nada inclui pertinente à temperança. Logo, os dons estão insuficientemente enumerados.
2. Demais. — A piedade faz parte da
justiça. Ora, a enumeração inclui a fortaleza e não qualquer parte da mesma.
Logo, também não devia incluir a piedade, mas, a justiça.
3. Demais. — As virtudes teologais ordenam-se
principalmente para Deus. Ora, como os dons aperfeiçoam o homem para se mover
para Deus, a enumeração devia incluir também certos dons pertinentes às
virtudes teologais.
4. Demais. — Assim como tememos a
Deus, também o amamos, nele esperamos, com ele nos comprazemos. Ora, o amor, a
esperança e o prazer são paixões que entram na mesma divisão do temor. Logo, se
este é considerado como um dom, também as três paixões haveriam de ser dons.
5. Demais. — Ao intelecto acrescenta-se
a sabedoria, que o rege, à fortaleza, o conselho, à piedade, a ciência. Logo,
também ao temor devia ser acrescentado algum dom directivo, e, portanto, são
inconvenientemente enumerados os sete dons do Espírito Santo.
Mas, em contrário, é a autoridade da
Escritura (Is 11, 2-3).
Como já dissemos 1,
os dons são uns hábitos que tornam o homem apto a seguir prontamente o instinto
do Espírito Santo, assim como as virtudes morais aperfeiçoam as potências
apetitivas para obedecerem à razão. Ora, assim como é natural a estas serem
movidas pelo império da razão, assim é natural a todas as potências humanas
serem movidas pelo instinto de Deus, como por um poder superior. Logo, todas as
potências, que podem ser princípios de actos humanos, i. é, a razão e a
potência apetitiva, são susceptíveis tanto de virtudes como de dons. Ora, a
razão ou é especulativa ou prática, e ambas consideram a apreensão da verdade,
conducente a um conhecimento ulterior, e o juízo sobre a verdade. — Ora, para
apreender a verdade, a razão especulativa é aperfeiçoada pelo intelecto, e a
prática, pelo conselho. — E para julgar rectamente, a especulativa é
aperfeiçoada pela sabedoria, e a prática, pela ciência.
Por seu lado, a potência apetitiva, nas
nossas relações com outrem, é aperfeiçoada pela piedade, no referente a nós
mesmos, pela fortaleza, no concernente ao temor dos perigos, e pelo temor, no
relativo ao desejo desordenado dos prazeres, conforme Escritura (Pr 15, 27):
todo o homem evita o mal por meio do temor do Senhor, e (Sl 118, 120): Trespassa
com o seu temor as minhas carnes, porque tenho temido os teus juízos.
Por onde é claro que os dons em apreço
têm a mesma extensão que as virtudes, tanto intelectuais como morais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Os dons do Espírito Santo aperfeiçoam o homem no concernente ao bem viver, o
que não faz a arte, que se ocupa com as produções externas, pois ela é a razão
recta das coisas factíveis, e não das acções, como se disse 2. Pode
contudo dizer-se que, quanto à infusão dos dons, a arte pertence ao Espírito
Santo, principal motor, e não, aos homens, que lhe servem como de instrumentos,
enquanto por ele movidos. A temperança, por seu lado, responde, de certo modo,
ao temor. Pois, assim como é próprio à virtude da temperança, por essência,
fazer-nos preferir o bem da razão aos maus prazeres, assim é próprio ao dom do
temor fazer-nos preferir o temor de Deus a esses maus prazeres.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A palavra —
justiça — deriva da rectidão da razão, e portanto convém-lhe mais a denominação
de virtude que de dom. Ao passo que a piedade implica a reverência para com os
pais e a pátria. E como Deus é Pai de todos os seres, também ao seu culto se
chama piedade, como diz Agostinho 3. E, portanto, chama-se
convenientemente piedade ao dom pelo qual, reverenciando a Deus, fazemos o bem
para com todos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A nossa alma
não é movida pelo Espírito Santo se não se lhe estiver unida, de certo modo,
assim como o instrumento não é movido pelo artífice, senão por contacto ou por
qualquer outra união. Ora, a primeira forma de união dá-se pela fé, pela
esperança e pela caridade. Donde, estas virtudes pressupõem-se aos dons,
sendo-lhes, como raízes. E portanto, todos os dons pertencem a essas três
virtudes, como derivações delas.
RESPOSTA À QUARTA. — O amor, a
esperança e o prazer têm o bem como objecto. Ora, o sumo bem é Deus. Donde, os
nomes dessas três paixões transferem-se para virtudes teologais, pelas quais o
homem se une a Deus. Ao passo que o objecto do temor é o mal, que em Deus não existe
de nenhum modo. Logo, ele não implica união com Deus, mas antes, afastamento de
certas causas, pela reverência para com Deus, E portanto, não denomina nenhuma
virtude teologal, mas um dom que nos retrai do mal, de modo mais eminente que a
virtude moral.
RESPOSTA À QUINTA. — A sabedoria
dirige tanto o intelecto como o afecto do homem. E por isso se põem dois dons
directivos, correspondentes à sabedoria: para a inteligência, o dom do
intelecto, para o afecto, o do temor. Pois, a razão de temer a Deus funda-se precipuamente
na consideração da excelência divina, que a sabedoria considera.
(Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama)
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Notas:
1. Q. 68, a. 3.
2. VI Ethic. (lect. III).
3.
X De Civitate Dei (c. I).
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