Questão 67: Da duração das
virtudes depois desta vida.
(IIª. lIae, q. 136, a. 1, ad 1
, III Sent., dist. XXXIII, q. 1, a. 4 , De Virtut., q. 5, a.
4).
O
primeiro discute-se assim.— Parece que as virtudes morais não permanecem depois
desta vida.
1.
— Pois no estado da glória futura os homens serão como anjos, como diz a
Escritura (Mt 22, 30). Ora, é ridículo atribuir aos anjos virtudes morais, como
se disse 1. Logo, também os homens, depois desta vida, não terão
virtudes morais.
2.
Demais. — As virtudes morais aperfeiçoam o homem na vida activa. Ora, não há actividade
na vida futura, como diz Gregório: As obras da vida activa desaparecem com o
corpo 2. Logo, as virtudes morais não permanecem depois desta vida.
3.
Demais. — A temperança e a coragem, que são virtudes morais, são relativas às
partes irracionais, como diz o Filósofo 3. Ora, estas partes
desaparecem com a desaparição do corpo, por serem actos de órgãos corpóreos.
Logo, parece que as virtudes morais não permanecem depois desta vida.
Mas,
em contrário, diz a Escritura (Sb 1, 15): A justiça é perpétua e imortal.
Como refere Agostinho 4, Túlio ensinou que, depois desta vida, não
mais existem as quatro virtudes cardeais, e que então os homens serão felizes
só pelo conhecimento da natureza, que é melhor e mais desejável que tudo,
conforme diz Agostinho no mesmo lugar, mas por aquela natureza que criou todas
as naturezas. E Agostinho, por sua vez, determina que essas virtudes existem na
vida futura, mas de outro modo.
Para
prová-lo devemos saber que, essas virtudes têm algo de formal e algo de quase
material. O que nelas há-de material é uma inclinação da parte apetitiva para
as paixões ou operações, segundo um certo modo. Mas como este modo é
determinado pela razão, o que há-de formal em todas as virtudes é a própria ordem
da razão.
Portanto,
devemos concluir que as virtudes em questão, pelo que têm de material, não
permanecem na vida futura, pois, nela não existirá mais concupiscência nem
prazeres do comer ou venéreos, nem temor e coragem provocados pelo perigo da
morte, nem distribuições ou comunicações de coisas que servem ao uso da vida
presente. Mas quanto ao que há nelas de formal, permanecerão perfeitissimamente
depois desta vida, nos bem-aventurados, sendo então a razão de cada um rectíssima
quanto ao que lhe diz respeito, nesse novo estado, e a potência apetitiva moverá-se
absolutamente obediente à ordem da razão, em tudo o que a esse estado pertence.
E por isso Agostinho no mesmo lugar diz que, então, haverá prudência sem nenhum
perigo de erro, fortaleza, sem o sofrimento de suportar os males, temperança
sem a repugnância da concupiscência, de modo que a prudência consistirá em não
preferir nenhum bem a Deus nem com ele o igualar, a fortaleza, em se unir com
ele fortemente, a temperança, em não se deleitar com nenhum vício nocivo.
Quanto à justiça é claro que o acto que dela permanecer será submeter-se a
Deus, pois já nesta vida é acto de justiça sujeitarmo-nos aos superiores.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — No lugar aduzido o Filósofo refere-se ao que há-de
material nessas virtudes morais, i. é, à justiça, quanto à comunicação e à
distribuição (dos bens), à fortaleza, quanto ao que nos causa terror e perigo,
à temperança, quanto às vis concupiscências.
E
semelhantemente se deve responder à segunda. — Tudo o que respeita a vida activa
constitui a parte material da virtude.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Há um duplo estado depois desta vida: um, anterior à
ressurreição, estando as almas separadas do corpo, outro, posterior a ela,
quando de novo se unirem aos seus corpos. Neste último estado existirão, como
agora, as potências irracionais em órgãos corpóreos, e portanto, poderá existir
a fortaleza, no irascível e no concupiscível, a temperança, estando ambas
potências perfeitamente dispostas a obedecer à razão. Mas no estado anterior à
ressurreição as partes irracionais não existirão na alma, actualmente, mas só
radicalmente na sua essência, como já dissemos na primeira parte 5. Donde,
as virtudes de que tratamos só existirão em acto na sua raiz, i. é, na razão e
na vontade, onde estão os como que seminários delas, como já dissemos 6.
A justiça porém, que reside na vontade, permanecerá mesmo em acto. E por isso
dela especialmente se diz que é perpétua e imortal, seja em razão do sujeito,
por ser a vontade incorruptível, seja também pela semelhança do acto, como já
antes se disse.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
___________________
Notas:
1. X Ethic. (lect. XII).
2. VI Moral. (cap. XXXVII).
3. III Ethic. (lect. XIX).
4. XIV De Trin. (cap. IX).
5.
Q. 77, a. 8.
6.
Q. 63, a. 1.
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