26/12/2013

Tratado das virtudes em geral 26


Questão 60: Da distinção das virtudes morais entre si.
Art. 2 — Se as virtudes morais se distinguem entre si por serem, umas relativas às obras e outras, às paixões.

(III Ethic., lect. VIII).

O segundo discute-se assim. — Parece que as virtudes morais não se distinguem entre si por serem, umas, relativas às obras e outras, às paixões.

1. — Pois, como diz o Filósofo, a virtude moral versa sobre o prazer e a tristeza e obra o que é ótimo 1. Ora, o prazer e a tristeza são paixões, como já se disse 2. Logo, a mesma virtude, que versa sobre as paixões, versa também, como operativa, sobre as obras.

2. Demais. — Sendo as paixões princípios das obras externas, as virtudes que as retificam, hão-de, consequente e necessariamente, retificar também as obras. Logo, as mesmas virtudes morais versam sobre as paixões e sobre as obras.

3. Demais. — O apetite sensitivo é movido, bem ou mal, a todas as obras exteriores. Ora, estes movimentos são paixões. Logo, as mesmas virtudes, que versam sobre as obras versam também sobre as paixões.

Mas, em contrário, o Filósofo diz que a justiça versa sobre as obras, e por outro lado, a temperança, a fortaleza e a mansidão, sobre certas paixões 3.

A obra e a paixão podem relacionar-se de dois modos com a virtude. ­ Primeiro, como efeito e, então, toda virtude moral produz certas obras boas, e uma certa deleitação ou tristeza, que são paixões, como já dissemos 4. — Em segundo lugar, a obra pode relacionar-se com a virtude moral, como a matéria sobre a qual versa. E então, as virtudes morais, umas versam sobre as obras e outras, sobre as paixões.

E a razão disto está em o bem e o mal de algumas obras se fundarem nelas próprias, como quer que o homem seja afectado por elas, i. é, o bem e o mal depende delas da relação de medida com outra coisa. Assim sendo, é necessário haver uma virtude directiva das obras, em si mesmas, tal é o caso da compra e venda, e actos semelhantes, nos quais se leva em conta a relação de débito ou de não-débito para com outrem. E por isso a justiça e as suas partes dizem respeito propriamente às obras, como sua matéria adequada. — O bem e o mal de outras porém fundam-se apenas na relação de medida com o sujeito delas. E por isso, neste caso, é necessário levar em conta o modo bom ou mau por que este é afectado, e por consequência necessária, as virtudes, relativas a essas obras versam principalmente sobre os afectos internos chamados paixões da alma, e isso dá-se com a temperança, a fortaleza e virtudes semelhantes.

Ora, pode acontecer que, nas obras relativas a outrem, seja posposto o bem da virtude pela paixão desordenada da alma. E então, desaparecida a relação de medida da obra exterior, há-de desvanecer-se a justiça, e a desaparição corrompida da relação de medida das paixões interiores acarretará a desaparição de alguma outra virtude. Assim, quem levado da ira, fere indevidamente outrem, lesa ao mesmo tempo a justiça, ao passo que a ira imoderada elimina a mansidão. E o mesmo se dá nos casos semelhantes.

E daqui se deduzem as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES. — Pois, a primeira objecção funda-se na obra enquanto efeito da virtude. — As outras duas fundam-se em que o acto e a paixão concorrem para o mesmo fim, mas, em certos casos, a virtude versa principalmente sobre a obra — e, em outros, sobre a paixão, pela razão já exposta.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. II Ethic. (lect. III).
2. Q. 31, a. 1, q. 3, a. 1.
3. II Ethic., lect. VIII.
4. Q. 59, a. 4, ad 1.


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