Art. 5 — Se a prudência é
uma virtude necessária ao bem viver.
(IIª
IIª, q. 51, a. 3, ad 3, De Virtut., q. 1, a. 6).
O
quinto discute-se assim. — Parece que a prudência não é uma virtude necessária
ao bem viver.
1.
— Pois, assim como a arte está para o que nós podemos produzir, de que ela é a
razão recta, assim está a prudência para os nossos actos, relativamente aos
quais consideramos a vida do homem, pois, a prudência é a razão recta desses actos,
como já se disse 1. Ora, em relação às coisas que podemos produzir,
a arte só é necessária para que venham a ser feitas, e não depois de o terem
sido. Logo, também a prudência não é necessária ao homem para o bem viver, uma
vez que ele é virtuoso, senão talvez somente para que venha a sê-lo.
2.
Demais. — Pela prudência aconselhamos rectamente, como já se disse 2.
Ora, o homem pode agir não só pelo bom conselho próprio, mas também pelo
alheio. Logo, não é necessário, para bem viver, o homem ter prudência, bastando
seguir o conselho dos prudentes.
3.
Demais. — É pela virtude intelectual que somos levados a dizer sempre a verdade
e nunca a falsidade. Ora, isto parece que não se dá com a prudência, pois não é
humano que, no aconselhar sobre o que devemos fazer, nunca erremos, pois os actos
humanos são contingentes e podem realizar-se de modos diversos, e por isso diz
a Escritura (Sb 9, 14): Porque os pensamentos dos mortais são tímidos e
incertas as nossas providências. Logo, parece que a prudência não deve ser
considerada virtude intelectual.
Mas,
em contrário, a Escritura a enumera entre as demais virtudes necessárias à vida
humana, quando diz da divina sabedoria (Sb 8, 7): ensina a temperança e a
prudência e a justiça e a fortaleza, que é o mais útil que há na vida para os
homens.
A prudência é virtude soberanamente necessária à vida humana. Pois, viver bem
consiste em obrar bem. Ora, para obrarmos bem é necessário levarmos em conta
não só o que fazemos, mais ainda como o fazemos: i. é, devemos obrar segundo
uma eleição recta e não só pelo ímpeto ou pela paixão. Ora, como a eleição visa
os meios, a sua rectitude exige dois elementos: o fim devido e o que
convenientemente se lhe ordena. Ora, o homem dispõe-se convenientemente, ao fim
devido, pela virtude, que aperfeiçoa a parte apetitiva da alma, cujo objecto é
o bem e o fim. E para que o homem se ordene rectamente ao fim devido é preciso
seja directamente disposto pelo hábito racional, pois aconselhar e eleger, que
dizem respeito aos meios, são actos da razão. E portanto é necessário haver
nesta alguma virtude intelectual, que aperfeiçoa a razão, pela qual ela procede
acertadamente em relação aos meios. E tal virtude é a prudência, que portanto é
uma virtude necessária à bem viver.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O bem da arte é considerado, não no próprio artífice,
mas antes, no artificiado, desde que a arte é a razão recta das coisas
factíveis. Ora, a facção transitiva para a matéria exterior, não constitui a
perfeição do executante, mas a do feito, assim como o movimento é acto móvel:
pois, a arte versa sobre as coisas factíveis, mas o bem da prudência é relativo
ao próprio agente, cuja perfeição é o seu próprio acto, pois, a prudência é a
razão recta do nosso agir, como já se disse 3. Donde, a arte não exige
que o artífice obre rectamente, mas faça obra boa. Antes se exigiria que o
próprio artificiado obrasse bem, isto é, que, p. ex., a faca cortasse bem ou a
serra serrasse bem, se fosse próprio a tais instrumentos o agir e não, antes, o
serem dirigidos, pois não tem o domínio dos seus actos. Logo, a arte não é
necessária ao artífice para viver bem, mas só para produzir o artificiado bom e
conservá-lo. Ao passo que a prudência é necessária ao homem para viver bem e
não só para ser bom.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Quando o homem age, não de acordo com a própria razão, mas movido
pelo conselho de outrem, a sua obra ainda não é absolutamente perfeita, isto é,
quanto à razão dirigente e quanto ao apetite motor. Donde, se age bem não o faz
de modo absolutamente bom, que é viver bem.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A verdade do intelecto prático é tomada em sentido diferente da
do especulativo, como já se disse 4. Pois, a verdade do intelecto
especulativo supõe a sua conformidade com a coisa. E como ele não pode
conformar-se infalivelmente com as coisas contingentes mas só com as
necessárias, a virtude intelectual é constituída, não por qualquer hábito
especulativo relativo a coisas contingentes, mas só pelos que respeitam o
necessário. A verdade do intelecto prático, por outro lado, é relativa à
conformidade com o apetite recto, e esta não tem lugar no que respeita às
coisas necessárias, não feitas pela vontade humana, mas só no que diz respeito
às contingentes, que podem ser feitas por nós, quer por actos internos, que por
produção externa. E portanto, a virtude do intelecto prático é relativa só às
coisas contingentes, e constitui a arte, quando se trata dos factíveis e a
prudência, quando diz respeito aos nossos actos.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. VI Ethic. (lect. IV).
2. VI Ethic. (lect. IV-VIII).
3. Q. 57, a. 4.
4. VI Ethic. (lect. II).
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