Art.
2 — Se se distinguem convenientemente três virtudes intelectuais especulativas,
a saber: a sapiência, a ciência e o intelecto.
(De
Virtut., q. 1, a. 12).
O segundo discute-se assim. — Parece
que não se distinguem convenientemente três virtudes intelectuais
especulativas, a saber: a sapiência, a ciência e o intelecto.
1. — Pois, a espécie não deve entrar
numa mesma divisão, como o género. Ora, a sapiência é uma espécie de ciência,
como já se disse 1. Logo, aquela não deve, com esta, entrar no
número das virtudes intelectuais.
2. Demais. — Na distinção das
potências, dos hábitos e dos actos, quanto aos seus objectos, considera-se
principalmente a razão formal destes, como do sobredito se colhe 2.
Logo, diversos hábitos não se diversificam pelo objecto material, mas pela
razão formal deste. Ora, o princípio da demonstração é a razão de se conhecerem
as conclusões. Logo, o intelecto dos princípios não deve ser considerado como
um hábito ou virtude diferentes da ciência das conclusões.
3. Demais. — Chama-se virtude
intelectual à existente na parte racional, por essência. Ora, a razão, mesmo a
especulativa, raciocina silogizando, tanto demonstrativa como dialeticamente.
Logo, assim como a ciência causada pelo silogismo demonstrativo é considerada
virtude intelectual especulativa, assim também o é a opinião.
Mas, em contrário, o Filósofo
considera só três virtudes intelectuais especulativas: a sapiência, a ciência e
o intelecto 3.
Como já dissemos 4,
é pela virtude intelectual especulativa que o intelecto especulativo se
aperfeiçoa para considerar a verdade, pois nisto consiste a rectidão da sua actividade.
Ora, a verdade pode ser conhecida sob duplo aspecto: por si mesma, ou por um
intermediário. — Enquanto conhecida por si mesma, desempenha o papel de
princípio e é percebida imediatamente pelo intelecto. E por isso o hábito, que
aperfeiçoa a inteligência para tal conhecimento da verdade, chama-se intelecto,
que é o hábito dos princípios.
Por outro lado, a verdade enquanto
conhecida por um intermediário, não é apreendida imediatamente pelo intelecto,
mas pela perquirição da razão e desempenha o papel de termo. E isto pode ser de
dois modos: como o que, num determinado género, é último, e como o que é último
relativamente ao conhecimento humano total. — E como aquilo que é conhecido por
nós posteriormente é por natureza primário e mais conhecido, como já se disse 5,
o que é último relativamente ao conhecimento humano total é o que por natureza
é primário e cognoscível por excelência. Ora, sobre isso versa a sapiência, que
considera as causas altíssimas, segundo já se disse 6. Donde, ela julga
e ordena convenientemente todas as coisas, pois, o juízo perfeito e universal
não é possível senão pela resolução às causas primeiras. — A ciência, por fim,
aperfeiçoa o intelecto para o que é último num determinado género de
cognoscíveis. Donde, tantos são os diversos hábitos das ciências quanto os
diversos géneros de cognoscíveis, ao passo que a sapiência é uma só.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. —
A sapiência é uma espécie de ciência, enquanto tem o que é comum a todas as
ciências, i. é, enquanto pelos princípios demonstra as conclusões. Mas como tem
sobre as outras ciências algo que lhe é próprio, por julgar de tudo, e não só
quanto às conclusões, mas também quanto aos primeiros princípios, por isso tem
a natureza de virtude mais perfeita que a ciência.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Quando o objecto,
por natureza se refere por um só acto, a uma potência ou a um hábito, não se
distinguem então os hábitos ou as potências pela razão do objecto e pelo objecto
material, assim, à mesma potência visiva pertence ver a cor e a luz, que é a
razão de vermos a cor, e é vista simultaneamente com esta. Ora, os princípios
da demonstração podem ser considerados separadamente, sem considerarmos as
conclusões. Também podem considerar-se simultaneamente com estas, enquanto são
conducentes a elas. Ora, considerar os princípios, deste segundo modo, é
próprio da ciência, que considera também as conclusões. Considerar porém os
princípios, em si mesmos, é próprio do intelecto. Donde, quem reflectir rectamente
verá que essas três virtudes não se distinguem, por igual, entre si, mas numa
certa ordem. Pois, assim como num todo potencial, uma parte é mais perfeita que
outra, como, p. ex., a alma racional o é mais que a sensível e esta, que a
vegetativa, assim também a ciência depende do intelecto como do principal, e
ambos, da sapiência, como do principalissímo, e compreende em si o intelecto e
a ciência, pois julga das conclusões das ciências e dos princípios das mesmas.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como já
dissemos 7, o hábito da virtude refere-se determinadamente ao bem e
de nenhum modo ao mal. Ora, o bem do intelecto é a verdade, e o mal, a
falsidade. Donde, só se chamam virtudes intelectuais os hábitos pelos quais
sempre dizemos a verdade e nunca, a falsidade. Ao passo que a opinião e a
suspeita podem recair sobre a verdade e a falsidade, e portanto não são virtudes
intelectuais, como já se disse 8.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. VI Ethic. (lect. V, VI).
2. Q. 54, a. 2, ad 1.
3. VI Ethic., lect. III.
4. Q. 57, a. 1.
5. I Phys. (lect. I).
6. I Metaph. (lect. I, II).
7. Q. 55, a. 3, 4.
8. VI Ethic. (lect. III).
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