Art. 3 — Se as potências
da parte sensitiva são susceptíveis de algum hábito.
(III Sent., dist. XIV, a. 1 qª
2, dist. XXIII, q. 1, a
1, De Virtut., q. 1, a. 1).
O
terceiro discute-se assim. — Parece que as potências da parte sensitiva não são
susceptíveis de nenhum hábito.
1.
— Pois, como a potência nutritiva, também a sensitiva pertence ao irracional.
Ora, não se admite nenhum hábito nas potências da parte nutritiva. Logo, também
não devemos admitir nenhum nas da parte sensitiva.
2.
Demais — As partes sensitivas são-nos comuns com os brutos. Ora, estes não são
susceptíveis de nenhum hábito por não terem vontade, que está na definição do
hábito, como já se disse 1. Logo, as potências sensitivas não são
susceptíveis de nenhum hábito.
3.
Demais — Os hábitos da alma são as ciências e as virtudes, e assim como a
ciência diz respeito à potência apreensiva, assim a virtude, à apetitiva. Ora,
as potências sensitivas não são susceptíveis de nenhuma ciência, porque esta
tem por objecto o universal, que aquelas não podem apreender. Logo, também as
partes sensitivas não podem ter os hábitos das virtudes.
Mas,
em contrário, diz o Filósofo, que as partes irracionais têm certas virtudes 2,
a saber, a temperança e a fortaleza.
As potências sensitivas podem considerar-se de duplo modo, enquanto operam
pelo instinto da natureza, ou pelo império da razão. — No primeiro caso
ordenam-se, bem como a natureza, a um só termo. E portanto, assim como as
potências naturais não são susceptíveis de hábitos, assim também não o são, no
caso vertente, as potências sensitivas. — No segundo modo, se podem ordenar a
termos diversos. E assim, podem ser susceptíveis de certos hábitos, pelos quais
ficam bem ou mal dispostos para alguma actividade.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Não é natural às potências da parte nutritiva
obedecer ao império da razão e, portanto, não são susceptíveis de quaisquer
hábitos. Mas as potências sensitivas são-no, e por isso são capazes de ter
certos hábitos, pois na medida em que obedecem à razão, consideram-se de certa
maneira, racionais, como diz Aristóteles 3.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — As potências sensitivas, nos brutos, não operam pelo império da
razão, pois, abandonados a si mesmos, os brutos agem por instinto da natureza. Donde,
os brutos não têm hábitos ordenados às operações, embora haja neles certas
disposições ordenadas à natureza, como a saúde e a beleza. Como porém eles são
dispostos, pela razão do homem, e em virtude de um certo costume, a operar de
tal ou de tal outro modo, podemos admitir que haja neles de certa maneira
hábitos. Por isso, diz Agostinho: vemos certos animais, dos mais brutos,
absterem-se dos máximos prazeres, por medo das dores, e esses mesmos os
consideramos como domesticados e mansos, uma vez assim habituados 4.
Falta-lhes porém o que no hábito implica o uso da vontade, pois não têm o poder
de usar dela ou não, o que pertence à razão. Donde, propriamente falando, não
podem ser susceptíveis de hábito.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — É natural ao apetite sensitivo ser movido pelo racional, como diz
Aristóteles 5, ao passo que às potências racionais apreensivas é
natural serem influenciadas pelas virtudes sensitivas. Donde, é mais curial que
existam os hábitos nas potências sensitivas apetitivas, do que nas sensitivas
apreensivas, pois naquelas eles não existem senão enquanto agem sob o império
da razão. Nas próprias potências internas sensitivas apreensivas, porém, podem
existir certos hábitos, que facilitam ao homem lembrar-se, cogitar ou imaginar,
por isso o Filósofo diz, que o costume contribui muito para termos boa memória 6,
pois as potências sensitivas são levadas a agir pelo império da razão. As
potências apreensivas externas porém como a visão, a audição e outras, não são
susceptíveis de quaisquer hábitos, mas são ordenadas aos seus actos
determinados pela disposição da sua natureza, e tal é também o caso dos membros
do corpo, não susceptíveis de hábitos, que pertencem, antes, às potências que
os movimentos lhes impõem.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. Q.50, a. 1.
2. III Ethic (lect. XIX).
3. I Ethic. (lect. XX).
4. LXXXIII Quaestion. (q.
XXXVI).
5. III De anima (lect. XVI).
6. Ibid., lect. VI.
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