13/11/2013

Tratado dos hábitos 13


Questão 51: Da causa dos hábitos quanto à geração deles.
Art. 3 — Se o hábito pode ser gerado por um só acto.

(I Sent., dist. XVII, q. 2, a. 3, ad 4, De Virtut., q. 1, a. 9 ad 11).

O terceiro discute-se assim. — Parece que o hábito pode ser gerado por um só acto.

1. — Pois, a demonstração é um acto da razão. Ora, por uma só demonstração é causada a ciência, que é o hábito de uma conclusão. Logo, o hábito pode ser causado por um só acto.

2. Demais — Como o acto pode aumentar por multiplicação, assim também o pode pela intensidade. Ora, o hábito é gerado por actos multiplicados. Logo também, se um acto for muito intenso, poderá ser causa geratriz do hábito.

3. Demais — A saúde e a doença são hábitos. Ora, por um acto o homem pode sarar ou ficar enfermo. Logo, um acto pode causar o hábito.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que, assim como uma andorinha não faz primavera, nem um só dia, assim também não é um só dia, ou pouco tempo, que poderá fazer um homem bem-aventurado ou feliz 1. Ora, a bem-aventurança é uma operação conforme ao hábito da virtude perfeita, como já se disse 2. Logo, o hábito da virtude e, pela mesma razão, outro qualquer hábito, não pode ser causado por um só acto.

Como já dissemos 3, o hábito é gerado pelo acto, enquanto a potência passiva é movida por um princípio activo. Para uma qualidade qualquer porém ser causada no ser passivo, é necessário que o princípio activo o domine totalmente. Por isso vemos que o fogo, não podendo dominar totalmente o seu combustível, não pode inflamá-lo imediatamente, mas vai, aos poucos, eliminando as disposições contrárias, de modo a dominá-lo totalmente, imprimindo-lhe a sua semelhança.

Ora, como é manifesto, o princípio activo, que é a razão, não pode, por um só acto dominar totalmente a potência apetitiva, porque esta se conduz, de modos diversos e tem muitos objectos, pode porém por um único acto julgar se um objecto é desejável segundo determinadas razões e circunstâncias. E por isso a potência apetitiva não é vencida totalmente, de modo a, na maioria dos casos, a modo da natureza, ser levada para o mesmo objecto, e isso pertence ao hábito da virtude. Donde, este hábito não pode ser causado por um só acto, mas por muitos.

Porém em relação às potências apreensivas, devemos levar em conta uma dupla passividade: a do intelecto possível, e a do que Aristóteles denomina passivo, que é uma razão particular, i. é, a potência cogitativa juntamente com a memorativa e a imaginativa. — Mas em relação ao ser passivo primeiro, pode existir um activo que, por um único acto o domine totalmente, como lhe sendo subordinado, assim uma proposição evidente leva o intelecto a assentir firmemente na conclusão. O que não faz a proposição provável, e por isso é necessário que por muitos actos da razão seja causado o hábito opinativo, mesmo por parte do intelecto passível. Ao passo que o hábito da ciência pode ser causado por um só acto da razão, quanto ao intelecto passível. — Mas, quanto às potências inferiores apreensivas, é necessário que sejam os mesmos actos reiterados muitas vezes, para produzirem uma forte impressão na memória. E por isso o Filósofo diz, que a meditação fortalece a memória 4.

Porém é possível que os hábitos corpóreos sejam causados por um só acto, se o princípio activo tiver forte virtude, assim às vezes um remédio forte produz prontamente a saúde.

E daqui consta com evidência a RESPOSTA ÀS OBJEÇÕES.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. I Ethic. (lect. X).
2. I Ethic. (ibid).
3. Q. 51, a. 2.
4. Lib. De memoria et reminiscentia (lect. III).


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