Depois dos actos e das
paixões, devemos tratar dos princípios dos actos humanos. Primeiro, dos
princípios intrínsecos. Segundo, dos princípios extrínsecos. Ora, o princípio
intrínseco é a potência e o hábito. Mas como na Primeira Parte já tratamos das
potências (q. 77, sqq.), resta agora tratar dos hábitos.
Primeiro,
em geral. Segundo, das virtudes, dos vícios e dos outros hábitos semelhantes,
que são os princípios dos actos humanos.
A
respeito dos hábitos em geral, quatro pontos devemos considerar. Primeiro, da
substância dos hábitos. Segundo, do sujeito deles. Terceiro, da causa da
geração, do aumento e da corrupção dos mesmos. Quarto, da distinção entre eles.
Questão
49: Da substância dos hábitos.
Questão
50: Do sujeito dos hábitos.
Questão
51: Da causa dos hábitos quanto à geração deles.
Questão
52: Do aumento dos hábitos.
Questão
53: Da diminuição e da corrupção dos hábitos.
Questão
54: Da distinção dos hábitos.
Questão 49: Da substância
dos hábitos.
Sobre
a primeira questão quatro artigos se discutem:
Art.
1 — Se o hábito é uma qualidade.
Art.
2 — Se o hábito é uma determinada espécie de qualidade.
Art.
3 —Se o hábito implica ordenação para o acto.
Art.
4 — Se é necessário existir o hábito.
Art. 1 — Se o hábito é uma
qualidade.
(III. Sent., dist. XXIII, q. 1,
a. 1, V Metaph., lect XX)
O
primeiro discute-se assim. — Parece que o hábito não é uma qualidade.
1. — Pois, como diz Agostinho, a palavra hábito vem do verbo habere 1, que significa ter, e que se refere não só à qualidade, mas também aos outros géneros, assim, quando dizemos: ter quantidade, dinheiro e coisas semelhantes. Logo, o hábito não é uma qualidade.
2.
Demais — O hábito é considerado como um dos predicamentos, como diz Aristóteles
2. Ora, um predicamento não pode estar contido noutro. Logo, o
hábito não é uma qualidade.
3.
Demais — Todo hábito é uma disposição, no dizer de Aristóteles 3.
Ora, a disposição é a ordem do que tem partes, como diz Aristóteles 4,
o que pertence ao predicamento de lugar. Logo, o hábito não é uma qualidade.
Mas,
em contrário, o Filósofo diz, que o hábito é uma qualidade dificilmente mutável
5.
O nome hábito é derivado do verbo latino habere, ter, e isto de duplo modo.
Ou no sentido em que dizemos, tem o homem, ou qualquer outro ser, alguma coisa,
ou porque um ser tem, em si mesmo ou em relação a outro, um certo feitio.
Quanto
ao primeiro sentido, devemos considerar que o verbo ter, significando uma coisa
possuída, é comum a diversos géneros. Por isso, o Filósofo coloca o ter
(habere) entre os post-predicamentos, consecutivos aos diversos géneros das
coisas, como os contrários, a anterioridade, a posterioridade e outros. — Mas
entre as coisas que podem ser tidas há a distinção seguinte: algumas não
admitem nenhum meio-termo em relação a quem as tem, assim, não há nenhum meio-termo
entre o sujeito e a qualidade ou a quantidade. Outras há, porém, entre as quais
não há nenhuma mediação, mas só uma relação, tal dá-se, quando dizemos que
alguém tem um companheiro ou um amigo. Por outro lado, coisas há dentre as de
que tratamos, que admitem um certo termo médio que não é, propriamente, acção
nem paixão, mas algo de comparável com elas, assim quando uma é o que orna ou
cobre e outra, a ornada ou coberta. Donde o dizer o Filósofo, que ter (hábito)
exprime uma como acção entre o possuidor e a coisa possuída 6,
segundo dá-se com aquilo que temos. E portanto, neste caso, constitui-se um género
especial chamado predicamento do hábito ou posse, a propósito do qual diz o
Filósofo, que o hábito ou posse é um termo médio entre um vestuário e quem o
possui 7.
Se
porém tomarmos a palavra ter (habere), no sentido de dizermos que uma coisa
tem, em si mesma ou relativamente a outra, um certo feitio, como este modo de
ter-se a si mesmo se funda nalguma qualidade, então o hábito é uma qualidade. E
a este respeito diz o Filósofo: chama-se hábito a uma disposição em virtude da
qual um ser é bem ou mal disposto, em si ou relativamente a outro, assim, nesta
acepção, a saúde é um hábito 8. Ora, como é neste sentido que agora
tratamos do hábito, devemos dizer que ele é uma qualidade.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A objecção procede quanto ao verbo ter tomado
em sentido geral, em que é comum a muitos géneros, como já dissemos.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A objecção procede quanto ao hábito entendido como meio-termo
entre o possuidor e a coisa possuída, pois, nessa acepção, é um predicamento,
como já se disse.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Certamente que a disposição sempre implica uma ordem no ser que
tem partes. E isto pode dar-se de três maneiras, como no mesmo lugar o Filósofo
logo acrescenta: local, potencial ou especificamente. E nisto, no dizer de
Simplício, compreende todas as disposições. As corporais, quando diz —
localmente, o que pertence ao predicamento de lugar, que é a ordem local das
partes. Quando diz potencialmente, aí inclui as disposições existentes em
preparação e em capacidade e ainda não perfeitas, tal é o caso da ciência e da
virtude incoada. Quando por fim diz especificamente, aí inclui as disposições
perfeitas chamadas hábitos 9, como a ciência e a virtude completas.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1.
LXXXIII Quaestionum (q. LXXIII).
2.
Praedicam. (cap. VI).
3.
Praedicam. (ibid).
4. V Metaph. (lect. XX).
5. Praedicam. (loc. cit).
6. V Metaph. (lect. XXIV).
7. V Metaph. (ibid).
8. V Metaph. (loc.
cit).
9.
Comment. Praed.
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