Art. 3 — Se a deficiência
pode ser causa da coragem.
O
terceiro discute-se assim. — Parece que a deficiência pode ser causa da
coragem.
1. — Pois, diz o Filósofo, que os amantes do vinho são fortes e audazes 1. Ora, do vinho provém o efeito da embriaguez. Logo, a coragem é causada por um defeito.
2.
Demais — O Filósofo diz, que os inexperientes dos perigos são corajosos 2.
Ora, a inexperiência é um defeito. Logo, a coragem é causada por um defeito.
3.
Demais — Os que sofreram injustiças costumam ser mais corajosos, como também os
animais, quando açoitados, como diz Aristóteles 3. Ora, sofrer
injustiça é uma deficiência. Logo, a coragem é causada por esta.
Mas,
em contrário, diz o Filósofo, que a causa da coragem está em se trazer na
fantasia, a esperança da salvação próxima e de estarem longe ou não existirem
coisas que aterrorizam 4. Ora, o que implica uma deficiência ou diz
respeito à remoção do que salva, ou à proximidade do que aterroriza. Logo, nada
que implique deficiência pode ser causa da coragem.
SOLUÇÃO.
— Como já dissemos antes 5, a coragem resulta da esperança e é
contrária ao temor. Donde, tudo o que, por natureza, causa a esperança ou
exclui o temor é causa da coragem. Como porém o temor, a esperança e também a
coragem, sendo paixões, supõem um movimento do apetite, e uma certa
transmutação corpórea, a dupla luz podemos considerar a causa da coragem:
quanto à provocação da esperança ou quanto à exclusão do temor. Aquela é
relativa ao movimento apetitivo, esta, à transmutação corpórea.
Quanto
ao movimento apetitivo, resultante da apreensão, a esperança, causadora da
coragem, é provocada pelo que nos leva a pensar ser-nos possível alcançar a
vitória. Ou pelo nosso próprio poder, como pela força do corpo, pela
experiência dos perigos, pela abundância do dinheiro e por coisas semelhantes.
Ou pelo poder de outros, como o grande número de amigos ou quaisquer outros auxiliares,
e principalmente se confiarmos no auxílio divino. Donde, os de mais confiança
em Deus são os mais corajosos 6, como diz o Filósofo. Ao passo que,
segundo este mesmo modo, o temor é excluído pelo afastamento de coisas
aterrorizantes, próximas, p. ex., por não termos inimigos, por não termos feito
mal a ninguém, por não vermos nenhum perigo iminente, pois os perigos parecem
iminentes sobretudo aos que fizeram mal aos outros.
De
outro lado, quanto à transmutação corpórea, a coragem é causada pela provocação
da esperança e pela exclusão do temor, por parte dos elementos que produzem o
calor no coração. E por isso diz o Filósofo, que os de coração pequeno são mais
corajosos, e os animais de coração grande são tímidos, porque o calor natural
não pode aquecer um coração grande tão bem como aquece um pequeno, assim como o
fogo não pode aquecer uma casa grande tão bem como uma pequena 7. E
noutro livro, diz que os de pulmão sanguíneo são mais corajosos, por causa do
calor do coração daí resultante 8. E no mesmo lugar diz que os
amantes do vinho são mais corajosos, por causa da calidez do mesmo. Por isso
dissemos, que a embriaguez contribui para a firmeza da esperança, pois, o calor
do coração repele o temor e causa a esperança, pelo distender-se, pelo
amplificar-se do coração.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A embriaguez causa a coragem, não como
defeito, mas por dilatar o coração, e também por dar uma certa amplitude à
estimativa.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Os inexperientes dos perigos são mais corajosos, não por
deficiência, mas por acidente, isto é, enquanto, pela inexperiência, não
conhecem a própria debilidade nem a presença dos perigos, e assim, da
eliminação da causa do temor resulta a coragem.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Como diz o Filósofo, os que sofreram injustiça tornam-se
corajosos por pensarem que Deus vem em auxílio dos que se acham nessas
condições 9. Donde é claro que nenhuma deficiência pode causar a
coragem senão por acidente, i. é, enquanto tem alguma excelência adjunta,
verdadeira ou julgada como tal, seja por nós mesmos, ou por outrem.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1.
De problematibus (séc. XXVII, probl. 4).
2. II Rhetoric. (cap. V).
3. III Ethic. (lect. XVII).
4. II Rhetoric. (cap. V).
5. Q. 45, a. 1, 2.
6.
II Rhetoric. (cap. V).
7.
lib. III De partibus animalium (cap. IV).
8.
De probl. (sect. XXVII, probl. 4).
9.
II Rhetoric., cap. V.
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