08/10/2013

Tratado das paixões da alma 104



Questão 44: Dos efeitos do temor.


Art. 2 — Se o temor nos torna conciliativos.


(IIª-IIªº, q. 129, a . 7, In Psalm. XII).


O segundo discute-se assim. — Parece que o temor não nos torna conciliativos.


1. — Pois, o que nos torna conciliativos não pode ao mesmo tempo impedir o conselho. Ora, o temor o impede, porque toda paixão perturba a paz, necessária para o bom uso da razão. Logo, o temor não nos torna conciliativos.

2. Demais — O conselho é um acto da razão pelo qual pensamos e deliberamos sobre o futuro. Mas, há certo temor que impede o pensamento e nos faz perder a cabeça, como diz Túlio 1. Logo, o temor não nos torna conciliativos, mas antes impede o conselho.

3. Demais — Assim como usamos do conselho para evitar o mal, dele usamos também para conseguir o bem. Logo, o temor não nos torna, mais que a esperança, conciliativos.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que o temor nos torna conciliativos 2.

Podemos ser conciliativos de dois modos. — Pela vontade ou solicitude em aconselhar. E assim o temor torna-nos conciliativos, porque, como diz o Filósofo, nós deliberamos sobre as grandes coisas, em que quase descremos de nós mesmos 3. Ora, o que incute o temor não é mau, absolutamente, mas reveste-se de uma certa grandeza, por ser apreendido, quer como algo que só dificilmente pode ser repelido, quer como vindo a realizar-se proximamente, conforme já dissemos 4. Donde, sobretudo nos temores é que recorremos ao conselho. — De outro modo, dizemos que é conciliativo quem tem a faculdade de aconselhar bem. E neste sentido nem o temor nem qualquer outra paixão nos torna conciliativos. Porque, quando possuídos de uma paixão, vemos as coisas mais ou menos diferentes do que elas na verdade são, assim, o amante acha melhores que na realidade as coisas que ama, e quem teme acha mais terríveis que na realidade as coisas que lhe causam temor. Donde, por falta da rectidão de juízo, qualquer paixão, em si mesma, impede a faculdade de aconselhar bem.

Donde se deduz clara A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Quanto mais forte é uma paixão tanto maior travamento sofre quem é tomado dela. Donde, sendo o temor forte, embora queiramos deliberar, ficamos com o pensamento perturbado de tal maneira, que não podemos tomar conselho. Sendo ele porém pequeno, que deixe lugar ao conselho e nem perturbe demasiado a razão, pode até mesmo auxiliar a faculdade de bem aconselhar, em razão da solicitude que provoca.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Também a esperança nos torna conciliativos, pois, como diz o Filósofo, ninguém delibera sobre o que desespera 5, como nem sobre o impossível 6, segundo o mesmo. Ora, o temor torna-nos mais conciliativos que a esperança, porque esta é relativa a um bem que podemos alcançar, e aquele, a um mal que apenas podemos repelir. Donde, maior dificuldade implica este que aquela, e por isso deliberamos, como já dissemos, quando a situação é difícil, e mal confiamos em nós.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. IV De tusculanis quaestionibus (cap. VIII).
2. II Rhetoric. (cap. V).
3. III Ethic. (lect. VII).
4. Q. 42, a. 2.
5. II Rhetoric, cap. V.
6. III Ethic., lect. VII.


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