Questão 35: Da dor e da tristeza em si mesmas.
Art. 4 — Se a tristeza é universalmente contrária ao prazer.
O quarto discute-se assim. — Parece que a tristeza é universalmente contrária ao prazer.
1. — Pois, assim como a brancura e a negrura são espécies contrárias de cor, assim espécies contrárias de paixões da alma são o prazer e a tristeza. Ora, a brancura e a negrura opõem-se universalmente. Logo, também o prazer e a tristeza.
2. Demais — Remédio supõe
contrariedade. Ora, o prazer é um remédio universal contra a tristeza, como se
vê claramente no Filósofo 1. Logo, o prazer é universalmente
contrário a qualquer tristeza.
3. Demais — Os contrários são
impedimentos uns dos outros. Ora, a tristeza impede universalmente o prazer,
como se vê claro no Filósofo 2. Logo, a tristeza é contrária
universalmente ao prazer.
Mas, em contrário. — Os contrários não
podem ter a mesma causa. Ora, pela mesma disposição, (habitus) alegramo-nos com
uma coisa e nos contristamos com a oposta, e daí vem que a caridade leva a nos
alegrarmos com os que se alegram e a chorarmos com os que choram, como diz o
Apóstolo (Rm 12, 15). Logo, nem toda tristeza é contrária ao prazer.
Como diz Aristóteles, a
contrariedade é uma diferença formal 3, e a forma é geral ou especial. Donde resultam certas contrariedades de forma genérica, como a da
virtude e do vício, e outras de forma específica como a de justiça e injustiça.
Devemos porém notar que certas coisas
se especificam por formas absolutas, como as substâncias e as qualidades, e
outras, por comparação com algo de extrínseco e, assim as paixões e os
movimentos se especificam pelos termos ou pelos objectos. Por isso, nos casos
em que as espécies são consideradas relativamente a formas absolutas, as
espécies contidas em géneros contrários não são contrários especificamente, mas
isso não importa tenham qualquer afinidade ou conveniência entre si. Assim, a
intemperança e a justiça, pertencentes a géneros contrários, a saber à virtude
e ao vício, não são contrárias entre si quanto à noção específica própria, mas
nem por isso tem qualquer afinidade ou conveniência mútua. Mas nos casos em que
as espécies se fundam na relação com algo de extrínseco, sucede que as dos géneros
contrários não só não são contrários entre si, mas ainda tem uma certa
conveniência e afinidade mútua. E isso porque comportar-se do mesmo modo em
relação aos contrários implica em contrariedade, assim, aproximar-se do branco
e aproximar-se do preto supõe a noção de contrariedade, ao passo que
comportar-se de modo contrário em relação aos contrários importa a noção de
semelhança, como afastar-se do branco e aproximar-se do preto. E isto se manifesta
sobretudo na contradição, que é princípio de oposição, e esta consiste em
afirmar e negar a mesma coisa, como, branco e não-branco, porém a afirmação de
um dos opostos e a negação de outro importam conveniência e semelhança, como
quando digo preto e não-branco.
Ora, a tristeza e o prazer sendo
paixões, especificam-se pelos seus objectos. E certamente, tem entre si
contrariedade genérica, pois este implica a prossecução e aquela, a fuga, que
se comportam, em relação ao apetite, como a afirmação e a negação relativamente
à razão, conforme diz Aristóteles 4. E portanto, a tristeza e o
prazer, referentes ao mesmo objecto, opõem-se especificamente entre si. Porém a
tristeza e o prazer relativos a objectos diversos, se estes não forem opostos,
mas desproporcionados, não mantêm entre si oposição específica, mas são também
desproporcionados, assim o entristecer-se pela morte de um amigo e o
deleitar-se com a contemplação. Se porém esses objectos diversos forem
contrários, então o prazer e a tristeza não só não mantêm contrariedade
específica mas antes, tem conveniência e afinidade, assim, o alegrar-se com o
bem e o entristecer-se com o mal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A brancura e a negrura não se especificam pela relação com algo de
extrínseco, como o prazer e a tristeza. Portanto não realizam a mesma noção.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O género funda-se
na matéria, como está claro em Aristóteles 5. Nos acidentes porém, o
sujeito ocupa o lugar da matéria. Ora, como já dissemos, o prazer e a tristeza
são genericamente contrários. E portanto, em qualquer tristeza a disposição do
sujeito é contrária à disposição de qualquer prazer, em que o apetite se
comporta como aceitante do que tem, ao passo que em toda tristeza procura
fugir. E assim, em relação ao sujeito, o prazer é remédio universal contra a tristeza,
e a tristeza é empecilho universal a qualquer prazer, e sobretudo quando o
prazer é especificamente contrário à tristeza.
Donde se deduz clara A RESPOSTA À
TERCEIRA OBJECÇÃO. — Ou se pode responder de outro modo que, embora nem toda
tristeza seja especificamente contrária a qualquer prazer, contudo quanto ao
efeito é, pois este conforta a natureza animal e aquela, de certo modo, a
molesta.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. VII Ethic., lect. XIV.
2. X Ethic., lect. VII.
3. X Metaph., lect. V.
4. VI Ethic., lect. II.
5. VIII Metaph., lect. II.
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