25/06/2013

Tratado das paixões da alma 62



Questão 35: Da dor e da tristeza em si mesmas.


Art. 4 — Se a tristeza é universalmente contrária ao prazer.




O quarto discute-se assim. — Parece que a tristeza é universalmente contrária ao prazer.


1. — Pois, assim como a brancura e a negrura são espécies contrárias de cor, assim espécies contrárias de paixões da alma são o prazer e a tristeza. Ora, a brancura e a negrura opõem-se universalmente. Logo, também o prazer e a tristeza.

2. Demais — Remédio supõe contrariedade. Ora, o prazer é um remédio universal contra a tristeza, como se vê claramente no Filósofo 1. Logo, o prazer é universalmente contrário a qualquer tristeza.

3. Demais — Os contrários são impedimentos uns dos outros. Ora, a tristeza impede universalmente o prazer, como se vê claro no Filósofo 2. Logo, a tristeza é contrária universalmente ao prazer.

Mas, em contrário. — Os contrários não podem ter a mesma causa. Ora, pela mesma disposição, (habitus) alegramo-nos com uma coisa e nos contristamos com a oposta, e daí vem que a caridade leva a nos alegrarmos com os que se alegram e a chorarmos com os que choram, como diz o Apóstolo (Rm 12, 15). Logo, nem toda tristeza é contrária ao prazer.

Como diz Aristóteles, a contrariedade é uma diferença formal 3, e a forma é geral ou especial. Donde resultam certas contrariedades de forma genérica, como a da virtude e do vício, e outras de forma específica como a de justiça e injustiça.

Devemos porém notar que certas coisas se especificam por formas absolutas, como as substâncias e as qualidades, e outras, por comparação com algo de extrínseco e, assim as paixões e os movimentos se especificam pelos termos ou pelos objectos. Por isso, nos casos em que as espécies são consideradas relativamente a formas absolutas, as espécies contidas em géneros contrários não são contrários especificamente, mas isso não importa tenham qualquer afinidade ou conveniência entre si. Assim, a intemperança e a justiça, pertencentes a géneros contrários, a saber à virtude e ao vício, não são contrárias entre si quanto à noção específica própria, mas nem por isso tem qualquer afinidade ou conveniência mútua. Mas nos casos em que as espécies se fundam na relação com algo de extrínseco, sucede que as dos géneros contrários não só não são contrários entre si, mas ainda tem uma certa conveniência e afinidade mútua. E isso porque comportar-se do mesmo modo em relação aos contrários implica em contrariedade, assim, aproximar-se do branco e aproximar-se do preto supõe a noção de contrariedade, ao passo que comportar-se de modo contrário em relação aos contrários importa a noção de semelhança, como afastar-se do branco e aproximar-se do preto. E isto se manifesta sobretudo na contradição, que é princípio de oposição, e esta consiste em afirmar e negar a mesma coisa, como, branco e não-branco, porém a afirmação de um dos opostos e a negação de outro importam conveniência e semelhança, como quando digo preto e não-branco.

Ora, a tristeza e o prazer sendo paixões, especificam-se pelos seus objectos. E certamente, tem entre si contrariedade genérica, pois este implica a prossecução e aquela, a fuga, que se comportam, em relação ao apetite, como a afirmação e a negação relativamente à razão, conforme diz Aristóteles 4. E portanto, a tristeza e o prazer, referentes ao mesmo objecto, opõem-se especificamente entre si. Porém a tristeza e o prazer relativos a objectos diversos, se estes não forem opostos, mas desproporcionados, não mantêm entre si oposição específica, mas são também desproporcionados, assim o entristecer-se pela morte de um amigo e o deleitar-se com a contemplação. Se porém esses objectos diversos forem contrários, então o prazer e a tristeza não só não mantêm contrariedade específica mas antes, tem conveniência e afinidade, assim, o alegrar-se com o bem e o entristecer-se com o mal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A brancura e a negrura não se especificam pela relação com algo de extrínseco, como o prazer e a tristeza. Portanto não realizam a mesma noção.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O género funda-se na matéria, como está claro em Aristóteles 5. Nos acidentes porém, o sujeito ocupa o lugar da matéria. Ora, como já dissemos, o prazer e a tristeza são genericamente contrários. E portanto, em qualquer tristeza a disposição do sujeito é contrária à disposição de qualquer prazer, em que o apetite se comporta como aceitante do que tem, ao passo que em toda tristeza procura fugir. E assim, em relação ao sujeito, o prazer é remédio universal contra a tristeza, e a tristeza é empecilho universal a qualquer prazer, e sobretudo quando o prazer é especificamente contrário à tristeza.

Donde se deduz clara A RESPOSTA À TERCEIRA OBJECÇÃO. — Ou se pode responder de outro modo que, embora nem toda tristeza seja especificamente contrária a qualquer prazer, contudo quanto ao efeito é, pois este conforta a natureza animal e aquela, de certo modo, a molesta.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. VII Ethic., lect. XIV.
2. X Ethic., lect. VII.
3. X Metaph., lect. V.
4. VI Ethic., lect. II.
5. VIII Metaph., lect. II.

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