Questão 35: Da dor e da tristeza em si mesmas.
Art. 2 — Se a tristeza é dor.
(III, q 15 a. 6, III Sent., dist. XV, 1. 2 a. 3, qª 1, 2, De Verit., q. 26, a. 3, ad 9, a. 4 ad 4).
O segundo discute-se assim. — Parece
que a tristeza não é dor.
1. — Pois, como diz Agostinho, a dor refere-se ao corpo 1. Ora, a tristeza diz respeito sobretudo, à alma. Logo, a tristeza não é dor.
2. Demais — A dor só se refere ao mal
presente. Ora, a tristeza pode referir-se ao pretérito e ao futuro, assim, a
penitência é uma tristeza relativa ao pretérito e a ansiedade, ao futuro. Logo,
a tristeza difere absolutamente da dor.
3. Demais — A dor não é causada senão
pelo sentido do tacto. Ora, a tristeza pode ser causada por todos os sentidos.
Logo, a tristeza não é dor e é objecto de um conceito mais lato.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Rm
9, 2): Tenho grande tristeza e contínua dor no meu coração, usando das
palavras tristeza e dor no mesmo sentido.
O prazer e a dor podem ser
causados por dupla apreensão: pela do sentido externo ou pela interna, da
inteligência ou da imaginação. Ora, a apreensão interna tem maior extensão que
a externa, pois tudo o que entra no domínio desta entra também no daquela, mas
não inversamente. Donde, só o prazer causado pela apreensão interna é
denominado alegria, como já dissemos 2. E semelhantemente, é chamada
tristeza só aquela dor que é causada pela apreensão interna. E assim como só o
prazer causado pela apreensão externa merece o nome de tal e não o de alegria,
assim também a dor causada pela apreensão externa tem tal denominação e não a de
tristeza. Logo, a tristeza é uma espécie de dor, como a alegria é uma espécie
de prazer.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— No passo aduzido, Agostinho se refere ao uso do vocábulo, pois a palavra dor
é usada sobretudo para exprimir as dores corpóreas, que são mais conhecidas, do
que para exprimir as dores espirituais.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Ao passo que o
sentido externo só percebe o presente, a faculdade cognitiva interna pode
perceber o presente, o pretérito e o futuro. E por isso a tristeza pode referir-se
ao presente, ao pretérito e ao futuro, ao passo que a dor corpórea, consecutiva
à apreensão do sentido externo só pode referir-se ao presente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os sensíveis do
tacto são dolorosos, não só enquanto desproporcionados à potência apreensiva
mas também na medida em que contrariam a natureza. Os sensíveis dos outros
sentidos porém, embora possam ser desproporcionados à potência apreensiva,
contudo não contrariam a natureza senão em ordem aos sensíveis do tacto. Por
isso, só o homem, animal de conhecimento perfeito, se deleita com os sensíveis
em si mesmos dos outros sentidos, enquanto os brutos só se deleitam com eles na
medida em que se referem aos sensíveis do tacto, como diz o Filósofo 3.
E por isso, em relação aos sensíveis dos outros sentidos, não dizemos que há
dor enquanto esta contraria o prazer natural, mas antes, tristeza, que
contraria o prazer animal. Se, pois, numa acepção mais usual, tomarmos a dor
como significando dor corpórea, ela divide-se, por oposição com a tristeza e
relativamente à distinção entre apreensão interna e externa, embora quanto aos objectos
o prazer tenha maior extensão que a dor corpórea. Se porém tomarmos a palavra
dor numa acepção comum, então ela vem a ser um género de tristeza, como já dissemos.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1.
XIV De civit. Dei, cap. VII.
2. Q. 31, a. 3.
3. III Ethic., lect. XIX, XX.
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