Questão 31: Do prazer em si mesmo.
Art. 5 ― Se os prazeres corpóreos e sensíveis são maiores que os espirituais e intelectuais.
(IV Sent., dist. XLIX, q. 3, a . 5, qª 1, In Psalm., XVIII, I Ethic., lect. XIII, XII Metaph., lect. VIII).
O
quinto discute-se assim. ― Parece que os prazeres corpóreos e sensíveis são
maiores que os espirituais e intelectuais.
1. ― Pois, todos procuramos algum prazer, segundo o Filósofo 1. Ora, o número dos que buscam os prazeres sensíveis é maior do que o dos que procuram os prazeres espirituais da inteligência. Logo, os prazeres corpóreos são mais intensos.
2.
Demais. ― A grandeza da causa é conhecida pelo efeito. Ora, os prazeres
corpóreos produzem efeitos mais fortes, pois, como diz o Filósofo: transmutam o
corpo e produzem a insânia em alguns 2. Logo, os prazeres corpóreos
são maiores.
3.
Demais. ― É preciso temperar e refrear os prazeres corpóreos, por causa da
veemência deles. Ora, não é preciso refrear os prazeres espirituais. Logo, os
primeiros são mais fortes.
Mas,
em contrário, diz a Escritura (Sl 118, 103): Que doces são as tuas
palavras ao meu paladar: mais que o mel à minha boca! E o Filósofo diz: o
prazer máximo é o que acompanha a actividade da sabedoria 3.
SOLUÇÃO.
― Como já dissemos 4, o prazer provém da união com o objecto conveniente, sentido ou conhecido. Devemos notar porém que as operações da
alma, principalmente as sensitivas e as intelectivas, intransitivas à matéria
exterior, são actos ou perfeições do agente, como inteligir, sentir, querer e actos
semelhantes, ao passo que os actos que recaem sobre a matéria exterior são,
antes, actos e perfeições da matéria transmutada, pois, o movimento é um acto
que o móvel recebe do motor 5. Donde, as referidas acções da alma
sensitiva e intelectiva são, de um lado, um certo bem do agente, e são também
conhecidas pelo sentido e pelo intelecto, donde vem que delas, e não somente
dos seus objectos, resulta o prazer.
Se
porém compararmos os prazeres intelectuais com os sensíveis, enquanto nos
deleitamos com esses próprios actos, que são o conhecimento sensível e o
intelectual, não há dúvida que os prazeres intelectuais são muito maiores que
os sensíveis. Pois nós deleitamo-nos muito mais inteligindo que sentindo um objecto,
porque o intelecto, refletindo sobre o seu acto muito mais que o sentido sobre
o seu, conhece mais perfeitamente e mais do que o sentido. E por isso o
conhecimento intelectual é preferível, pois não há ninguém que não queira,
antes, ser privado da visão corpórea do que da intelectual, equiparando-se aos
brutos e aos estultos, como diz Agostinho 6.
Mas
se compararmos os prazeres intelectuais espirituais como os sensíveis
corpóreos, então absolutamente falando aqueles são maiores. E isto bem o
demonstram os três elementos que o prazer requer: um bem conexo, o ser ao que
ele se une e a própria união. ― Ora, o bem espiritual em si mesmo é maior que o
corpóreo e mais amado. E a prova está em que os homens se abstêm dos prazeres
corpóreos, mesmo dos maiores, para não perderem a honra, bem espiritual. ―
Semelhantemente, a parte intelectiva é em si mesma muito mais nobre e mais cognoscitiva
que a parte sensitiva. ― E por fim, a união do intelecto com o seu objecto é
mais íntima, mais perfeita e mais consistente que a união do sentido com o seu.
― Mais íntima, porque o sentido apreende os acidentes exteriores das coisas, ao
passo que o intelecto penetra-lhes até a essência, pois, o seu objecto é a quididade.
― Mais perfeita, porque à união do sensível com o sentido se acrescenta o
movimento, que é um acto imperfeito, e por isso, os prazeres sensíveis não são
de totalidade simultânea, mas há neles algo de transitório e algo cuja
consumação se espera, como bem o demonstram os prazeres da mesa e os venéreos.
Os prazeres espirituais porém não implicando o movimento, tem uma totalidade
simultânea. ― Mais consistente, porque os objectos dos prazeres corpóreos são
corruptíveis e desaparecem rapidamente, ao passo que os bens espirituais são
incorruptíveis.
Todavia,
em relação a nós, os prazeres corpóreos são mais veementes, por três razões. ―
Primeiro, porque conhecemos as coisas sensíveis melhor que as espirituais. ―
Segunda, porque os prazeres sensíveis, sendo paixões do apetite sensitivo,
implicam alguma transmutação corpórea, o que não se dá com os prazeres
espirituais, senão por alguma redundância do apetite superior no inferior. ―
Terceira, porque os prazeres corpóreos são desejados como remédios contra deficiências
ou moléstias corpóreas, que causam certas tristezas, e por isso tais prazeres,
supervenientes a essas tristezas, são mais sentidos e, por consequência mais
aceites que os espirituais, sem tristezas contrárias, como a seguir se dirá 7.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― É maior o número dos que buscam os prazeres
corpóreos porque são mais conhecidos, e é maior o número dos que o conhecem. E
também porque os homens precisamos desses prazeres como remédios contra toda
sorte de dores e tristezas, e como a maior parte dos homens não pode alcançar
os prazeres espirituais, próprios dos virtuosos, é consequente descambem para
os corpóreos.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A transmutação corpórea é causada sobretudo pelos prazeres
corpóreos, enquanto são paixões do apetite sensitivo.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Os prazeres corpóreos pertencem à parte corpórea, regulada pela
razão, e por isso precisam ser temperados e regulados por esta, ao passo que os
espirituais pertencem ao ânimo, que é a própria regra, e por isso são em si
mesmos sóbrios e moderados.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. X Ethic., lect. II, VI.
2. VII Ethic., lect. III.
3. X Ethic., lect. X.
4. Q. 31, a. 1.
5. III Phys., lect. IV.
6.
De civ. Dei, XIV De Trinit., cap. XVI.
7.
Q. 35, a. 5.
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