02/06/2013

Tratado das paixões da alma 45



Questão 31: Do prazer em si mesmo.

Art. 5 ― Se os prazeres corpóreos e sensíveis são maiores que os espirituais e intelectuais.

(IV Sent., dist. XLIX, q. 3, a . 5, qª 1, In Psalm., XVIII, I Ethic., lect. XIII, XII Metaph., lect. VIII).


O quinto discute-se assim. ― Parece que os prazeres corpóreos e sensíveis são maiores que os espirituais e intelectuais.


1. ― Pois, todos procuramos algum prazer, segundo o Filósofo 1. Ora, o número dos que buscam os prazeres sensíveis é maior do que o dos que procuram os prazeres espirituais da inteligência. Logo, os prazeres corpóreos são mais intensos.

2. Demais. ― A grandeza da causa é conhecida pelo efeito. Ora, os prazeres corpóreos produzem efeitos mais fortes, pois, como diz o Filósofo: transmutam o corpo e produzem a insânia em alguns 2. Logo, os prazeres corpóreos são maiores.

3. Demais. ― É preciso temperar e refrear os prazeres corpóreos, por causa da veemência deles. Ora, não é preciso refrear os prazeres espirituais. Logo, os primeiros são mais fortes.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Sl 118, 103): Que doces são as tuas palavras ao meu paladar: mais que o mel à minha boca! E o Filósofo diz: o prazer máximo é o que acompanha a actividade da sabedoria 3.

SOLUÇÃO. ― Como já dissemos 4, o prazer provém da união com o objecto conveniente, sentido ou conhecido. Devemos notar porém que as operações da alma, principalmente as sensitivas e as intelectivas, intransitivas à matéria exterior, são actos ou perfeições do agente, como inteligir, sentir, querer e actos semelhantes, ao passo que os actos que recaem sobre a matéria exterior são, antes, actos e perfeições da matéria transmutada, pois, o movimento é um acto que o móvel recebe do motor 5. Donde, as referidas acções da alma sensitiva e intelectiva são, de um lado, um certo bem do agente, e são também conhecidas pelo sentido e pelo intelecto, donde vem que delas, e não somente dos seus objectos, resulta o prazer.

Se porém compararmos os prazeres intelectuais com os sensíveis, enquanto nos deleitamos com esses próprios actos, que são o conhecimento sensível e o intelectual, não há dúvida que os prazeres intelectuais são muito maiores que os sensíveis. Pois nós deleitamo-nos muito mais inteligindo que sentindo um objecto, porque o intelecto, refletindo sobre o seu acto muito mais que o sentido sobre o seu, conhece mais perfeitamente e mais do que o sentido. E por isso o conhecimento intelectual é preferível, pois não há ninguém que não queira, antes, ser privado da visão corpórea do que da intelectual, equiparando-se aos brutos e aos estultos, como diz Agostinho 6.

Mas se compararmos os prazeres intelectuais espirituais como os sensíveis corpóreos, então absolutamente falando aqueles são maiores. E isto bem o demonstram os três elementos que o prazer requer: um bem conexo, o ser ao que ele se une e a própria união. ― Ora, o bem espiritual em si mesmo é maior que o corpóreo e mais amado. E a prova está em que os homens se abstêm dos prazeres corpóreos, mesmo dos maiores, para não perderem a honra, bem espiritual. ― Semelhantemente, a parte intelectiva é em si mesma muito mais nobre e mais cognoscitiva que a parte sensitiva. ― E por fim, a união do intelecto com o seu objecto é mais íntima, mais perfeita e mais consistente que a união do sentido com o seu. ― Mais íntima, porque o sentido apreende os acidentes exteriores das coisas, ao passo que o intelecto penetra-lhes até a essência, pois, o seu objecto é a quididade. ― Mais perfeita, porque à união do sensível com o sentido se acrescenta o movimento, que é um acto imperfeito, e por isso, os prazeres sensíveis não são de totalidade simultânea, mas há neles algo de transitório e algo cuja consumação se espera, como bem o demonstram os prazeres da mesa e os venéreos. Os prazeres espirituais porém não implicando o movimento, tem uma totalidade simultânea. ― Mais consistente, porque os objectos dos prazeres corpóreos são corruptíveis e desaparecem rapidamente, ao passo que os bens espirituais são incorruptíveis.

Todavia, em relação a nós, os prazeres corpóreos são mais veementes, por três razões. ― Primeiro, porque conhecemos as coisas sensíveis melhor que as espirituais. ― Segunda, porque os prazeres sensíveis, sendo paixões do apetite sensitivo, implicam alguma transmutação corpórea, o que não se dá com os prazeres espirituais, senão por alguma redundância do apetite superior no inferior. ― Terceira, porque os prazeres corpóreos são desejados como remédios contra deficiências ou moléstias corpóreas, que causam certas tristezas, e por isso tais prazeres, supervenientes a essas tristezas, são mais sentidos e, por consequência mais aceites que os espirituais, sem tristezas contrárias, como a seguir se dirá 7.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― É maior o número dos que buscam os prazeres corpóreos porque são mais conhecidos, e é maior o número dos que o conhecem. E também porque os homens precisamos desses prazeres como remédios contra toda sorte de dores e tristezas, e como a maior parte dos homens não pode alcançar os prazeres espirituais, próprios dos virtuosos, é consequente descambem para os corpóreos.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― A transmutação corpórea é causada sobretudo pelos prazeres corpóreos, enquanto são paixões do apetite sensitivo.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Os prazeres corpóreos pertencem à parte corpórea, regulada pela razão, e por isso precisam ser temperados e regulados por esta, ao passo que os espirituais pertencem ao ânimo, que é a própria regra, e por isso são em si mesmos sóbrios e moderados.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. X Ethic., lect. II, VI.
2. VII Ethic., lect. III.
3. X Ethic., lect. X.
4. Q. 31, a. 1.
5. III Phys., lect. IV.
6. De civ. Dei, XIV De Trinit., cap. XVI.
7. Q. 35, a. 5.

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