Questão 32: Da causa do prazer
Art. 2 ― Se o movimento é causa do prazer.
(IV Sent., dist. XLIX, q. 3, a . 2, ad 3).
O
segundo discute-se assim. ― Parece que o movimento não é causa do prazer.
1. ― Porque, como já dissemos 1, o bem presentemente obtido é a causa do prazer, e por isso o Filósofo diz, que o prazer não é comparável à geração, mas à operação de um ser já existente 2. Ora, o que é movido para um termo ainda não o alcançou, mas de certo modo está em via de geração, relativamente a ele, enquanto todo movimento implica a geração e a corrupção, como diz Aristóteles 3. Logo, o movimento não é causa do prazer.
2.
Demais. ― O movimento introduz no agir a fadiga e a lassidão. Ora, actividades
laboriosas fatigantes não são deleitáveis mas antes, aflitivas. Logo, o
movimento não é causa do prazer.
3.
Demais. ― O movimento implica uma certa inovação que se opõe ao hábito. Ora, as
coisas habituais são-nos deleitáveis, como diz o Filósofo 4. Logo, o
movimento não é causa do prazer.
Mas,
em contrário, diz Agostinho: Porque isto, Senhor, meu Deus, quando és
eternamente para ti mesmo a tua alegria, e quando várias das tuas criaturas
gozam junto de ti sempiternamente? Porque este vosso mundo se compraz, contínua
e alternadamente na deficiência e na abundância, na guerra e na paz? 5
Donde se conclui que os homens gozam e se deleitam com certas mudanças. E
então, o movimento, parece, é causa do prazer.
Requerem-se três condições para o prazer: duas primeiras, cuja união é
deleitável, e a terceira, o conhecimento dessa união. E de acordo com essas
três condições o movimento torna-se deleitável, como diz o Filósofo 6.
Pois, quanto a nós, que nos deleitamos, a transmutação torna-se-nos deleitável
porque a nossa natureza é sujeita a mudanças, donde, o que agora nos é
conveniente já não o é mais tarde, assim, aquecer-se ao fogo, conveniente ao
homem no inverno, não o é no verão. ― Também quanto ao bem que deleita, e que
se nos une a nós, a transmutação é deleitável. Porque a actividade continuada
de um agente aumenta-lhe o efeito, assim, quanto mais alguém se aproxima do
fogo, mais se aquece e desseca. Ora, a disposição natural implica uma certa
medida. Logo, quando a presença continuada do objecto deleitável sobre-excede a
medida dessa disposição natural, torna-se desejável o seu afastamento. ― E por
fim, em relação ao conhecimento, a mudança também nos é deleitável. Pois, de um
lado, o homem deseja conhecer, total e perfeitamente, tudo o que conhece, mas
como, de outro, não pode apreender total e simultaneamente certos objectos,
deleitar-se com a transmutação, de modo que, a uma parte sucede outra e, assim,
seja sentido o todo. Donde o dito de Agostinho: Não queres por certo que as
sílabas se detenham, mas que se evolem e dêm lugar a outras, de modo que ouças
toda a palavra. O mesmo se dá com todas as coisas que formam um todo, mas que
não existem simultaneamente: o todo, se pudesse ser apreendido simultaneamente,
deleitaria mais que cada uma das partes 7.
Se
portanto um objecto deleitável, intransmutável por natureza, não puder ser
excessivo, pela sua continuada presença, em relação à disposição natural do
homem, e se demais disso, puder ser apreendido total e simultaneamente, a sua
mudança não será agradável. E quanto mais os prazeres se aproximarem deste
tipo, tanto mais poderão ter uma presença continuada.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Embora o que é movido ainda não tenha chegado
perfeitamente ao termo, já começa contudo de ter algo desse termo. E neste
sentido, o movimento, em si mesmo, já participa algo do prazer, embora não
encerre o prazer perfeito, pois os prazeres mais perfeitos são os que têm por objecto
objectos imóveis. ― E também o movimento torna-se deleitável enquanto por ele
se torna conveniente o que antes não o era, ou deixa de o ser, como já se
disse.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― O movimento causa fadiga e lassidão, quando ultrapassa a nossa
disposição natural. Ora, não é nesse sentido que o movimento é deleitável, mas
enquanto remove o que encontre essa disposição natural.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― O habitual é deleitável quando se torna natural, pois o hábito é
uma quase segunda natureza. Ora, o movimento é deleitável, não por certo
enquanto se afasta do habitual, mas antes, enquanto impede a corrupção da
disposição natural, que poderia provir de uma actividade continuada. De modo
que pela mesma causa de conaturalidade tornam-se deleitáveis o hábito e o
movimento.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. Q. 31, a. 1.
2. VII Ethic., lect. XII.
3. VIII Physic., lect. VI.
4. I Rhetor., cap. XI.
5. VIII Confess., cap. III.
6. VII Ethic., lect. XIV et I
Rhetoric., cap. XI.
7.
IV Confess., cap. XI.
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