15/05/2013

Tratado das paixões da alma 27



Questão 28: Dos efeitos do amor.

Art. 4 ― Se o zelo é efeito do amor.

(In Ioann., cap. II, lect. II, Cor., cap. XIV, lect. I, II, cap. XI, lect 1).




O quarto discute-se assim. ― Parece que o zelo não é efeito do amor.



1. ― Pois, o zelo é princípio da contenção, e por isso diz a Escritura (1 Cor 3, 3): Por quanto, havendo entre vós zelos e contendas, etc. Ora, a contenção repugna ao amor. Logo, o zelo não é efeito do amor.

2. Demais. ― O objecto do amor é o bem, de si mesmo comunicativo. Ora, o zelo repugna à comunicação, pois por zelo não admitimos participe outrem do ser amado, assim, dizemos que os homens têm zelos pelas esposas, porque não querem tê-las em comum com outros. Logo, o zelo não é efeito do amor.

3. Demais. ― O zelo não vai sem o ódio nem sem o amor, pois, diz a Escritura (Sl 72, 3): Tive zelo sobre os ímpios. Logo, não deve ser considerado efeito mais do amor que do ódio.

Mas, em contrário, diz Dionísio, que Deus é chamado zelote, pelo muito amor que tem pelos seres existentes.

O zelo, qualquer que seja o sentido que lhe dê, provém da intensidade do amor. Ora, é manifesto que quanto mais intensamente uma potência tende para um objecto, tanto mais fortemente repele tudo o contrário e repugnante. Ora, sendo o amor um certo movimento para o amado com diz Agostinho 1, o amor intenso procura excluir tudo o a que repugna.

Porém isto dá-se, de um modo, no amor de concupiscência, e de outro no de amizade. ― Pois, quem intensamente deseja uma coisa é levado, contra tudo o que repugna à consecução ou ao gozo tranquilo do ser amado. Dizemos então, que os maridos têm zelos pelas esposas, afim de a participação de outros não contrariar a posse exclusiva que delas querem ter. Semelhantemente, os que buscam a excelência se opõem aos que são considerados excelentes e lhes impedem a excelência que querem ter. E este é o zelo da inveja, da qual diz a Escritura (Sl 36, 1): Não queiras imitar aos malignos, nem invejes aos que obram iniquidade. ― O amor de amizade porém quer o bem do amigo, e por isso, quando é intenso, leva-nos a insurgir contra tudo o que repugna ao bem do amigo. E neste sentido dizemos que zela pelo amigo quem se esforça por repelir o que se diz ou faz contra o bem do mesmo. E também deste modo dizemos que zela por Deus quem se esforça por repelir como pode tudo o que é contra a honra ou a vontade de Deus, segundo aquilo da Escritura (3 Rs 19, 14): Eu me consumo de zelo pelo Senhor Deus dos exércitos, e sobre aquilo do Evangelho (Jo 2, 17): O zelo da tua casa me comeu, diz a Glosa que é devorado do zelo quem se apressa em corrigir qualquer mal que vê e, se não o pode, tolera-o gemendo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― No passo aduzido o Apóstolo se refere ao zelo da inveja que é, certo, causa da contenção, não contra o objecto amado, mas, em favor dele, contra tudo o que lhe é impedimento.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O bem é amado enquanto é comunicável ao amante, por isso tudo o que impede a perfeição dessa comunicação torna-se odioso, e assim o zelo é causado pelo amor do bem. Acontece porém que, por bondade deficiente, certos bens limitados não podem ser integralmente possuídos por muitos, nascendo então do amor desses bens o zelo da inveja. Não nasce porém propriamente, dos bens que podem, na sua integralidade, ser possuídos por muitos, assim ninguém inveja outrem por causa do conhecimento da verdade, capaz de ser conhecida por muitos integralmente, mas talvez por causa da excelência desse conhecimento.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― É do próprio amor que procede o ódio pelo que repugna ao amado. Donde, o zelo, propriamente falando, é considerado efeito, mais do amor que do ódio.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. LXXXIII Quaestion., q. XXXV.

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