TEMA 17. A liturgia e os
sacramentos em geral 6
3. A Liturgia
A
liturgia cristã «é essencialmente acção de Deus (actio Dei) que nos envolve em
Jesus por meio do Espírito» 16, e possui uma dupla dimensão:
ascendente e descendente 17. «A liturgia é “acção” do “Cristo total”
(Christus totus)» (Catecismo, 1136), por isso «é toda a comunidade,
o corpo de Cristo unido à sua Cabeça, que celebra» (Catecismo, 1140).
No centro da assembleia encontra-se o próprio Jesus Cristo (cf. Mt 18, 20),
agora ressuscitado e glorioso. Cristo precede a assembleia que celebra. Ele –
que actua inseparavelmente unido ao Espírito Santo – convoca-a, reúne-a e
ensina-a. Ele, o Sumo e Eterno Sacerdote é o principal protagonista da acção
ritual que torna presente o evento fundador, embora se sirva dos seus ministros
para re-presentar (para tornar presente, real e verdadeiramente, no aqui e
agora da celebração litúrgica) o seu sacrifício redentor e tornar-nos
participantes dos dons conviviais da sua Eucaristia.
Sem
esquecer que, formando com Cristo-Cabeça «como que uma única pessoa mística» 18,
a Igreja actua nos sacramentos como “comunidade sacerdotal”, “organicamente
estruturada”: graças ao Baptismo e à Confirmação, o povo sacerdotal torna-se
apto para celebrar a Eucaristia. Por isso, «as acções litúrgicas não são acções
privadas, mas celebrações da Igreja (…), pertencem a todo o corpo da Igreja,
manifestam-no e afectam-no, atingindo, porém, cada um dos membros de modo
diverso, segundo a variedade de estados, funções e participação actual» 19.
Em
cada celebração litúrgica comparticipa toda a Igreja, céus e terra, Deus e os
homens (cf. Ap 5). A liturgia cristã, embora se celebre apenas aqui
e agora, num lugar concreto e expresse em si uma certa comunidade, é por
natureza católica, provém do todo e conduz ao todo, em unidade com o Papa, com
os bispos em comunhão com o Romano Pontífice, com os crentes de todas as épocas
e lugares «para que Deus seja tudo em todas as coisas» (1 Cor 15, 28).
Nesta perspectiva, é fundamental o princípio de que o verdadeiro sujeito da
liturgia é a Igreja, concretamente a communio sanctorum de todos os lugares e
de todos os tempos 20. Por isso, quanto mais uma celebração está
imbuída desta consciência, tanto mais nela se realiza concretamente o sentido
da liturgia. Expressão desta consciência de unidade e universalidade da Igreja
é o uso do latim e do canto gregoriano em algumas partes da celebração
litúrgica 21.
A
partir destas considerações, podemos afirmar que a assembleia que celebra a
Eucaristia é a comunidade dos baptizados que, «pela regeneração e pela unção do
Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual, sacerdócio santo,
para que, por meio de todas as obras próprias do cristão, ofereçam oblações
espirituais» 22. Este “sacerdócio comum” é o de Cristo, único
Sacerdote, no qual todos os seus membros participam 23. «Assim, na
celebração dos sacramentos, toda a assembleia é “liturga”, cada qual segundo a
sua função, mas “na unidade do Espírito” que age em todos» (Catecismo,
1144). Por isso, a participação nas celebrações litúrgicas, mesmo que não
abarque toda a vida sobrenatural dos fiéis, constitui para eles, como para toda
a Igreja, o cume para o qual tende toda a sua actividade e a fonte donde mana a
sua força 24. Na realidade, «a Igreja recebe-se e simultaneamente
exprime-se nos sete sacramentos, pelos quais a graça de Deus influencia
concretamente a existência dos fiéis para que toda a sua vida, redimida por
Cristo, se torne culto agradável a Deus» 25.
Quando
nos referimos à assembleia como sujeito da celebração quer dizer que cada fiel,
ao actuar como membro participante da assembleia, faz tudo e só o que lhe
corresponde. «Os membros não têm todos a mesma função» (Rm 12, 4).
Alguns são chamados por Deus na e pela Igreja para um serviço especial da
comunidade. Estes servidores são escolhidos pelo sacramento da Ordem, por meio
do qual o Espírito Santo os torna aptos para actuar em representação de Cristo-Cabeça
ao serviço de todos os membros da Igreja 26. Como João Paulo II
esclareceu em diversos momentos, «in persona Christi quer dizer algo mais do
que “em nome”, ou então “nas vezes” de Cristo. In persona, isto é, na
específica e sacramental identificação com o Sumo e Eterno Sacerdote, que é o
Autor e o principal Sujeito deste seu próprio sacrifício, no que
verdadeiramente não pode ser substituído por ninguém» 27. Podemos
dizer graficamente, como diz o Catecismo, que «o ministro ordenado é como que o
“ícone” de Cristo-Sacerdote» (Catecismo, 1142).
«O
mistério celebrado na liturgia é um só, mas as formas da sua celebração são
diversas. A riqueza insondável do mistério de Cristo é tal, que nenhuma
tradição litúrgica pode esgotar-lhe a expressão». (Catecismo, 1200-1201).
«As tradições litúrgicas ou ritos, actualmente em uso na Igreja, são: o rito
latino (principalmente o rito romano, mas também os ritos de certas igrejas
locais, como o rito ambrosiano ou o de certas ordens religiosas) e os ritos
bizantino, alexandrino ou copta, siríaco, arménio, maronita e caldeu» (Catecismo,
1203). «A Igreja considera iguais em direito e honra todos os ritos
legitimamente reconhecidos, quer que se mantenham e sejam por todos os meios promovidos»
28.
juan josé silvestre
Bibliografia
básica:
Catecismo
da Igreja Católica, 1066-1098; 1113-1143; 1200-1211 e 1667-1671.
Leituras
recomendadas:
S.
Josemaria, Homilia «A Eucaristia, mistério de fé e de amor», em Cristo que Passa,
83-94; também os n. 70 e 80. Temas Actuais do Cristianismo, 115.
J.
Ratzinger, Introdução ao Espírito da Liturgia, Edições Paulinas, 2002.
J.L.
Gutiérrez-Martín, Belleza y misterio. La liturgia, vida de la Iglesia, EUNSA
(Astrolabio), Pamplona 2006, pp. 53-84, 13-126.
__________________
Notas:
16
Bento XVI, Ex. ap. Sacramentum Caritatis, 37.
17
«Por um lado, a Igreja, unida ao seu Senhor e “sob a acção do Espírito Santo”
(Lc 10, 21), bendiz o Pai “pelo seu Dom inefável” (2 Cor 9, 15), mediante a
adoração, o louvor e a acção de graças. Por outro lado, e até à consumação do
desígnio de Deus, a Igreja não cessa de oferecer ao Pai “a oblação dos seus
próprios dons” e de Lhe implorar que envie o Espírito Santo sobre esta oblação,
sobre si própria, sobre os fiéis e sobre o mundo inteiro, a fim de que, pela
comunhão na morte e ressurreição de Cristo-Sacerdote e pelo poder do Espírito,
estas bênçãos divinas produzam frutos de vida, «para que seja enaltecida a
glória da sua graça» (Ef 1, 6)» (Catecismo, 1083).
18
Pio XII, Enc. Mystici Corporis; cf. Catecismo, 1119.
19
Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 26; cf. Catecismo, 1140.
20
«A oblação deve redundar em benefício de todos - Orate, fratres, reza o
sacerdote -, porque este sacrifício é meu e vosso, de toda a Igreja Santa.
Orai, irmãos, mesmo que sejam poucos os que se encontram reunidos, mesmo que se
encontre materialmente presente apenas um cristão ou até só o celebrante,
porque uma Missa é sempre o holocausto universal, o resgate de todas as tribos
e línguas e povos e nações! (cf. Ap 5, 9). Todos os cristãos, pela comunhão dos
Santos, recebem as graças de cada Missa, quer se celebre diante de milhares de
pessoas, quer haja apenas como único assistente um menino, possivelmente
distraído, a ajudar o sacerdote. Tanto num caso como noutro, a Terra e o Céu
unem-se para entoar com os Anjos do Senhor: Sanctus, Sanctus, Sanctus...»(S.
Josemaria Escrivá, Cristo que Passa).
21
Cf. Bento XVI, Ex. ap. Sacramentum Caritatis, 62; Concílio Vaticano II, Const.
Sacrosanctum Concilium, 54.
22
Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, 10.
23
Cf. Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, 10 e 34; Decr. Presbyteorum
Ordinis, 2.
24
Cf. Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 20.
25
Bento XVI, Ex. ap. Sacramentum Caritatis, 16.
26
Cf. Concílio Vaticano II, Decr. Presbyterorum Ordinis, 2 e 15.
27
João Paulo II, Enc. Ecclesia de Eucharistia, 29. Nas notas 59 e 60 reproduzem-se
as intervenções do Magistério do século XX sobre este ponto: «O ministro do
altar age personificando Cristo cabeça, que oferece em nome de todos os membros»
28
Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 4.a
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