A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Jo 15, 1-17
1 «Eu sou a videira verdadeira, e Meu
Pai é o agricultor. 2 Todo o ramo que não dá fruto em Mim, Ele o cortará; e
todo o que der fruto, podá-lo-á, para que dê mais fruto. 3 Vós já estais limpos
em virtude da palavra que vos anunciei. 4 Permanecei em Mim e Eu permanecerei
em vós. Como o ramo não pode por si mesmo dar fruto se não permanecer na
videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim. 5 Eu sou a videira, vós
os ramos. Aquele que permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, porque
sem Mim nada podeis fazer. 6 Se alguém não permanecer em Mim, será lançado fora
como o ramo, e secará; depois recolhê-lo-ão, lançá-lo-ão no fogo e arderá. 7 Se
permanecerdes em Mim, e as Minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o
que quiserdes e ser-vos-á concedido. 8 Nisto é glorificado Meu Pai: Em que vós
deis muito fruto e sejais Meus discípulos. 9 Como o Pai Me amou, assim Eu vos
amei. Permanecei no Meu amor. 10 Se observardes os Meus preceitos,
permanecereis no Meu amor, como Eu observei os preceitos de Meu Pai e permaneço
no Seu amor. 11 Disse-vos estas coisas, para que a Minha alegria esteja em vós
e para que a vossa alegria seja completa. 12 «O Meu preceito é este: Amai-vos uns aos
outros, como Eu vos amei. 13 Não há maior amor do que dar a própria vida pelos
seus amigos. 14 Vós sois Meus amigos se fizerdes o que vos mando. 15 Não mais
vos chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas
chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de Meu Pai. 16 Não
fostes vós que Me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi, e vos destinei para
que vades e deis fruto, e para que o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo o
que pedirdes a Meu Pai em Meu nome, Ele vo-lo conceda. 17 Isto vos mando:
Amai-vos uns aos outros.
A mulher na vida do mundo
e da Igreja
87
Monsenhor, é cada vez
maior a presença da mulher na vida social, para além do âmbito familiar, em que
se tinha movido quase exclusivamente até agora. Que lhe parece esta evolução? E
quais são, em seu entender, as características gerais que a mulher tem de
alcançar para cumprir a missão que lhe está confiada?
Em
primeiro lugar, parece-me oportuno não contrapor esses dois âmbitos que acaba
de mencionar. Como na vida do homem, mas com matizes muito peculiares, o lar e
a família ocuparão sempre um lugar central na vida da mulher. É evidente que a
dedicação às tarefas familiares representa uma grande função humana e cristã.
Contudo, isto não exclui a possibilidade de se ocupar em outros trabalhos
profissionais - o do lar também o é -, em qualquer dos ofícios e empregos
honestos que há na sociedade em que se vive. Compreende-se bem o que se quer
dizer ao pôr assim o problema, mas penso que insistir na contraposição sistemática
- mudando só o tom - levaria facilmente, do ponto de vista social, a um erro
maior do que aquele que se pretende corrigir, porque seria mais grave que a
mulher abandonasse o trabalho com os seus.
Também
no plano pessoal se não pode afirmar unilateralmente que a mulher deva alcançar
a perfeição apenas fora do lar, como se o tempo dedicado à família fosse um
tempo roubado ao desenvolvimento e à maturidade da sua personalidade. O lar -
qualquer que seja, porque também a mulher solteira deve ter um lar - é um
âmbito particularmente propício para o desenvolvimento da personalidade. A
atenção prestada à família constituirá sempre para a mulher a sua maior
dignidade; no cuidado com o marido e com os filhos, ou, para falar em termos
mais gerais, no trabalho para criar à sua volta um ambiente acolhedor e
formativo, a mulher realiza o mais insubstituível da sua missão e,
consequentemente, pode atingir aí a sua perfeição pessoal.
Como
acabo de dizer, isso não se opõe à participação em outros aspectos da vida
social e até da política. Também nesses sectores a mulher pode dar uma valiosa
contribuição, como pessoa, e sempre com as peculiaridades da sua condição
feminina. Fá-lo-á na medida em que estiver humana e profissionalmente
preparada. Não há dúvida que tanto a família como a sociedade necessitam dessa
contribuição especial, que não é de modo algum secundária.
Desenvolvimento,
maturidade, emancipação da mulher, não devem significar uma pretensão de
igualdade - de uniformidade - com o homem, uma imitação do modo de agir
varonil. Isso não seria uma aquisição, seria uma perda para a mulher, não
porque ela seja mais ou menos que o homem, mas porque é diferente. Num plano
essencial - que deve ser objecto de reconhecimento jurídico, tanto no direito
civil como no eclesiástico - pode-se falar de igualdade de direitos, porque a
mulher tem, exactamente como o homem, a dignidade de pessoa e de filha de Deus.
Mas, a partir desta igualdade fundamental, cada um deve alcançar o que lhe é
próprio, e, neste plano, emancipação é o mesmo que possibilidade real de
desenvolver plenamente as próprias virtualidades: as que tem na sua
singularidade e as que tem como mulher. A igualdade em face do direito, a
igualdade de oportunidades perante a lei, não suprime, antes pressupõe e promove
essa diversidade, que é riqueza para todos.
A
mulher é chamada a levar à família, à sociedade civil, à Igreja, alguma coisa
de característico, que lhe é próprio e que só ela pode dar: a sua delicada
ternura, a sua generosidade incansável, o seu amor ao concreto, a sua agudeza
de engenho, a sua capacidade de intuição, a sua piedade profunda e simples, a
sua tenacidade... A feminilidade não é autêntica se não reconhece a formosura
dessa contribuição insubstituível e não a incorpora na própria vida.
Para
cumprir essa missão, a mulher tem de desenvolver a sua própria personalidade,
sem se deixar levar por um ingénuo espírito de imitação, que - em geral - a
colocaria facilmente num plano de inferioridade e deixaria irrealizadas as suas
possibilidades mais originais. Se se formar bem, com autonomia pessoal, com
autenticidade, realizará eficazmente o seu trabalho, a missão para que se sente
chamada, seja ela qual for. A sua vida e o seu trabalho serão realmente
construtivos e fecundos, cheios de sentido, tanto se passa o dia dedicada ao
marido e aos filhos, como se, tendo renunciado ao matrimónio por alguma razão
nobre, se entregou plenamente a outras tarefas. Cada uma no seu próprio
caminho, sendo fiel à sua vocação humana e divina, pode realizar e realiza de
facto a plenitude da personalidade feminina. Não esqueçamos que Santa Maria,
Mãe de Deus e Mãe dos homens, é não só modelo, mas também prova do valor
transcendente que pode alcançar uma vida aparentemente sem relevo.
88
Em algumas ocasiões,
porém, a mulher não está segura de se encontrar realmente no lugar que lhe
corresponde e a que é chamada. Muitas vezes, quando realiza um trabalho fora de
casa, pesam sobre ela as solicitações do lar, e, quando permanece completamente
dedicada à família, sente as suas possibilidades limitadas. Que diria às
mulheres que sentem essas contradições?
Esse
sentimento, que é muito real, procede com frequência, mais do que das
limitações efectivas - que todos temos, porque somos humanos -, da falta de
ideias bem determinadas, capazes de orientar a vida inteira, ou também de uma
soberba inconsciente. As vezes, desejaríamos ser os melhores em qualquer
aspecto e em qualquer nível. Como isso não é possível, origina-se um estado de
desorientação e de ansiedade, ou, inclusivamente, de desânimo e de tédio. Não
se pode estar em toda a parte ao mesmo tempo, não se sabe a que se há-de
atender e não se atende eficazmente a coisa nenhuma. Nesta situação, a alma
fica exposta à inveja e é natural que a imaginação se solte e procure um
refúgio na fantasia, que afastando-nos da realidade, acaba por adormecer a
vontade. É a isso que tenho chamado repetidas vezes mística ojalatera - mística
do oxalá - feita de sonhos vãos e de idealismos falsos: oxalá não me tivesse
casado, oxalá não tivesse esta profissão, oxalá tivesse mais saúde, ou menos
anos ou mais tempo!
O
remédio - custoso, como é tudo o que tem valor - está em procurar o verdadeiro
centro da vida humana, o que pode dar uma hierarquia, uma ordem e um sentido a
tudo: a intimidade com Deus, mediante uma vida interior autêntica. Se, vivendo
em Cristo, tivermos n'Ele o nosso centro, descobriremos o sentido da missão que
se nos confiou, teremos um ideal humano que se torna divino, novos horizontes
de esperança se abrirão à nossa vida e chegaremos a sacrificar com gosto, já
não este ou aquele aspecto da nossa actividade, mas a vida inteira, dando-lhe
assim, paradoxalmente, a sua mais profunda realização.
O
problema que levanta acerca da mulher não é extraordinário. Com outras particularidades,
muitos homens experimentam algumas vezes algo de semelhante. A raiz costuma ser
a mesma: falta de um ideal profundo, que só à luz de Deus se descobre.
Em
todo o caso, é necessário também pôr em prática pequenos remédios, que parecem
banais, mas que não o são: quando há muitas coisas a fazer, é preciso
estabelecer uma ardem, é necessário organizar-se. Muitas dificuldades provêm da
falta de ordem, da carência deste hábito. Há mulheres que fazem mil e uma
coisas e todas bem, porque se organizam, porque, com fortaleza de ânimo,
submetem a uma ordem as suas múltiplas tarefas. Souberam estar em cada momento
no que deviam fazer, sem se perturbarem pensando no que viria depois ou no que
talvez pudessem ter feito antes. A outras, pelo contrário, domina-as o muito
que têm a fazer, e, assim dominadas, não fazem nada.
Sem
dúvida que haverá sempre muitas mulheres que não tenham outra ocupação além de
dirigir o seu lar. Digo-vos que esta é uma grande ocupação, que vale a pena.
Através desta profissão - porque o é, verdadeira e nobre - influem
positivamente, não só na família, como também em muitos amigos e conhecidos, em
pessoas com as quais de um modo ou de outro se relacionam, realizando uma
tarefa às vezes muito mais extensa que a de outros profissionais. E, se põem
essa experiência e essa ciência ao serviço de centenas de pessoas, em centros
destinados à formação da mulher, como os que dirigem em todos os países do
Mundo as minhas filhas do Opus Dei, então convertem-se em professoras do lar,
com mais eficácia educativa, diria eu, que muitos catedráticos da Universidade.
89
Perdoe que insista no
mesmo tema. Através de cartas que chegam à Redacção, sabemos que algumas mães
de família numerosa se queixam por se verem reduzidas ao papel de trazer filhos
ao mundo e sentem uma grande insatisfação por não poderem dedicar a vida a
outros campos: trabalho profissional, acesso à cultura, projecção social... Que
conselhos daria a essas pessoas?
Mas,
vamos a ver: que é a projecção social senão dar-se aos outros com sentido de
entrega e de serviço e contribuir eficazmente para o bem de todos? O trabalho
da mulher na sua casa não só é, já de si, uma função social, como também pode
ser facilmente a função social de maior projecção.
Imagine-se
uma família numerosa: o trabalho da mãe e então comparável - e em muitos casos
ganha na comparação - ao dos educadores profissionais. Um professor consegue,
talvez ao longo de uma vida inteira, formar mais ou menos bem uns tantos
rapazes ou raparigas. Uma mãe pode formar os seus filhos em profundidade, nos
aspectos mais básicos, e pode fazer deles, por sua vez, outros formadores, de
maneira que se origina uma cadeia ininterrupta de responsabilidade e de
virtudes.
Também
nestes temas é fácil deixar-se seduzir por critérios meramente quantitativos, e
pensar: é preferível o trabalho de um professor, que vê passar pelas suas aulas
milhares de pessoas, ou o de um escritor, que se dirige a milhares de leitores?
Bem, mas a quantos dá realmente formação esse professor e esse escritor? Uma mãe
tem ao seu cuidado três, cinco, dez ou mais filhos, e pode fazer deles uma
verdadeira obra de arte, uma maravilha de educação, de equilíbrio, de
compreensão, de sentido cristão da vida, de modo que sejam felizes e consigam
ser realmente úteis aos outros.
Por
outro lado, é natural que os filhos e as filhas ajudem nos trabalhos da casa.
Uma mãe que saiba orientar bem os seus filhos, pode consegui-lo, e dispor assim
de oportunidades, de tempo que - bem aproveitado - lhe permita cultivar as suas
tendências e talentos pessoais e enriquecer a sua cultura. Felizmente, não
faltam hoje meios técnicos, que, como sabeis muito bem, economizam muito
trabalho, se forem convenientemente utilizados e se deles se tirar todo o
partido possível. Nisto, como em tudo, são determinantes as condições pessoais.
Há mulheres que têm uma máquina do último modelo e demoram mais tempo a lavar -
e fazem-no pior - do que quando o faziam à mão. Os instrumentos só são úteis
quando se sabem empregar.
Sei
de muitas mulheres casadas e com bastantes filhos que dirigem muito bem o seu
lar e além disso encontram tempo para colaborar em outros trabalhos
apostólicos, como fazia aquele casal da primitiva cristandade: Áquila e
Priscila. Os dois trabalhavam em casa e no seu ofício, e foram além disso
esplêndidos cooperadores de S. Paulo; com a sua palavra e com o seu exemplo
levaram a fé de Jesus Cristo a Apolo, que depois foi um grande pregador da
Igreja nascente. Como já disse, se verdadeiramente se quer, podem-se superar
muitas das limitações, sem deixar de se cumprir nenhum dever. Na realidade, há
tempo para fazer muitas coisas: para dirigir o lar com sentido profissional,
para se dar continuamente aos outros, para melhorar a sua própria cultura e
para enriquecer a dos outros, para realizar muitas tarefas eficazes.
90
Aludiu à presença da
mulher na vida pública, na política. Actualmente, estão-se a dar importantes
passos neste sentido. Qual é, em sua opinião, a tarefa específica que a mulher
deve cumprir nesse terreno?
A
presença da mulher no conjunto da vida social é um fenómeno natural e
totalmente positivo, parte desse outro facto mais amplo a que antes me referi.
Uma sociedade moderna, democrática, tem de reconhecer à mulher o direito a
participar activamente na vida política, e tem de criar as condições favoráveis
para que exerçam esse direito todas as que o desejarem.
A
mulher que se quer dedicar activamente à direcção dos negócios públicos, tem
obrigação de se preparar convenientemente, para que a sua actuação na vida da
comunidade seja responsável e positiva. Todo o trabalho profissional exige uma
formação prévia, e depois um esforço constante para melhorar esta preparação e
adaptá-la às novas circunstâncias que surjam. Esta exigência constitui um dever
particularíssimo para os que aspiram a ocupar postos directivos na sociedade,
visto que são chamados a um serviço também muito importante, do qual depende o
bem-estar de todos.
Uma
mulher com preparação adequada deve ter a possibilidade de encontrar aberto o
caminho da vida pública, em todos os níveis. Neste sentido, não se podem
apontar tarefas específicas da mulher. Como disse antes, o específico neste
terreno não é dado tanto pela tarefa ou pelo posto, como pelo modo de realizar
esta função, pelos matizes que a sua condição de mulher encontrará para a
solução dos problemas com que se enfrente, e inclusivamente pela descoberta e
pela formulação destes problemas.
A
mulher pode enriquecer muito a vida da sociedade em virtude dos dotes naturais
que lhe são próprios. Isto salta à vista quando reparamos no vasto campo da
legislação familiar e social. As qualidades femininas darão a melhor garantia
de que serão respeitados os autênticos valores humanos e cristãos no momento de
tomar decisões que afectem de alguma maneira a vida da família, o ambiente
educativo, o futuro dos jovens.
Acabo
de mencionar a importância dos valores cristãos para a solução dos problemas
sociais e familiares, e quero sublinhar aqui a sua transcendência em toda a
vida pública. Da mesma maneira que o homem, quando a mulher tem de se ocupar
numa actividade política, a sua fé cristã confere-lhe a responsabilidade de
realizar um autêntico apostolado, quer dizer, um serviço cristão a toda a
sociedade. Não se trata de representar oficial e oficiosamente a Igreja na vida
pública, e menos ainda de se servir da Igreja para a sua carreira pessoal ou
para os interesses do seu partido. Pelo contrário, trata-se de formar com
liberdade as próprias opiniões, em todos estes assuntos temporais em que os
cristãos são livres, e de assumir a responsabilidade pessoal do seu pensamento
e da sua actuação, sendo sempre consequente com a fé que se professa.
91
Na homilia que proferiu em
Pamplona no passado mês de Outubro, durante a Missa que celebrou por ocasião da
Assembleia dos Amigos da Universidade de Navarra, falou do amor humano com
palavras que nos comoveram. Muitas leitoras nos escreveram comentando a
impressão que experimentaram ao ouvir falar assim. Poderia dizer-nos quais são
os valores mais importantes do matrimónio cristão?
Vou
falar de algo que conheço bem e que é da minha experiência de sacerdote, de
muitos anos e em muitos países. A maior parte dos sócios do Opus Dei vivem no
estado matrimonial e, para eles, o amor humano e os deveres conjugais fazem
parte da vocação divina. O Opus Dei fez do matrimónio um caminho divino, uma
vocação, e isto tem muitas consequências para a santificação pessoal e para o
apostolado. Há quase quarenta anos que prego o sentido vocacional do
matrimónio. Que olhos cheios de luz vi mais de uma vez, quando - e pensando
eles e elas que eram incompatíveis na sua vida a entrega a Deus e um amor
humano nobre e limpo - me ouviam dizer que o matrimónio é um caminho divino na
Terra!
O
matrimónio existe para que aqueles que o contraem se santifiquem nele e através
dele. Para isso, os cônjuges têm uma graça especial que o sacramento instituído
por Jesus Cristo confere. Quem é chamado ao estado matrimonial, encontra nesse
estado - com a graça de Deus - tudo o que é necessário para ser santo, para se
identificar cada dia mais com Jesus Cristo e para levar ao Senhor as pessoas
com quem convive.
É
por isso que penso sempre com esperança e com carinho nos lares cristãos, em
todas as famílias que brotaram do Sacramento do Matrimónio, que são testemunhos
luminosos desse grande mistério divino - sacramentum magnum! (Ef. 5, 32),
grande sacramento - da união e do amor entre Cristo e a sua Igreja. Devemos
trabalhar para que essas células cristãs da sociedade nasçam e se desenvolvam
com afã de santidade, com a consciência de que o sacramento inicial - o
Baptismo - confere já a todos os cristãos uma missão divina, que cada um deve
cumprir no caminho que lhe é próprio.
Os
esposos cristãos têm de ter consciência de que são chamados a santificar-se
santificando, a ser apóstolos, e de que o seu primeiro apostolado está no lar.
Devem compreender a obra sobrenatural que significa a fundação de uma família,
a educação dos filhos, a irradiação cristã na sociedade. Desta consciência da
própria missão dependem, em grande parte, a eficácia e o êxito da sua vida, a
sua felicidade.
Mas
não esqueçam que o segredo da felicidade conjugal está no quotidiano, não em
sonhos. Está em encontrar a alegria íntima que dá a chegada ao lar; está no
convívio carinhoso com os filhos; no trabalho de todos os dias, em que colabora
toda a família; no bom humor perante as dificuldades, que é preciso encarar com
desportivismo; e também no aproveitamento de todos os progressos que nos
proporciona a civilização para tornar a casa agradável, a vida mais simples, a
formação mais eficaz.
Nunca
deixo de dizer aos que foram chamados por Deus a formar um lar que se amem
sempre, que se queiram com o amor cheio de entusiasmo que tinham quando eram
noivos. Pobre conceito tem do matrimónio - que é um sacramento, um ideal e uma
vocação - quem pensa que o amor acaba quando começam as penas e os contratempos
que a vida traz sempre consigo. É então que o amor se fortalece. As torrentes
dos desgostos e das contrariedades não são capazes de submergir o verdadeiro
amor. O sacrifício partilhado generosamente une mais. Como diz a Escritura,
aquae multae - as muitas dificuldades, físicas e morais - non potuerunt
extinguere caritatem (Cant. 8,7), não poderão apagar o amor.
92
Sabemos que esta sua
doutrina sobre o matrimónio como caminho de santidade não é uma novidade na sua
pregação. Já em 1934, quando escreveu Considerações Espirituais, insistia em
que era preciso ver o matrimónio como uma vocação. Mas, neste livro e depois em
Caminho, escreveu também que o matrimónio é para os soldados e não para o
estado-maior de Cristo. Poder-nos-ia explicar como se conciliam estes dois
aspectos?
No
espírito e na vida do Opus Dei, nunca houve impedimento algum para conciliar
estes dois aspectos. Além disso, convém recordar que a maior excelência do
celibato - por motivos espirituais - não é uma opinião teológica pessoal, mas
doutrina de fé da Igreja.
Quando
eu escrevi aquelas frases, lá pela década de 30, no ambiente católico - na vida
pastoral concreta - havia tendência para promover a busca da perfeição cristã
dos jovens, fazendo-os apreciar unicamente o valor sobrenatural da virgindade e
deixando na sombra o valor do matrimónio cristão como outro caminho de
santidade.
Normalmente,
nos centros de ensino, não se costumava formar a juventude de modo a que
apreciasse, como merece, a dignidade do matrimónio. Mesmo agora, é frequente,
nos exercícios espirituais que se costumam dar aos alunos quando estão nos
últimos anos dos estudos secundários, oferecer-lhes mais elementos para
considerar a sua possível vocação religiosa do que a sua, também possível,
orientação para o matrimónio. E não falta - ainda que seja cada vez menos -
quem menospreze a vida conjugal, mostrando-a aos jovens como algo que a Igreja
simplesmente tolera, como se a formação de um lar impedisse de aspirar
seriamente à santidade.
No
Opus Dei, temos procedido sempre de outro modo e - mostrando muito claramente a
razão de ser e a excelência do celibato apostólico - temos indicado sempre o
matrimónio como caminho divino na Terra.
A
mim não me assusta o amor humano, o amor santo dos meus pais, de que o Senhor
se valeu para me dar a vida. A esse amor, abençoo-o com ambas as mãos. Os
cônjuges são os ministros e a própria matéria do sacramento do Matrimónio, como
o pão e o vinho são a matéria da Eucaristia. Por isso gosto de todas as canções
ao amor limpo dos homens, que são para mim coplas de amor humano ao divino. E,
ao mesmo tempo, digo sempre que aqueles que seguem o caminho vocacional do
celibato apostólico não são solteirões que não compreendem ou não apreciam o
amor; pelo contrário, as suas vidas explicam-se pela realidade desse Amor
divino - gosto de o escrever com maiúscula - que é a própria essência de toda a
vocação cristã.
Não
há qualquer contradição entre ter este apreço pela vocação matrimonial e
compreender a maior excelência da vocação para o celibato propter regnum
coelorum (Mat. 19, 12), por amor do Reino dos Céus. Estou convencido
de que, se procurar conhecer, aceitar e amar a doutrina da Igreja; e qualquer
cristão entenderá perfeitamente como estas duas coisas são compatíveis se
procurar conhecer, aceitar e amar o ensinamento da Igreja. E se também procurar
conhecer, aceitar e amar a sua própria vocação pessoal. Quer dizer, se tiver fé
e viver da fé.
Quando
eu escrevia que o matrimónio é para os soldados, não fazia mais do que
descrever o que sucedeu sempre na Igreja. Como se sabe, os Bispos - que formam
o Colégio Episcopal, que tem por cabeça o Papa e governam com ele toda a Igreja
- são escolhidos dentre os que vivem o celibato. Isto mesmo acontece nas
Igrejas orientais, onde se admitem os presbíteros casados. Além disso, é fácil
de compreender e verificar que os não casados têm, de facto, maior liberdade de
coração e de movimentos para se dedicarem estavelmente a dirigir e manter
empresas apostólicas, mesmo no apostolado dos leigos. Isto não quer dizer que
os outros leigos não possam fazer ou não façam de facto um apostolado
esplêndido e de primeira importância. Quer dizer somente que há diversidade de
funções, diversas dedicações em lugares de diferente responsabilidade.
Num
exército - e só isso queria exprimir a comparação - os soldados são tão
necessários como o estado-maior e podem ser mais heróicos e merecer mais
glória. Em resumo: há diversas tarefas e todas são importantes e dignas. O que
sobretudo interessa é a correspondência de cada um à sua própria vocação. O
mais perfeito para cada um - sempre e exclusivamente - é fazer a vontade de
Deus.
Por
isso, um cristão que procura santificar-se no estado matrimonial e é consciente
da grandeza da sua própria vocação, sente espontaneamente uma especial
veneração e um profundo afecto pelos que são chamados ao celibato apostólico; e
quando algum dos seus filhos, pela graça do Senhor, empreende esse caminho,
alegra-se sinceramente. E acaba por amar mais ainda a sua própria vocação
matrimonial que permitiu oferecer a Jesus Cristo - o grande Amor de todos,
solteiros ou casados - os frutos do seu amor humano.
93
Muitos casais vêem-se
desorientados a respeito do número de filhos, por causa dos conselhos que
recebem, inclusivamente de alguns sacerdotes. Que aconselharia aos casais na
presença de tanta confusão?
Os
que perturbam dessa maneira as consciências esquecem que a vida é sagrada e
tornam-se merecedores das duras censuras do Senhor contra os cegos que guiam
outros cegos, contra os que não querem entrar no Reino dos Céus e não deixam
sequer entrar os outros. Não julgo as suas intenções e até estou certo de que
muitos dão tais conselhos guiados pela compaixão e pelo desejo de solucionar
situações difíceis; mas não posso ocultar o profundo desgosto que me causa esse
trabalho destruidor - em muitos casos diabólico - de quem não só não dá boa
doutrina, como a corrompe.
Não
esqueçam os esposos, ao ouvir conselhos e recomendações nessa matéria, que o
que importa é conhecer o que Deus quer. Quando há sinceridade - rectidão - e um
mínimo de formação cristã, a consciência sabe descobrir a vontade de Deus,
nisto como em tudo o mais. Porque pode suceder que se esteja a procurar um conselho
que favoreça o próprio egoísmo, que cale, precisamente, com a sua pretensa
autoridade, o clamor da própria alma e, inclusive, que se vá mudando de
conselheiro, até encontrar o mais benévolo. Além do mais, isto é uma atitude
farisaica, indigna de um filho de Deus.
O
conselho de outro cristão, e especialmente - em questões morais ou de fé - o
conselho do sacerdote, é uma ajuda poderosa para reconhecer o que Deus nos pede
numa circunstância determinada; mas o conselho não elimina a responsabilidade
pessoal. É cada um de nós que tem de decidir em última análise, e é
pessoalmente que havemos de dar contas a Deus das nossas decisões.
Acima
dos conselhos privados está a lei de Deus contida na Sagrada Escritura e que o
Magistério da Igreja - assistido pelo Espírito Santo - guarda e propõe. Quando
os conselhos particulares contradizem a Palavra de Deus tal como o Magistério a
ensina, temos de afastar-nos decididamente desses conselhos erróneos. A quem
procede com esta rectidão, Deus ajudá-lo-á com a sua graça, inspirando-lhe o
que deve fazer e, quando o necessitar, levando-o a encontrar um sacerdote que
saiba conduzir a sua alma por caminhos rectos e limpos, ainda que algumas vezes
sejam difíceis.
O
exercício da direcção espiritual não deve orientar-se no sentido de fabricar
criaturas carecidas de juízo próprio, que se limitam a executar materialmente o
que outrem lhes disse; pelo contrário, a direcção espiritual deve tender a
formar pessoas de critério. E o critério pressupõe maturidade, firmeza de
convicções, conhecimento suficiente da doutrina, delicadeza de espírito,
educação da vontade.
É
importante que os esposos adquiram o sentido claro da dignidade da sua vocação,
saibam que foram chamados por Deus para atingir também o amor divino através do
amor humano, que foram escolhidos, desde a eternidade, para cooperar com o
poder criador de Deus, pela procriação e depois pela educação dos filhos, que o
Senhor lhes pede que façam, do seu lar e de toda a sua vida familiar, um
testemunho de todas as virtudes cristãs.
O
matrimónio - não me cansarei nunca de o repetir - é um caminho divino, grande e
maravilhoso e, como tudo o que é divino em nós, tem manifestações concretas de
correspondência à graça, de generosidade, de entrega, de serviço. O egoísmo, em
qualquer das suas formas, opõe-se a esse amor de Deus que deve imperar na nossa
vida. Este é um ponto fundamental que é preciso ter muito presente a propósito
do matrimónio e do número de filhos.
94
Há mulheres que, tendo já
bastantes filhos, não se atrevem a comunicar a chegada de mais um aos seus
parentes e amigos. Temem as críticas daqueles que pensam que, existindo a
pílula, a família numerosa é um atraso. Evidentemente, nas circunstâncias
actuais, pode-se tornar difícil manter uma família com muitos filhos. Que nos
pode dizer sobre isto?
Abençoo
os pais que, recebendo com alegria a missão que Deus lhes confia, têm muitos
filhos. Convido os casais a não estancarem as fontes da vida, a terem sentido
sobrenatural e coragem para manter uma família numerosa, se Deus lha mandar.
Quando
louvo a família numerosa, não me refiro à que é consequência de relações
meramente fisiológicas, mas à que é fruto do exercício das virtudes cristãs, à
que tem um alto sentido da dignidade da pessoa, à que sabe que dar filhos a Deus
não consiste só em gerá-los para a vida natural, mas que exigem também uma
longa tarefa educadora: dar-lhes a vida é a primeira coisa, mas não é tudo.
Pode
haver casos concretos em que a vontade de Deus - manifestada pelos meios
ordinários - esteja precisamente em que uma família seja pequena. Mas são
criminosas, anticristãs e infra-humanas, as teorias que fazem da limitação da
natalidade um ideal ou um dever universal ou simplesmente geral.
Seria
adulterar e perverter a doutrina cristã, querer apoiar-se num pretenso espírito
pós-conciliar para ir contra a família numerosa. O Concílio Vaticano II
proclamou que entre os cônjuges, que assim cumprem a missão que lhes foi
confiada por Deus, são dignos de menção muito especial os que, de comum acordo
e reflectidamente, se decidem com magnanimidade a aceitar e a educar dignamente
uma prole mais numerosa (Const. past. Gaudium et spes, n.º 50). E Paulo VI,
numa alocução pronunciada em 12 de Fevereiro de 1966, comentava: que o Concílio
Vaticano II, recentemente concluído, difunda nos esposos cristãos o espírito de
generosidade para dilatarem o novo Povo de Deus... Recordem sempre que essa
dilatação do Reino de Deus e as possibilidades de penetração da Igreja na
humanidade para levar a salvação - a eterna e a terrena - estão confiadas
também à sua generosidade.
O
número não é por si só decisivo. Ter muitos ou poucos filhos não é suficiente
para que uma família seja mais ou menos cristã. O que importa é a rectidão com
que se vive a vida matrimonial. O verdadeiro amor mútuo transcende a comunidade
de marido e mulher e estende-se aos seus frutos naturais, os filhos. O egoísmo,
pelo contrário, acaba por rebaixar esse amor à simples satisfação do instinto,
e destrói a relação que une pais e filhos. Dificilmente haverá quem se sinta
bom filho - verdadeiro filho - de seus pais, se puder vir a pensar que veio ao
mundo contra a vontade deles, que não nasceu de um amor limpo, mas de uma
imprevisão ou de um erro de cálculo.
Dizia
eu que, por si só, o número de filhos não é determinante. Contudo, vejo com
clareza que os ataques às famílias numerosas provêm da falta de fé, são produto
de um ambiente social incapaz de compreender a generosidade, um ambiente que
tende a encobrir o egoísmo e certas práticas inconfessáveis com motivos
aparentemente altruístas. Dá-se o paradoxo de que os países onde se faz mais
propaganda do controlo da natalidade - e a partir dos quais se impõe a sua
prática a outros países - são precisamente aqueles que alcançaram um nível de
vida mais elevado. Talvez se pudessem tomar a sério os seus argumentos de
carácter económico e social, se esses mesmos argumentos os levassem a renunciar
a uma parte da opulência de que gozam, a favor dessas pessoas necessitadas.
Enquanto o não fizerem, torna-se difícil não pensar que, na realidade, o que
determina esses argumentos é o hedonismo e uma ambição de domínio político e de
neocolonialismo demográfico.
Não
ignoro os grandes problemas que afligem a humanidade, nem as dificuldades
concretas com que pode deparar uma família determinada. Penso nisto com
frequência e enche-se de piedade o coração de pai que, como cristão e como
sacerdote, tenho obrigação de ter. Mas não é lícito procurar a solução por
esses caminhos.
95
Não
compreendo que haja católicos - e, muito menos, sacerdotes - que, desde há
anos, com tranquilidade de consciência, aconselhem o uso da pílula para evitar
a concepção: porque não se podem desconhecer, com uma triste sem-cerimónia, os
ensinamentos pontifícios. Nem devem alegar - como fazem com incrível leviandade
- que o Papa, quando não fala ex cathedra, é um simples doutor privado sujeito
a erro. É já arrogância desmedida julgar que o Papa se engana e eles não.
Mas
esquecem, além disso, que o Sumo Pontífice não é só doutor - infalível, quando
expressamente o declara - mas que também é o Supremo Legislador. E, neste caso,
o que o actual Pontífice Paulo VI dispôs de maneira inequívoca foi que, neste
assunto tão delicado, se devem seguir obrigatoriamente - porque continuam de pé
- todas as disposições do santo Pontífice Pio XII, de veneranda memória; e que
Pio XIl só permitiu alguns processos naturais - não a pílula - para evitar a
concepção em casos isolados e difíceis. Aconselhar o contrário é, portanto, uma
desobediência grave ao Santo Padre, em matéria grave.
Poderia
escrever um grosso volume sobre as consequências desastrosas de toda a ordem
que arrasta consigo o uso desses ou outros meios contra a concepção: destruição
do amor conjugal - o marido e a mulher não se olham como esposos, mas como
cúmplices -, infelicidade, infidelidades, desequilíbrios espirituais e mentais,
prejuízos inumeráveis para os filhos, perda da paz matrimonial... Mas não o
considero necessário. Prefiro limitar-me a obedecer ao Papa. Se alguma vez o
Sumo Pontífice dissesse que o uso de um determinado medicamento para evitar a
concepção era lícito, eu acomodar-me-ia a tudo o que o Santo Padre dissesse e,
segundo as normas pontifícias e as da teologia moral, examinando em cada caso
os perigos evidentes a que acabo de aludir, daria a cada um, em consequência, o
meu conselho.
E
havia de ter sempre em conta que quem há-de salvar este mundo concreto em que
vivemos não são os que pretendem narcotizar a vida do espírito e reduzir tudo a
questões económicas ou de bem-estar material, mas os que sabem que a norma
moral está em função do destino eterno do homem; os que têm fé em Deus e
arrostam generosamente com as exigências dessa fé, difundindo entre aqueles que
os rodeiam o sentido transcendente da nossa vida na Terra.
É
esta certeza que deve levar, não a fomentar a evasão, mas a procurar com
eficácia que todos tenham os meios materiais convenientes, que haja trabalho
para todos, que ninguém se encontre injustamente limitado na sua vida familiar
e social.
96
A infecundidade
matrimonial - pelo que pode implicar de frustração - é fonte, por vezes, de
desavenças e incompreensões. Qual é, em sua opinião, o sentido que devem dar ao
matrimónio os esposos cristãos que não têm descendência?
Em
primeiro lugar, dir-lhes-ei que não devem dar-se por vencidos com demasiada
facilidade. É preciso pedir a Deus que lhes conceda descendência, que os
abençoe - se for essa a sua vontade - como abençoou os Patriarcas do Antigo
Testamento. Depois, é conveniente que recorram a um bom médico, elas e eles.
Se, apesar de tudo, o Senhor não lhes dá filhos, não devem ver nisso nenhuma
frustração, devem ficar satisfeitos, descobrindo nesse facto precisamente a
Vontade de Deus em relação a eles. Muitas vezes, o Senhor não dá filhos porque
pede mais. Pede que se tenha o mesmo esforço e a mesma entrega delicada
ajudando o próximo, sem o júbilo bem humano de ter tido filhos. Não há, pois,
motivo para se sentirem fracassados, nem para dar lugar à tristeza.
Se
os esposos têm vida interior, compreenderão que Deus os insta, levando-os a
fazer da sua vida um generoso serviço cristão, um apostolado diferente do que
realizariam com os seus filhos, mas igualmente maravilhoso.
Que
olhem à sua volta, e descobrirão imediatamente pessoas que necessitam de ajuda,
de caridade e de carinho. Há, além disso, muitas ocupações apostólicas em que
podem trabalhar. E, se sabem pôr o coração nessa tarefa, se se sabem dar
generosamente aos outros, esquecendo-se de si próprios, terão uma fecundidade
esplêndida, uma paternidade espiritual que encherá a sua alma de verdadeira
paz.
As
soluções concretas podem ser diferentes em cada caso, mas, no fundo, todas se
reduzem a ocupar-se dos outros com afã de servir, com amor. Deus recompensa
sempre aqueles que têm a generosa humildade de não pensarem em si mesmos, dando
às suas almas uma profunda alegria.
97
Há casais em que a mulher
- por qualquer razão - se encontra separada do marido, em situações degradantes
e insustentáveis. Nesses casos, torna-se-lhes difícil aceitar a
indissolubilidade do vínculo matrimonial. Estas mulheres separadas do marido
lamentam que se lhes negue a possibilidade de construir um novo lar. Que
resposta daria a estas situações?
Diria
a essas mulheres, compreendendo o seu sofrimento, que também podem ver nessa
situação a Vontade de Deus, que nunca é cruel, porque Deus é Pai amoroso. É
possível que por algum tempo a situação seja especialmente difícil, mas, se
recorrerem ao Senhor e à sua Santa Mãe, não lhes faltará a ajuda da graça.
A
indissolubilidade do matrimónio não e um capricho da Igreja e nem sequer uma
mera lei positiva eclesiástica. É de lei natural, de direito divino, e
corresponde perfeitamente à nossa natureza e à ordem sobrenatural da graça. Por
isso, na imensa maioria dos casos, é condição indispensável de felicidade dos
cônjuges, e de segurança, mesmo espiritual, para os filhos. E sempre - ainda
nesses casos dolorosos de que falámos - a aceitação rendida da vontade de Deus
traz consigo uma profunda satisfação, que nada pode substituir. Não é um
recurso, não é uma simples consolação, é a essência da vida cristã.
Se
essas mulheres já têm filhos a seu cargo, hão-de ver nisso uma exigência
contínua de entrega amorosa, maternal, então especialmente necessária para
suprir nessas almas as deficiências de um lar dividido. E hão-de entender
generosamente que essa indissolubilidade, que para elas implica sacrifício, é
para a maior parte das famílias uma defesa da sua integridade, algo que
enobrece o amor dos esposos e impede o desamparo dos filhos.
Este
assombro em face da aparente dureza do preceito cristão da indissolubilidade
não é novo. Os Apóstolos estranharam quando Jesus o confirmou. Pode parecer uma
carga, um jugo; mas o próprio Cristo disse que o seu jugo é suave e a sua carga
leve.
Por
outro lado, reconhecendo embora a inevitável dureza de bastantes situações - as
quais, em não poucos casos, se poderiam e deveriam ter evitado -, é necessário
não dramatizar demasiado. A vida de uma mulher nessas condições será realmente
mais dura que a de outra mulher maltratada, ou que a vida de quem padece algum
dos outros grandes sofrimentos físicos ou morais que a existência traz consigo?
O
que verdadeiramente torna uma pessoa infeliz - e até uma sociedade inteira - é
essa busca ansiosa de bem-estar, o cuidado de eliminar, seja como for, tudo o
que nos contrariar. A vida apresenta mil facetas, situações diversíssimas, umas
árduas, outras, talvez só na aparência, fáceis. A cada uma delas corresponde a
sua própria graça; cada uma é uma chamada original de Deus, uma ocasião inédita
de trabalhar, de dar o testemunho divino da caridade. A quem sentir a angústia
de uma situação difícil, eu aconselharia que procurasse também esquecer-se um
pouco dos seus próprios problemas para se preocupar com os problemas dos
outros. Fazendo isto, terá mais paz e, sobretudo, santificar-se-á.
98
Um dos bens fundamentais
da família está em gozar de uma paz familiar estável. Contudo, infelizmente,
não é raro que, por motivos de carácter político ou social, uma família se
encontre dividida. Como pensa que se possam superar esses conflitos?
A
minha resposta não pode ser senão uma: conviver, compreender, desculpar. O
facto de que alguém pense de maneira diferente da minha - especialmente quando
se trata de coisas que são objecto da liberdade de opinião - não justifica de
modo nenhum uma atitude de inimizade pessoal, nem sequer de frieza ou de
indiferença. A minha fé cristã diz-me que é necessário viver a caridade com
todos, inclusive com aqueles que não têm a graça de crer em Jesus Cristo. Como
se não há-de viver a caridade quando, unidos pelo mesmo sangue e a mesma fé, há
divergências em coisas opináveis? Mais ainda, como nesses terrenos ninguém pode
pretender estar na posse da verdade absoluta, o convívio mútuo, cheio de
afecto, é um meio concreto para aprender dos outros o que eles nos podem
ensinar, e também para que os outros aprendam, se quiserem, o que cada um
daqueles que com eles convivem lhes pode ensinar, que sempre será alguma coisa.
Não
é cristão, nem sequer humano, que uma família se divida por estas questões.
Quando se compreende a fundo o valor da liberdade, quando se ama
apaixonadamente esse dom divino da alma, ama-se o pluralismo que a liberdade
traz consigo.
Vou
dar o exemplo daquilo que se vive no Opus Dei, que é uma grande família de pessoas
unidas pelo mesmo fim espiritual. Naquilo que não é de fé, cada um pensa e
actua como quer, com a liberdade e a responsabilidade pessoal mais completas. E
o pluralismo que, lógica e sociologicamente, deriva deste facto, não constitui
nenhum problema para a Obra. Mais, esse pluralismo é uma manifestação de bom
espírito. Precisamente porque o pluralismo não é temido, mas amado como
legítima consequência da liberdade pessoal, as diversas opiniões dos sócios não
impedem no Opus Dei a máxima caridade no convívio, a compreensão mútua.
Liberdade e caridade - estamos a falar sempre do mesmo. E são de facto
condições essenciais: viver com a liberdade que Jesus Cristo para nós ganhou, e
viver a caridade que Ele nos deu como mandamento novo.
99
Acaba de falar da unidade
familiar como de um grande valor. Isto pode dar ocasião à minha pergunta
seguinte. como é que o Opus Dei não organiza actividades de formação espiritual
onde participem juntamente marido e mulher?
Nisto,
como em tantas outras coisas, nós os cristãos temos a possibilidade de escolher
entre várias soluções, de acordo com as preferências ou opiniões próprias, sem
que ninguém possa pretender impor-nos um sistema único. É preciso fugir, como
da peste, dessa maneira de conceber a pastoral e, em geral, o apostolado, que
não parece mais do que uma nova edição, corrigida e aumentada, do partido único
na vida religiosa.
Sei
que há grupos católicos que organizam retiros espirituais e outras actividades
formativas para casais. Parece-me muitíssimo bem que, usando da sua liberdade,
façam o que consideram conveniente e que também vão a essas actividades os que
encontram nelas um meio que os ajuda a viver melhor a sua vocação cristã. Mas
considero que não é essa a única possibilidade e nem sequer é evidente que seja
a melhor.
Há
muitas facetas da vida eclesial que os casais, e inclusivamente toda a família,
podem e, às vezes, devem viver juntos, como seja a participação no Sacrifício
Eucarístico e em outros actos do culto. Penso, no entanto, que determinadas actividades
de formação espiritual são mais eficazes se a elas forem separadamente o marido
e a mulher. Por um lado, afirma-se mais o carácter fundamentalmente pessoal da
própria santificação, da luta ascética, da união com Deus, que depois reverterá
a favor dos outros, mas onde a consciência de cada um não pode ser substituída.
Por outro lado, assim é mais fácil adequar a formação às exigências e às
necessidades pessoais de cada um, e inclusivamente à sua própria psicologia.
Isto não quer dizer que, nessas actividades, se prescinda do estado matrimonial
dos assistentes - nada mais longe do espírito do Opus Dei.
Há
quarenta anos que venho dizendo de palavra e por escrito que cada homem, cada
mulher, tem de se santificar na sua vida habitual, nas condições concretas da
sua existência quotidiana; que, portanto, os esposos têm de se santificar
vivendo com perfeição as suas obrigações familiares. Nos retiros espirituais e
em outros meios de formação que o Opus Dei organiza e aos quais assistem
pessoas casadas, procura-se sempre que os esposos tomem consciência da
dignidade da sua vocação matrimonial e que com a ajuda de Deus se preparem para
vivê-la melhor.
Em
muitos aspectos, as exigências e as manifestações práticas do amor conjugal são
diferentes para o homem e para a mulher. Com meios de formação específicos,
pode-se ajudar cada um a descobri-los eficazmente na realidade da sua vida, de
modo que essa separação de umas horas ou de uns dias fá-los estar mais unidos e
amarem-se mais e melhor ao longo de todo o outro tempo, com um amor também
cheio de respeito.
Repito
que nisto não pretendemos sequer que o nosso modo de actuar seja o único bom,
ou que toda a gente o deva adoptar. Parece-me simplesmente que dá muito bons
resultados e que há razões sólidas - além de uma longa experiência - para
proceder assim, mas não ataco a opinião contrária.
Além
disso, devo dizer que, se no Opus Dei seguimos este critério para determinadas
iniciativas de formação espiritual, em variadíssimas actividades de outro
género os casais participam e colaboram como tais. Penso, por exemplo, no
trabalho que se faz com os pais dos alunos em colégios dirigidos por membros do
Opus Dei, nas reuniões, conferências, tríduos, etc., especialmente dedicados
aos pais dos estudantes que vivem em Residências dirigidas pela Obra.
Como
vê, quando a natureza da actividade requer a presença do casal, são marido e
mulher quem participa nestes trabalhos. Mas este tipo de reuniões e iniciativas
é diferente dos que se dirigem directamente à formação espiritual pessoal.
100
Continuando a tratar da
vida familiar, queria agora centrar a minha pergunta na educação dos filhos e
nas relações entre pais e filhos. A alteração da situação familiar em nossos
dias leva, algumas vezes, a que não seja fácil o entendimento mútuo, e
inclusivamente gera a incompreensão, dando-se aquilo a que se tem chamado
conflito de gerações. Como se pode superar isto?
O
problema é antigo, se bem que talvez agora se apresente com mais frequência ou
de forma mais aguda, por causa da rápida evolução que caracteriza a sociedade
actual. É perfeitamente compreensível e natural que os jovens e os adultos
vejam as coisas de modo diferente. Sempre assim foi. O mais surpreendente seria
que um adolescente pensasse da mesma maneira que uma pessoa madura. Todos
sentimos impulsos de rebeldia para com os mais velhos quando começamos a formar
o nosso critério com autonomia, e todos também, com o correr dos anos,
compreendemos que os nossos pais tinham razão em muitas coisas, que eram fruto
da sua experiência e do amor por nós. Por isso compete em primeiro lugar aos
pais - que já passaram por esse transe - facilitar o entendimento, com
flexibilidade, com espírito jovial, evitando esses possíveis conflitos com amor
inteligente.
Aconselho
sempre os pais que procurem tornar-se amigos dos filhos. Pode-se harmonizar
perfeitamente a autoridade paterna, que a própria educação requer, com um
sentimento de amizade que exige pôr-se de alguma maneira ao mesmo nível dos
filhos. Os jovens - mesmo os que parecem mais indóceis e desprendidos - desejam
sempre essa aproximação com os pais. O segredo costuma estar na confiança. Que
os pais saibam educar num clima de familiaridade, que nunca dêem a impressão de
que desconfiam, que dêem liberdade e que ensinem a administrá-la com
responsabilidade pessoal. É preferível que se deixem enganar alguma vez. A
confiança que se põe nos filhos faz com que eles próprios se envergonhem de
terem abusado, e se corrijam. Pelo contrário, se não têm liberdade, se vêem que
não se confia neles, sentir-se-ão levados a enganar sempre.
Essa
amizade de que falo, esse saber pôr-se ao nível dos filhos facilitando-lhes que
falem confiadamente dos seus pequenos problemas, torna possível algo que me
parece de grande importância: que sejam os pais quem dê a conhecer aos filhos a
origem da vida, de um modo gradual, adaptando-se à sua mentalidade e à sua
capacidade de compreender, antecipando-se um pouco à sua natural curiosidade. É
necessário evitar que os filhos rodeiem de malícia esta matéria, que aprendam uma
coisa em si mesma nobre e santa por uma má confidência dum amigo ou duma amiga.
Isto mesmo costuma ser um passo importante para firmar a amizade entre pais e
filhos, impedindo uma separação exactamente no despertar da vida moral.
Por
outro lado, os pais têm também de procurar manter o coração jovem, para que
lhes seja mais fácil receber com simpatia as aspirações nobres e inclusivamente
as extravagâncias dos filhos. A vida muda e há muitas coisas novas que talvez
não nos agradem - é possível até que não sejam objectivamente melhores que
outras de antes - mas que não são más, são simplesmente outros modos de viver
sem transcendência de maior. Em não poucas ocasiões, os conflitos aparecem
porque se dá importância a ninharias que se superam com um pouco de perspectiva
e de sentido de humor.
101
Mas
nem tudo depende dos pais. Os filhos têm de pôr também alguma coisa da sua
parte. A juventude sempre teve uma grande capacidade de entusiasmo por todas as
coisas grandes, pelos ideais elevados, por tudo o que é autêntico. Convém
ajudá-los a compreender a beleza despretensiosa - por vezes calada e sempre
revestida de naturalidade - que há na vida dos seus pais. Que reparem, sem lhes
causar tristeza, no sacrifício que fizeram por eles, na sua abnegação - muitas
vezes heróica - para manter a família. E que os filhos aprendam também a não
dramatizar, a não representar o papel de incompreendido. Que não esqueçam que
estarão sempre em dívida para com os pais e que o modo de corresponderem - já
que não podem pagar o que devem - deve ser feito de veneração, de carinho
grato, filial.
Sejamos
sinceros: a família unida é o normal. Há atritos, diferenças... Mas isto são
coisas banais, que, até certo ponto, contribuem inclusivamente para dar sabor
aos nossos dias. São insignificâncias que o tempo supera sempre. Depois, só
fica o estável, que é o amor, um amor verdadeiro - feito de sacrifício - e
nunca fingido, que os leva a preocuparem-se uns com os outros, a adivinhar um
pequeno problema e a sua solução mais delicada. E, porque tudo isto é normal, a
maior parte das pessoas entendeu-me muito bem quando me ouviu chamar - já o
venho repetindo desde a década de 20 - dulcíssimo preceito ao quarto mandamento
do Decálogo.
102
Talvez como reacção contra
uma educação religiosa coactiva, reduzida às vezes a uma série de práticas
rotineiras e sentimentais, parte da juventude de hoje prescinde quase
totalmente da piedade cristã, porque a interpreta como beatice. Em sua opinião,
qual é a solução para esse problema?
A
solução é a que a pergunta traz já implícita: ensinar - primeiro com o exemplo
e depois com a palavra - em que consiste a verdadeira piedade. A beatice não é
mais do que uma triste caricatura pseudo-espiritual, fruto geralmente da falta
de doutrina e também de certa deformação no humano. É lógico que repugne a quem
ama o que é autêntico e sincero.
Vi
com alegria como penetra nos jovens - nos de hoje como nos de há quarenta anos
- a piedade cristã, quando a contemplam feita vida sincera, quando entendem que
fazer oração é falar com o Senhor como se fala com um pai, com um amigo, sem
anonimato, com um trato pessoal, uma conversa íntima; quando se procura que
ressoem nas suas almas aquelas palavras de Jesus Cristo, que são um convite ao
encontro confiante: vos autem dixi amicos (Jn. 15, 15), chamei-vos amigos;
quando se faz um apelo forte à sua fé para que vejam que o Senhor é o mesmo
ontem, hoje e sempre (Hebr. 13, 8).
Por
outro lado, é muito necessário que vejam como essa piedade simples e cordial
exige também o exercício das virtudes humanas e que não se pode reduzir a uns
tantos actos de devoção semanais ou diários, mas que tem de penetrar na vida
inteira, que tem de dar sentido ao trabalho, ao descanso, à amizade, à
diversão, a tudo. Não podemos ser filhos de Deus só de vez em quando, ainda que
haja alguns momentos especialmente dedicados a considerá-lo, a penetrarmo-nos
desse sentido da nossa filiação divina, que é a essência da piedade.
Disse
há pouco que a juventude entende tudo isto muito bem. E agora acrescento que quem
procura vivê-lo sente-se sempre jovem. O cristão, mesmo que seja um velho de
oitenta anos, se viver em união com Jesus Cristo, pode saborear com toda a
verdade as palavras que se rezam ao pé do altar: subirei ao altar de Deus, do
Deus que alegra a minha juventude (Ps. XVII, 4).
103
Então, parece-lhe
importante educar os filhos desde pequenos na vida de piedade? Pensa que na
família se devem realizar actos de piedade?
Considero
que é precisamente o melhor caminho para dar aos filhos uma autêntica formação
cristã. A Sagrada Escritura fala-nos dessas famílias dos primeiros cristãos - a
Igreja doméstica, diz S. Paulo (1 Cor. 16, 1 9) - às quais a luz do
Evangelho dava novo impulso e nova vida.
Em
todos os ambientes cristãos se conhecem por experiência os bons resultados que
dá essa natural e sobrenatural iniciação à vida de piedade, feita no calor do
lar. A criança aprende a colocar o Senhor na linha dos primeiros e fundamentais
afectos, aprende a tratar a Deus como Pai e à Virgem como Mãe, aprende a rezar
seguindo o exemplo dos pais. Quando se compreende isto, vê-se a enorme tarefa
apostólica que os pais podem realizar e como têm obrigação de ser sinceramente
piedosos, para poderem transmitir - mais do que ensinar - essa piedade aos
filhos.
E
os meios? Há práticas de piedade - poucas, breves e habituais - que sempre se
viveram nas famílias cristãs, e entendo que são maravilhosas: a oração antes e
depois das refeições, a recitação do Terço juntos - apesar de não faltar,
nestes tempos, quem ataque essa solidíssima devoção mariana -, as orações
pessoais ao levantar e ao deitar. Tratar-se-á de costumes diversos segundo os
lugares, mas penso que sempre se deve fomentar algum acto de piedade, que os
membros da família realizem juntos, de forma simples e natural, sem beatices.
Dessa
maneira conseguiremos que Deus não seja considerado um estranho a quem se vai
ver uma vez por semana à igreja, ao Domingo. Que Deus seja visto e tratado como
é na realidade, também no meio do lar, porque, como disse o Senhor, onde estão
dois ou três reunidos em meu nome, aí estou Eu no meio deles (Mat. 18, 20).
Digo
com gratidão e com orgulho de filho que continuo a rezar - de manhã e à noite e
em voz alta - as orações que aprendi, quando era criança, dos lábios de minha
mãe. Essas orações levam-me a Deus, fazem-me sentir o carinho com que me
ensinaram a dar os meus primeiros passos de cristão e, oferecendo ao Senhor o
dia que começa ou dando-Lhe graças pelo que acaba, peço a Deus que aumente no
Céu a felicidade dos que especialmente amo, e no Céu depois nos mantenha unidos
para sempre.
104
Continuemos, se mo
permite, com a juventude. Através da secção Gente jovem, da nossa revista,
chegam-nos muitos problemas próprios deles. Um, muito frequente, é a imposição
que às vezes os pais fazem no momento de determinar a orientação dos filhos.
Isto sucede tanto na orientação do curso ou da profissão, como na escolha de
noivo, ou, mais ainda, se pretendem seguir o chamamento de Deus para se dedicar
ao serviço das almas. Haverá alguma justificação para essa atitude dos pais?
Não será uma violação da liberdade, imprescindível para chegar à maturidade
pessoal?
Em
última instância, está claro que as decisões que determinam o rumo de uma vida
deve tomá-las cada um pessoalmente, com liberdade, sem coacção nem pressão de
espécie alguma.
Isto
não quer dizer que não seja necessária, ordinariamente, a intervenção de outras
pessoas. Precisamente porque são passos decisivos, que afectam uma vida
inteira, e porque a felicidade depende em grande parte de como se dêm, é lógico
que requeiram serenidade, que se evite a precipitação, que exijam
responsabilidade e prudência. E uma parte da prudência consiste justamente em
pedir conselho. Seria presunção - que se costuma pagar cara - pensar que
podemos decidir sem a graça de Deus e sem o calor e a luz de outras pessoas,
especialmente dos nossos pais.
Os
pais podem e devem prestar aos filhos uma ajuda preciosa, descobrindo-lhes
novos horizontes, comunicando-lhes a sua experiência, fazendo-os reflectir para
que não se deixem arrastar por estados emocionais passageiros, oferecendo-lhes
uma apreciação realista das coisas.
Umas
vezes, prestarão essa ajuda com o seu conselho pessoal; outras, animando os
seus filhos a recorrer a outras pessoas competentes: a um amigo sincero e leal,
a um sacerdote douto e piedoso, a um perito em orientação profissional.
Mas
o conselho não tira a liberdade, dá elementos de opinião, e isso amplia as
possibilidades de escolha e faz com que a decisão não seja determinada por
factores irracionais. Depois de ouvir os pareceres de outros e de ponderar tudo
bem, chega um momento em que é preciso escolher, e então ninguém tem o direito
de violar a liberdade. Os pais devem precaver-se da tentação de se quererem
projectar indevidamente nos filhos - de construí-los segundo as próprias
preferências -, devem respeitar as inclinações e as aptidões que Deus dá a cada
um. Se há verdadeiro amor, isto, em geral, torna-se simples. Inclusive no caso
extremo, quando o filho toma uma decisão que os pais têm fortes motivos para
julgar errada e até para prevê-la como origem de infelicidade, a solução não
está na violência mas em compreender e - mais de uma vez - em saber permanecer
a seu lado para ajudá-lo a superar as dificuldades e, se fosse necessário, para
extrair daquele mal todo o bem possível.
Os
pais que amam deveras e procuram sinceramente o bem dos seus filhos, depois dos
conselhos e das considerações oportunas, devem-se retirar com delicadeza, para
que nada prejudique o grande bem da liberdade que torna o homem capaz de amar e
servir a Deus. Devem lembrar-se de que o próprio Deus quer ser amado e servido
com liberdade, e respeita sempre as nossas decisões pessoais: Deus deixou o
homem - diz-nos a Escritura - nas mãos do seu livre-arbítrio (Ece. 15, 14).
Umas
palavras mais para me referir expressamente ao último dos casos concretos
expostos - a decisão de dedicar-se ao serviço da Igreja e das almas. Quando
pais católicos não compreendem essa vocação, penso que fracassaram na sua
missão de formar uma família cristã, que nem sequer são conscientes da
dignidade que o Cristianismo dá à sua própria vocação matrimonial. Aliás, a
experiência que tenho no Opus Dei é muito positiva. Costumo dizer aos sócios da
Obra que devem noventa por cento da sua vocação aos seus pais, porque os
souberam educar e os ensinaram a ser generosos. Posso assegurar que na imensa
maioria dos casos - praticamente na totalidade - os pais não só respeitam como
também amam essa decisão dos filhos e que passam a ver a Obra como uma
ampliação da própria família. É uma das minhas grandes alegrias e uma
confirmação mais de que, para sermos muito divinos, temos de ser também muito
humanos.
105
Há actualmente quem
defenda a teoria de que o amor justifica tudo e concluem que o noivado é como
um “matrimónio à experiência”. Não seguir o que consideram imperativos do amor,
pensam que é inautêntico e retrógrado. Que pensa desta atitude?
Penso
o que deve pensar uma pessoa honesta e, especialmente, um cristão: que é uma
atitude indigna do homem e que degrada o amor humano, confundindo-o com o
egoísmo e com o prazer.
Retrógrados
os que não pensam ou não procedem dessa maneira? Retrógrado é antes quem
retrocede até à selva, não reconhecendo outro impulso além do instinto. O
noivado deve ser uma ocasião de aprofundar o afecto e o conhecimento mútuo. E,
como toda a escola de amor, deve ser inspirado não pela ânsia de posse, mas por
espírito de entrega, de compreensão, de respeito, de delicadeza. Por isso, há
pouco mais de um ano quis oferecer à Universidade de Navarra uma imagem de
Santa Maria, Mãe do Amor Formoso, para que os rapazes e raparigas que
frequentam aquelas Faculdades aprendessem d'Ela a nobreza do amor - do amor
humano também.
Matrimónio
à experiência? Que pouco sabe de amor quem fala assim! O amor é uma realidade
mais segura, mais real, mais humana. Algo que não se pode tratar como um
produto comercial, que se experimenta e depois se aceita ou se deita fora,
segundo o capricho, a comodidade ou o interesse.
Essa
falta de critério é tão lamentável, que nem sequer parece necessário condenar
quem pensa ou procede assim porque eles mesmo se condenam à infecundidade, à
tristeza, a um isolamento desolador, que sofrerão mal passem alguns anos. Não
posso deixar de rezar muito por eles, amá-los com toda a minha alma e tratar de
lhes fazer compreender que continuam a ter aberto o caminho de regresso a Jesus
Cristo, e que, se se empenharem a sério, poderão ser santos, cristãos íntegros,
porque não lhes faltará nem o perdão nem a graça do Senhor. Só então
compreenderão bem o que é o amor: o Amor divino e também o amor humano nobre; e
saberão o que é a paz, a alegria, a fecundidade.
106
Um grande problema
feminino é o das mulheres solteiras. Referimo-nos àquelas que, embora com
vocação matrimonial, não se chegam a casar. Como não o conseguem, perguntam-se:
para que estamos nós no Mundo? Que lhes responderia?
Para
que estamos no Mundo? Para amar a Deus com todo o nosso coração e com toda a
nossa alma e para estender esse amor a todas as criaturas. Ou será que isto
parece pouco? Deus não deixa nenhuma alma abandonada a um destino cego, mas
para todas tem um desígnio, a todas chama com uma vocação pessoalíssima,
intransferível.
O
matrimónio é caminho divino, é vocação. Mas não é o único caminho, nem a única
vocação. Os planos de Deus para cada mulher não estão ligados necessariamente
ao matrimónio. Têm vocação matrimonial e não chegam a casar-se? Em algum caso
pode ser certo, e talvez tenha sido o egoísmo ou o amor-próprio o que impediu
que esse chamamento de Deus se cumprisse; mas, outras vezes, a maioria até,
isso pode ser um sinal de que o Senhor não lhes deu verdadeira vocação
matrimonial. Sim, gostam de crianças, sentem que seriam boas mães, que
entregariam o seu coração fielmente ao marido e aos filhos. Mas isso é normal
em toda a mulher, também naquelas que, por vocação divina, não se casam -
podendo fazê-lo - para se ocuparem do serviço de Deus e das almas.
Não
casaram. Pois bem, que continuem, como até agora, amando a vontade de Deus,
vivendo na intimidade desse Coração amabilíssimo de Jesus que não abandona
ninguém, que é sempre fiel, que vai olhando por nós ao longo desta vida para Se
dar a nós desde agora e para sempre.
Além
disso, a mulher pode cumprir a sua missão - como mulher, com todas as suas
características femininas, também as características afectivas da maternidade -
em círculos diferentes da própria família: em outras famílias, na escola, em
obras assistenciais, em mil lugares. A sociedade é, às vezes, muito dura - com
grande injustiça - para aquelas a quem chama solteironas. Há mulheres solteiras
que difundem à sua volta alegria, paz, eficácia, que se sabem entregar
nobremente ao serviço dos outros e ser mães, em profundidade espiritual, com
mais realidade do que muitas, que são mães apenas fisiologicamente.
107
As perguntas anteriores
referiram-se ao noivado. O tema que apresento agora refere-se já ao matrimónio.
que conselhos daria à mulher casada para que, com o passar dos anos, a sua vida
matrimonial continue sendo feliz, sem ceder à monotonia?
Talvez
a questão pareça pouco importante, mas na revista recebem-se multas cartas de
leitoras interessadas por este tema.
A
mim parece-me que, com efeito, é um assunto importante, e por isso o são também
as possíveis soluções, apesar da sua aparência modesta. Para que no matrimónio
se conserve o encanto do começo, a mulher deve procurar conquistar o seu marido
em cada dia, e o mesmo teria que dizer ao marido em relação à mulher. O amor
deve ser renovado em cada novo dia, e o amor ganha-se com o sacrifício, com
sorrisos e com arte também. Se o marido chega a casa cansado de trabalhar e a
mulher começa a falar sem medida, contando-lhe tudo o que lhe parece que correu
mal, pode-se surpreender que o marido acabe por perder a paciência? Essas
coisas menos agradáveis podem-se deixar para um momento mais oportuno, quando o
marido esteja menos cansado, mais bem disposto.
Outro
pormenor: o arranjo pessoal. Se outro sacerdote vos dissesse o contrário, penso
que seria um mau conselho. À medida que uma pessoa, que deve viver no mundo,
vai avançando em idade, mais necessário se torna melhorar não só a vida
interior como - precisamente por isso - procurar estar apresentável. Evidentemente,
sempre em conformidade com a idade e as circunstâncias. Costumo dizer, por
brincadeira, que as fachadas, quanto mais envelhecidas, mais necessidade têm de
reparação. É um conselho sacerdotal. Um velho refrão castelhano diz que la
mujer compuesta saca al hombre de otra puerta, a mulher arranjada tira o homem
de outra porta.
Por
isso atrevo-me a afirmar que as mulheres têm a culpa de oitenta por cento das
infidelidades dos maridos, porque não sabem conquistá-los em cada dia, não
sabem ter pequenas amabilidades e delicadezas. A atenção da mulher casada
deve-se centrar no marido e nos filhos. Assim como a do marido se deve centrar
na mulher e nos filhos. E para fazer isto bem é preciso tempo e vontade. Tudo o
que torne impossível esta tarefa é mau, não está bem.
Não
há desculpa para não cumprir esse amável dever. Para já, não é desculpa o
trabalho fora do lar, nem sequer a própria vida de piedade, a qual, se não é
compatível com as obrigações de cada dia, não é boa, Deus não a quer. A mulher
casada tem que se ocupar primeiro do lar. Recordo uma antiga da minha terra,
que diz: La mujer que, por la iglesia, / deja el puchero quemar, / tiene la
mitad de ángel, / de diablo la otra mitad. - A mulher que, pela igreja, / deixa
esturrar a comida, / tem metade de anjo, / de diabo a outra metade. A mim
parece-me inteiramente um diabo.
108
Pondo de parte as
dificuldades que possam surgir entre pais e filhos, também são correntes entre
marido e mulher desentendimentos, que às vezes chegam a comprometer seriamente
a paz familiar. Que conselhos daria aos casais?
Que
se amem. Que saibam que ao longo da vida haverá desentendimentos e dificuldades
que, resolvidos com naturalidade, contribuirão inclusivamente para tornar o
amor mais profundo.
Cada
um de nós tem o seu feitio, os seus gostos pessoais, o seu génio - o seu mau
génio, por vezes - e os seus defeitos. Cada um tem também coisas agradáveis na
sua personalidade e por isso e por muitas mais razões, pode-se amá-lo. A
convivência é possível quando todos se empenham em corrigir as próprias
deficiências e procuram passar por alto as faltas dos outros, isto é, quando há
amor, que anula e supera tudo o que falsamente poderia ser motivo de separação
ou de divergência. Pelo contrário, se se dramatizam os pequenos contrastes e mutuamente
se começa a lançar à cara os defeitos e os erros, então acaba-se a paz e
corre-se o risco de matar o amor.
Os
casais têm graça de estado - a graça do sacramento - para viverem todas as
virtudes humanas e cristãs da convivência: a compreensão, o bom humor, a
paciência, o perdão, a delicadeza no convívio. O que é importante é não se
descontrolarem, não se deixarem dominar pelo nervosismo, pelo orgulho ou pelas
manias pessoais. Para isso, o marido e a mulher devem crescer em vida interior
e aprender da Sagrada Família a viver com delicadeza - por um motivo humano e
sobrenatural ao mesmo tempo - as virtudes do lar cristão. Repito: a graça de
Deus não lhes falta.
Se
alguém diz que não pode aguentar isto ou aquilo, que lhe é impossível calar-se,
exagera para se justificar. É preciso pedir a Deus força para saber dominar o
próprio capricho, graça para saber ter o domínio de si próprio, porque os
perigos de uma zanga são estes: que se perca o controlo e as palavras se encham
de amargura e cheguem a ofender e, ainda que talvez não se desejasse, a ferir e
a causar mal.
É
necessário aprender a calar, a esperar e a dizer as coisas de modo positivo,
optimista. Quando ele se zanga, é o momento de ser ela especialmente paciente,
até que chegue de novo a serenidade, e vice-versa. Se há afecto sincero e
preocupação por aumentá-lo, é muito difícil que os dois se deixem dominar pelo
mau humor na mesma altura...
Outra
coisa muito importante: devemo-nos acostumar a pensar que nunca temos toda a
razão. Pode-se dizer, inclusivamente, que, em assuntos desses, ordinariamente
tão opináveis, quanto mais seguros estamos de ter toda a razão, tanto mais
certo é que não a temos. Discorrendo deste modo, torna-se depois mais fácil
rectificar e, se for preciso, pedir perdão, que é a melhor maneira de acabar
com uma zanga. Assim se chega à paz e à ternura. Não vos animo a discutir, mas
é natural que discutamos alguma vez com aqueles de quem mais gostamos, porque
são os que habitualmente vivem connosco. Não vamos zangar-nos com o Preste João
das Índias... Portanto, essas pequenas zangas entre os esposos, se não são
frequentes - e é preciso procurar que não o sejam -, não demonstram falta de
amor e até podem ajudar a aumentá-lo.
Um
último conselho: que nunca se zanguem diante dos filhos. Para consegui-lo,
basta que se ponham de acordo com uma palavra determinada, com um olhar, com um
gesto. Discutirão depois, com mais serenidade, se não forem capazes de
evitá-lo. A paz conjugal deve ser o ambiente da família, porque é condição
necessária para uma educação profunda e eficaz. Que os filhos vejam nos seus
pais um exemplo de entrega, de amor sincero, de ajuda mútua, de compreensão, e
que as ninharias da vida diária não lhes ocultem a realidade de um afecto que é
capaz de superar seja o que for.
As
vezes tomamo-nos demasiado a sério. Todos nos aborrecemos de quando em quando,
umas vezes porque é necessário, outras porque nos falta espírito de
mortificação. O que importa é demonstrar que esses aborrecimentos não quebram o
afecto, restabelecendo a intimidade familiar com um sorriso. Numa palavra, que
marido e mulher vivam amando-se um ao outro e amando os filhos, porque assim
amam a Deus.
109
Passando a um tema muito
concreto: acaba de se anunciar a abertura de uma Escola-residência dirigida
pela Secção Feminina do Opus Dei em Madrid, que se propõe criar um ambiente de
família e proporcionar uma formação completa às empregadas domésticas,
qualificando-as na sua profissão. Que influência na sociedade pensa que possa
ter este tipo de actividades do Opus Dei?
Essa
obra apostólica - há muitas semelhantes, orientadas por associadas do Opus Dei
que trabalham juntamente com outras pessoas que não são da nossa Associação -
tem como fim principal dignificar a profissão das empregadas domésticas, de
modo que possam realizar o seu trabalho com sentido científico. Digo com
sentido científico porque é preciso que o trabalho no lar se desenvolva como o
que realmente é, como uma verdadeira profissão.
Não
se pode esquecer que se pretendeu apresentar esse trabalho como algo de
humilhante. Não está certo. Humilhantes, sem dúvida, eram as condições em que
muitas vezes se desenvolvia essa tarefa. E humilhantes continuam sendo agora,
algumas vezes, porque trabalham segundo o capricho de patrões arbitrários, que
não dão garantias de direitos aos que os servem, e também com escassa
retribuição económica e sem afecto. É necessário exigir o respeito por um
contrato de trabalho adequado, com garantias claras e precisas, e definir
nitidamente os direitos e os deveres de cada parte.
É
necessário - além de garantias jurídicas - que a pessoa que preste esse serviço
esteja capacitada, profissionalmente preparada. Serviço, disse - ainda que hoje
a palavra não agrade - porque toda a tarefa social bem feita é isso, um
estupendo serviço, tanto o trabalho da empregada doméstica como o do professor
ou o do juiz. Só não é serviço o trabalho de quem condiciona tudo ao seu
próprio bem-estar.
O
trabalho do lar é de primeira importância! Aliás, todos os trabalhos podem ter a
mesma qualidade sobrenatural. Não há tarefas grandes ou pequenas; todas são
grandes se se fazem por amor. As que são tidas como tarefas de grande
importância ficam diminuídas quando se perde o sentido cristão da vida. Pelo
contrário, há coisas aparentemente pequenas que podem ser muito grandes pelas
consequências reais que tenham.
Para
mim, é igualmente importante o trabalho de uma minha filha associada do Opus
Dei que é empregada doméstica ou o trabalho de uma minha filha que tem um
título nobiliárquico. Nos dois casos, interessa-me só que o trabalho que
realizam seja meio e ocasião de santificação pessoal e alheio. E será mais
importante o trabalho da pessoa que, na sua própria ocupação e no seu próprio
estado, se vá tornando mais santa e cumpra com mais amor a missão recebida de
Deus.
Diante
de Deus, tem tanta categoria a que é catedrática de uma universidade como a que
trabalha como empregada comercial ou como secretária, ou como operária, ou como
camponesa. Todas as almas são iguais; mas às vezes são mais formosas as almas
das pessoas mais simples, e são sempre mais agradáveis ao Senhor as que tratam
com mais intimidade a Deus Pai, a Deus Filho e a Deus Espírito Santo.
Com
essa Escola que abriu em Madrid, pode-se fazer muito: uma autêntica e eficaz ajuda
à sociedade, numa tarefa importante; e um trabalho cristão no seio do lar,
levando às casas alegria, paz, compreensão. Poderia estar a falar horas sobre
este tema, mas já é suficiente o que se disse para ver que considero o trabalho
no lar como uma profissão de particular transcendência, porque se pode fazer
com ele muito mal ou muito bem no próprio âmago das famílias. Esperemos que
seja muito bem. Não faltarão pessoas que, com categoria humana, com competência
e com afã apostólico, façam dessa profissão uma ocupação alegre, de imensa
eficácia em muitos lares do mundo.
110
Circunstâncias de índole
muito diversa, e também exortações e ensinamentos do Magistério da Igreja,
criaram e estimularam uma profunda inquietação social. Fala-se muito da virtude
da pobreza, como testemunho. Como pode vivê-la uma dona de casa, que deve
proporcionar à sua família um justo bem-estar?
Anuncia-se
o Evangelho aos pobres (Mat. 11, 5), lemos na Escritura,
precisamente como um dos sinais que dão a conhecer a chegada do Reino de Deus.
Quem não amar e viver a virtude da pobreza não tem o espírito de Cristo. E isto
é válido para todos, tanto para o anacoreta que se retira para o deserto, como
para o cristão corrente que vive no meio da sociedade humana, usando dos
recursos deste mundo ou carecendo de muitos deles.
Este
é um tema no qual me quereria demorar um pouco, porque hoje nem sempre se prega
a pobreza de modo a que a sua mensagem chegue à vida. Sem dúvida com boa
vontade, mas sem ter captado todo o sentido dos tempos, há quem pregue uma
pobreza que é fruto de elucubração intelectual, que tem certos sinais
exteriores aparatosos e simultaneamente enormes deficiências interiores e às
vezes também externas.
Fazendo-me
eco de uma expressão do Profeta lsaías - discite benefacere (1, 17)
-, agrada-me dizer que é preciso aprender a viver toda a virtude, e talvez a
pobreza muito especialmente. É necessário aprender a vivê-la para que não fique
reduzida a um ideal sobre o qual se pode escrever muito, mas que ninguém
realiza seriamente. É preciso fazer ver que a pobreza é um convite que o Senhor
dirige a cada cristão e que é - portanto - chamada concreta que deve moldar
toda a vida da humanidade.
Pobreza
não é miséria, e muito menos sujidade. Em primeiro lugar, porque o que define o
cristão não são, tanto as condições exteriores da sua existência, mas a atitude
do seu coração. Mais ainda, e aqui aproximamo-nos de um ponto muito importante,
do qual depende uma recta compreensão da vocação laical, porque a pobreza não
se define pela simples renúncia. Em determinadas ocasiões, o testemunho de
pobreza que se pede aos cristãos pode ser o de abandonar tudo, ou de se
enfrentar com um ambiente que não tem outros horizontes senão os do bem-estar
material, e proclamar assim, com um gesto aparatoso, que nada é bom quando o
preferirmos a Deus. Mas, é esse o testemunho que a Igreja pede hoje
ordinariamente? Não é certo que também exige que se dê testemunho explícito de
amor ao mundo, de solidariedade com os homens?
Reflecte-se
às vezes sobre a pobreza cristã, tendo como principal ponto de referência os
religiosos, dos quais é próprio dar sempre e em toda a parte um testemunho
público, oficial, e corre-se o risco de não reparar no carácter específico de
um testemunho laical, dado a partir de dentro, com a simplicidade do
quotidiano.
Todo
o cristão corrente tem que tornar compatíveis na sua vida dois aspectos que, à
primeira vista, podem parecer contraditórios: pobreza real, que se note e que
se toque - feita de coisas concretas - que seja uma profissão de fé em Deus,
uma manifestação que o coração não se satisfaz com coisas criadas, mas aspira
ao Criador, que deseja encher-se do amor de Deus e depois dar a todos desse
mesmo amor; e, ao mesmo tempo, ser mais um entre os seus irmãos os homens, de
cuja vida participa, com quem se alegra, com quem colabora, amando o mundo e
todas as coisas criadas para resolver os problemas da vida humana e para
estabelecer o ambiente espiritual e material que facilite o desenvolvimento das
pessoas e das comunidades.
Conseguir
a síntese entre esses dois aspectos é - em boa parte - questão pessoal, questão
de vida interior, para julgar em cada momento, para encontrar em cada caso o
que Deus nos pede. Não quero, pois, dar regras fixas, mas sim orientações
gerais, referindo-me especialmente às mães de família.
111
Sacrifício:
eis aí, em grande parte, a realidade da pobreza. Pobreza é saber prescindir do
supérfluo, medido não tanto por regras teóricas como segundo essa voz interior
que nos adverte de que se está infiltrando o egoísmo ou a comodidade
desnecessária. Conforto, em sentido positivo, não é luxo nem voluptuosidade,
mas tornar a vida agradável à própria família e aos outros, para que todos
possam servir melhor a Deus.
Pobreza
é o verdadeiro desprendimento das coisas terrenas, é levar com alegria as
incomodidades, se as há, ou a falta de meios. É, além, disso, saber ter todo o
dia tomado com um horário elástico no qual não falte como tempo principal -
além das normas diárias de piedade - o devido descanso, a reunião familiar, a
leitura, o tempo dedicado a um gosto artístico, à leitura ou a outra distracção
nobre, enchendo as horas com uma actividade útil, fazendo as coisas o melhor
possível, vivendo os pormenores de ordem, de pontualidade, de bom humor. Numa
palavra, encontrando ocasião para o serviço dos outros e para si mesmo, sem
esquecer que todos os homens, todas as mulheres, - e não só os materialmente
pobres - têm obrigação de trabalhar. A riqueza, a situação de desafogo
económico é um sinal de que se tem mais obrigação de sentir a responsabilidade
pela sociedade inteira.
O
amor é que dá sentido ao sacrifício. Toda a mãe sabe bem o que é sacrificar-se
pelos seus filhos. O sacrifício não está só em conceder-lhes umas horas, mas em
gastar toda a vida em seu benefício. Viver pensando nos outros, usar as coisas
de tal maneira que haja algo para oferecer aos outros, tudo isso são dimensões
da pobreza que garantem o desprendimento efectivo.
Para
uma mãe, é importante não só viver assim, como também ensinar os filhos a
viverem assim: educá-los, fomentando neles a fé, a esperança optimista e a
caridade; ensiná-los a superar o egoísmo e a empregar com generosidade parte do
seu tempo ao serviço dos menos afortunados, participando em ocupações adequadas
à sua idade, nas quais se manifeste um anseio de solidariedade humana e divina.
Resumindo:
que cada um viva cumprindo a sua vocação. Para mim, foram sempre o melhor
exemplo de pobreza esses pais e essas mães de família numerosa e pobre que se
sacrificam pelos seus filhos e que, com o seu esforço e constância - muitas
vezes sem uma palavra para dizer a alguém que passam necessidades - mantêm os
seus, criando um lar alegre em que todos aprendem a amar, a servir, a
trabalhar.
112
Ao longo desta entrevista,
tem havido ocasião de comentar aspectos importantes da vida humana o
especificamente da vida da mulher, e de reconhecer como o espírito do Opus Dei
os valoriza. Para terminar, poder-nos-ia dizer como considera que se deve
promove, o papel da mulher na vida da Igreja?
Não
posso ocultar que, ao responder a uma pergunta deste tipo, sinto a tentação -
contrária ao meu proceder habitual - de fazê-lo de um modo polémico, porque há
algumas pessoas que empregam essa linguagem de um modo clerical, usando a
palavra Igreja como sinónimo de algo que pertence ao clero, à Hierarquia
eclesiástica. E assim, por participação na vida da Igreja entendem, só ou
principalmente, a ajuda prestada à vida paroquial, a colaboração em associações
“com mandato” da Hierarquia, a assistência activa nas funções litúrgicas e
coisas semelhantes.
Quem
pensa assim esquece na prática - ainda que talvez o proclame na teoria - que a
Igreja é a totalidade do Povo de Deus, o conjunto de todos os cristãos, que,
portanto, onde estiver um cristão que se esforce por viver em nome de Jesus
Cristo, aí está presente a Igreja.
Com
isto não pretendo minimizar a importância da colaboração que a mulher pode
prestar à vida da estrutura eclesiástica. Pelo contrário, considero-a
imprescindível. Tenho dedicado a minha vida a defender a plenitude da vocação
cristã do laicado, dos homens e das mulheres que vivem no meio do mundo e, por
conseguinte, a procurar o pleno reconhecimento teológico e jurídico da sua
missão na Igreja e no mundo.
Só
quero fazer notar que há quem promova uma redução injustificada dessa
colaboração, e afirmar que o cristão comum, homem ou mulher, só pode cumprir a
sua missão específica, também a que lhe corresponde dentro da estrutura
eclesial, desde que não se clericalize, se continuar a ser secular, corrente,
pessoa que vive no mundo e que participa dos cuidados do mundo.
Compete
aos milhões de mulheres e de homens cristãos que enchem a Terra, levar Cristo a
todas as actividades humanas, anunciando com as suas vidas que Deus ama a todos
e quer salvar a todos. Por isso, a melhor maneira de participarem na vida da
Igreja, a mais importante e a que, pelo menos, tem de estar pressuposta em
todas as outras, é a de serem integralmente cristãos no lugar onde estão na
vida, onde a sua vocação humana os levou.
Como
me emociona pensar em tantos cristãos, homens e mulheres, que, talvez sem se
proporem fazê-lo de maneira específica, vivem com simplicidade a sua vida de
cada dia, procurando encarnar nela a Vontade de Deus! Fazer-lhes tomar
consciência da sublimidade da sua vida, revelar-lhes que isso, que parece sem
importância, tem um valor de eternidade, ensinar-lhes a escutar mais
atentamente a voz de Deus, que lhes fala através de acontecimentos e situações,
é do que a Igreja tem hoje premente necessidade, porque é nesse sentido que
Deus a está urgindo.
Cristianizar
o mundo inteiro a partir de dentro, mostrando que Jesus Cristo redimiu toda a
humanidade - essa é a missão do cristão. E a mulher participará nela da maneira
que lhe é própria, tanto no lar como nas tarefas que desempenhe, realizando as
suas virtualidades peculiares.
O
principal é, pois, que, como Santa Maria - mulher, Virgem e Mãe - vivam
voltadas para Deus, pronunciando esse fiat mihi secundum verbum tuum (Luc. 1,
38), faça-se em mim segundo a tua palavra, do qual depende a fidelidade à
vocação pessoal, única e intransferível em cada caso, que nos fará cooperadores
da obra de salvação que Deus realiza em nós e no mundo inteiro.
(Entrevista realizada por Pilar
Salcedo, publicada em Telva (Madrid), em 1 de Fevereiro de 1968 e reproduzida
em Mundo Cristiano (Madrid) em 1 de Março do mesmo ano.)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.