Em seguida devemos tratar das paixões da alma. Primeiro, em geral. Segundo, em especial. Em geral, devemos estudar quatro questões, relativamente a elas. Primeiro, do sujeito delas. Segundo, da diferença entre elas. Terceiro, da comparação mútua entre as mesmas. Quarto, da sua malícia e bondade.
Sobre
a primeira questão três artigos se discutem:
Art.
1 ― Se a alma tem paixões.
Art.
2 ― Se a paixão reside mais na parte apreensiva que na apetitiva.
Art.
3 ― Se a paixão reside mais no apetite sensitivo que no intelectivo.
Art. 1 ― Se a alma tem
paixões.
(III
Sent., dist. XV. Q. 2, a . 1, qª 2, De Verit., q. 26, a . 1, 2).
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que a alma não tem paixões.
1. ― Pois, sofrer é próprio da matéria. Ora, a alma não é composta de matéria e forma, como estabelecemos na primeira parte 1. Logo, a alma não tem paixões.
2.
Demais. ― A paixão é um movimento, como diz Aristóteles 2. Ora, a
alma não é movida, como ainda Aristóteles o prova 3. Logo, nela não
há paixões.
3.
Demais. ― A paixão é causa de corrupção, pois, como diz Aristóteles, toda a paixão
aumenta em detrimento da substância 4. Ora, a alma é incorruptível.
Logo, não tem paixões.
Mas,
em contrário, diz o Apóstolo (Rm 7, 5): Porque, enquanto estávamos
na carne, as paixões dos pecados, que havia pela lei, obravam em nossos
membros. Ora, os pecados existem propriamente, na alma. Logo, também as paixões
chamadas pecados.
A palavra sofrer tem tríplice acepção. Uma, comum, pela qual todo o receber é
sofrer, mesmo que o ser nenhum detrimento sofra, assim dizemos que o ar sofre
quando é iluminado. Ora, isto é mais propriamente aperfeiçoar-se que sofrer. ―
Num sentido próprio, empregamos a palavra sofrer para significar uma coisa recebida
com exclusão de outra, o que se pode dar de dois modos. Ora, é excluído o que
não convém ao ser, assim, quando o corpo de um animal sara, dizemos que sofre
porque recebe a saúde, por exclusão da doença. ― De outro modo, inversamente,
assim, dizemos que estar doente é sofrer, porque recebemos a doença, por
exclusão da saúde, e este é o modo mais próprio à paixão. Pois sofrer implica
em alguma coisa ser atraída para o agente, porquanto, o ser que fica privado do
que lhe é conveniente é considerado, sobretudo, como actraído para outro ser. E
semelhantemente, Aristóteles 5 diz que quando do menos nobre se gera
o mais nobre há geração, absolutamente, e corrupção, relativamente, e ao
inverso, quando do mais nobre é gerado o menos nobre.
Ora,
deste três modos a alma tem paixões. Assim, quanto à recepção, dizemos que
sentir e compreender é de certo modo sofrer. Por outro lado, a paixão
acompanhada de exclusão só existe seguida de alteração corpórea. Donde, a
paixão propriamente dita não pode convir à alma senão acidentalmente, a saber,
na medida em que o composto comporta o sofrimento. Ora, há aqui diversidade de situações,
assim, quando tal alteração se faz para pior mais propriamente se realiza a
noção de paixão, do que quando se faz para melhor, e por isso a tristeza é mais
propriamente paixão que a alegria.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Sofrer acompanhado de exclusão e de alteração
é próprio da matéria, e por isso só afecta os seres compostos de matéria e
forma. Mas, quando implica somente recepção, não afecta só e necessariamente a matéria,
mas pode também afectar qualquer ser existente em potência. Ora, a alma, embora
não seja composta de matéria e forma, encerra contudo uma certa potencialidade,
em virtude da qual lhe convém o receber e o sofrer, e nesse sentido dizemos que
inteligir é sofrer, conforme Aristóteles 6.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― Sofrer e ser movido, embora não convenha à alma, em si mesma
convém-lhe contudo acidentalmente, como diz Aristóteles 7.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A objecção colhe relativamente à paixão que implica alteração
para pior, e tal paixão senão acidentalmente pode convir à alma, mas, em si
mesma convém ao composto, que é corruptível.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
Q. 75, a. 5.
2. III Physic., lect. V.
3.
I De Anima, lect. VI.
4.
VI Topic., cap. VI, 21.
5.
I De generactione, lect. VIII.
6.
III De Anima, lect. IX.
7.
I De Anima, lect. VI.
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