Questão 18: Da bondade e
da malícia dos actos humanos em geral.
Em
seguida devemos tratar da bondade e da malícia dos actos humanos. Primeiro, de
como é uma acção humana boa ou má. Segundo, do que resulta da bondade ou da
malícia dos actos humanos, p. ex., o mérito ou o demérito, o pecado e a culpa.
Sobre
o primeiro ponto ocorre tríplice consideração. A primeira é sobre a bondade e a
malícia dos actos humanos em geral. A segunda, da bondade e da malícia dos actos
interiores. A terceira, da bondade e da malícia dos actos externos.
Sobre
a primeira questão onze artigos se discutem:
Art.
1 ― Se todas as acções humanas são boas ou se as há más.
Art.
2 ― Se a acção humana haure no objecto a sua bondade ou malícia.
Art.
3 ― Se as circunstâncias tornam uma acção boa ou má.
Art.
4. ― Se a bondade e a malícia dos actos humanos provêm do fim.
Art.
5. ― Se os actos morais bons e maus diferem especificamente.
Art.
6. ― Se o fim diversifica especificamente os actos em bons e maus.
Art.
7 ― Se a espécie de bondade proveniente do fim está compreendida na proveniente
do objecto, como a espécie, no género.
Art.
8 – Se há actos especificamente indiferentes.
Art.
9 ― Se um acto individualmente considerado pode ser indiferente.
Art.
10 ― Se uma circunstância pode especificar um acto como bom ou mau.
Art.
11 ― Se toda circunstância referente à bondade ou à malícia especifica um acto.
Art. 1 ― Se todas as
acções humanas são boas ou se as há más.
(De
Malo, q. 2, a . 4).
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que todas as acções do homem são boas e
nenhuma é má.
1. ― Pois, como diz Dionísio, o mal só age em virtude do bem 1. Ora, este não produz aquele. Logo, nenhuma acção é má.
2.
Demais. ― Nada age senão enquanto actual. Ora, nada é mau por ser actual, mas
por ser a potência privação do acto, pois, um ser é bom na medida em que a
potência é aperfeiçoada pelo acto, como diz Aristóteles 2. Ora, nada
age enquanto mau, mas só enquanto bom. Logo, todas as acções são boas e nenhuma
é má.
3.
Demais. ― Só acidentalmente o mal pode ser causa, como se vê claramente em
Dionísio 3. Ora, de toda acção há-de resultar algum efeito,
necessariamente. Logo, nenhuma é má, mas todas são boas.
Mas,
em contrário, diz o Senhor (Jo 3, 20): Porquanto todo aquele que obra mal
aborrece a luz. Há portanto acções humanas más.
Fala-se do bem e do mal das coisas, porque há proporção entre estas e as suas
acções. Ora, cada coisa é boa na mesma medida em que é, pois o bem e o ser se
convertem, como já se disse na primeira parte 4. Só Deus porém tem
toda a plenitude do ser, por causa da sua unidade e simplicidade, ao passo que
as criaturas possuem a plenitude do ser que lhes convém, de modo múltiplo.
Assim umas possuem o ser de modo relativo, e contudo falta-lhes algo à
plenitude devida. A plenitude do ser humano, p. ex., implica a composição de
alma e corpo, com todas as potências e instrumentos do conhecimento e do
movimento, donde, a quem faltar um desses elementos, faltar-lhe-á algo da
plenitude do seu ser. Pois quanto tiver de ser tanto terá de bondade, e na
medida em que lhe faltar algo da plenitude do seu ser, nessa mesma medida lhe
faltará a bondade e será considerado mau, assim, para um cego o viver é bem e
estar privado da vista, mal. Se porém não tivesse nenhum ser ou nenhuma
bondade, não poderia considerar-se mau nem bom. Como porém a plenitude do ser é
da essência do bem, o ente a que faltar a plenitude que lhe é devida, não será
considerado bom, absoluta, mas relativamente, enquanto ser, poderá contudo ser
considerado ser, absolutamente, e não ser, relativamente, conforme se disse na
primeira parte5.
Assim
pois devemos concluir que toda acção, na medida em que é, nessa mesma é boa, e
lhe faltará a bondade, sendo, por isso considerada má, na mesma medida em que
lhe faltar algo da plenitude do ser devido, p. ex., se lhe faltar a quantidade
determinada exigida pela razão, ou o lugar devido, ou coisa semelhante.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O mal age em virtude do bem deficiente. Se
pois o bem faltasse totalmente, não haveria ser nem acção, e se o bem não fosse
deficiente, não haveria mal. Donde, a acção causada, em virtude de um bem
deficiente, há-de ser também deficientemente boa: é boa, relativamente e má,
absolutamente.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― Nada impede que um ser tenha, num ponto de vista, a actualidade,
que o faz agir e, noutro, a privação do acto, que lhe causa a acção deficiente.
Assim um cego, tendo as pernas sãs, pode andar, mas, privado da vista, com a
qual se dirige, a marcha fica-lhe defeituosa e há-de ser trôpego no andar.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Uma acção má pode, por si, produzir um efeito, na medida em que
tiver algo de bondade e de ser. Assim, o adultério é causa de geração humana
enquanto implica a união dos sexos e não, enquanto contraria a ordem racional.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
__________________________
Notas:
1.
IV cap. De div. nom., lect. XVI.
2. IX Metaph., lect. X.
3.
IV cap. De div. nom., lect. XVI.
4.
Q. 5 a. 1, 3.
5.
Q. 5 a. 1 ad 1
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