A Criação 6
1. O acto criador 6
1.3. Conservação e
providência. O mal
A
criação não se reduz aos começos. «Depois da criação, Deus não abandona a
criatura a si mesma. Não só lhe dá o ser e o existir, mas a cada instante a
mantém no ser, lhe dá o agir e a conduz ao seu termo» (Catecismo, 301). A
Sagrada Escritura compara esta actuação de Deus na história com a acção
criadora (cf. Is 44,24; 45,8; 51,13). A literatura sapiencial explicita a acção
de Deus que mantém na existência as suas criaturas. «E como poderia subsistir
algo se não o quisésseis ou conservar-se aquilo que Vós não tivésseis chamado?»
(Sb 11,25). São Paulo vai mais longe e atribui esta acção conservadora a
Cristo: «Ele é antes de todas as coisas e todas as coisas subsistem por Ele»
(Cl 1,17).
O
Deus cristão não é um relojoeiro ou um arquitecto que, após ter realizado a sua
obra, se desinteressasse dela. Estas imagens são próprias duma concepção
deísta, segundo a qual Deus não se imiscui nos assuntos deste mundo. Mas isto
supõe uma distorção do autêntico Deus criador, pois separam drasticamente a
criação da conservação e do governo divino do mundo 9.
A
noção de conservação “faz de ponte” entre a acção criadora e o governo divino
do mundo (providência). Deus não só cria o mundo e o mantém na existência, mas
além disso «conduz as suas criaturas para a perfeição última, à qual Ele as
chamou» (Compêndio, 55). A Sagrada Escritura apresenta a soberania absoluta de
Deus e testemunha constantemente o seu cuidado paterno, tanto nas coisas mais
pequenas como nos grandes acontecimentos da história (cf. Catecismo, 303).
Neste contexto, Jesus revela-Se como a providência “encarnada” de Deus, que
atende, como Bom Pastor, as necessidades materiais e espirituais dos homens (Jo
10,11.14-15; Mt 14,13-14, etc.) e ensina-nos a abandonarmo-nos ao seu cuidado
(Mt 6,31-33).
Se
Deus cria, mantém e dirige tudo com bondade, donde provém o mal? «A esta
questão, tão premente quanto inevitável, tão dolorosa como misteriosa, não é
possível dar uma resposta rápida e satisfatória. É o conjunto da fé cristã que
constitui a resposta a esta questão .... Não há nenhum pormenor da mensagem
cristã que não seja, em parte, resposta ao problema do mal» (Catecismo, 309).
A
criação não ficou acabada no princípio, mas Deus fê-la in statu viae, ou seja,
dirigida a uma perfeição última ainda por alcançar. Para a realização dos Seus
desígnios, Deus serve-se do concurso das criaturas e concede aos homens uma
participação na sua providência, respeitando a sua liberdade mesmo que façam o
mal (cf. Catecismo, 302, 307, 311). O realmente surpreendente é que Deus «na
sua omnipotente providência pode tirar um bem das consequências de um mal»
(Catecismo, 312). É misteriosa, mas é uma enorme verdade que «todas as coisas
concorrem para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8, 28) 10.
A
experiência do mal parece manifestar uma tensão entre a omnipotência e a
bondade divinas na sua actuação na história. Aquela recebe resposta, certamente
misteriosa, no evento da Cruz de Cristo, que revela o “modo de ser” de Deus e
é, portanto, fonte de sabedoria para o homem (sapientia crucis).
santiago sanz
Bibliografia básica
Catecismo da Igreja Católica, 279-374.
Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 51-72.
DS, n. 125, 150, 800, 806, 1333, 3000-3007, 3021-3026,
4319, 4336, 4341.
Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 10-18, 19-21,
36-39.
João Paulo II, Creo en Dios Padre. Catequesis sobre el
Credo (I), Palabra, Madrid 1996, 181-218.
Leituras recomendadas:
Santo Agostinho, Confissões, livro XII.
São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, I, qq. 44-46.
São Josemaria, Homilia «Amar o mundo apaixonadamente»
em Temas Actuais do Cristianismo, 113-123.
Joseph Ratzinger, Creación y pecado, Eunsa, Pamplona
1992.
João Paulo II, Memória e Identidade, Bertrand Editora,
Lisboa 2005.
(Resumos
da Fé cristã: © 2013, Gabinete de Informação do Opus Dei na Internet)
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Notas:
9
O deísmo implica um erro na noção metafísica de criação, pois esta, enquanto
doação de ser, leva consigo uma dependência ontológica por parte da criatura,
que não é separável da sua continuação no tempo. Ambas constituem um mesmo
acto, mesmo quando possamos distingui-las conceptualmente: «a conservação das
coisas por Deus não se dá por alguma acção nova, mas pela continuação da acção
que dá o ser, que é certamente uma acção sem movimento e sem tempo» (São Tomás,
Summa Theologiae, I, q. 104, a. 1, ad 3).
10 Em continuidade com a experiência de tantos
santos da história da Igreja, esta expressão paulina encontrava-se
frequentemente nos lábios de São Josemaria, que vivia e animava assim a viver
numa gozosa aceitação da vontade divina (cf. São Josemaria, Sulco, 127; Via
Sacra, IX, 4; Amigos de Deus, 119). Por outro lado, o último livro de João
Paulo II, Memória e Identidade, constitui uma profunda reflexão sobre a
actuação da providência divina na história dos homens, segundo aquela outra
asserção de São Paulo: «Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o
bem» (Rm 12, 21).
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