26/01/2013

Tratado dos actos humanos 14


Questão 8: Dos actos em que há vontade.


Em seguida devemos tratar dos próprios actos da vontade, em especial. E primeiro, dos actos precedentes da vontade, em si, como elícitos dela. Segundo, dos actos imperados pela vontade.

Mas, como a vontade se move para o fim e para os meios, há-de tratar-se, primeiro, dos actos pelos quais a vontade se move para o fim, e em seguida, dos actos pelos quais se move para os meios.

Ora, os actos da vontade para o fim são três: querer, fruir e intender. Donde, trataremos, primeiro, da vontade. Segundo, da fruição. Terceiro, da intenção.

Sobre o primeiro ponto, consideram-se três questões. A primeira, em que actos há vontade. A segunda é pelo que ela é movida. A terceira, como é movida.

Sobre a primeira Questão três artigos se discutem:
Art. 1 ― Se a vontade quer só o bem.
Art. 2 ― Se a vontade quer também os meios ou só o fim.
Art. 3 ― Se pelo mesmo acto a vontade quer o fim e o meio.
Art. 1 ― Se a vontade quer só o bem.

(I, q. 19, a . 9, IV Sent., dist. XLIX, q. 1, a . 3, q ª 1, De Verit., q. 22, a . 6).

O primeiro discute-se assim. ― Parece que a vontade não quer só o bem.


1. ― Pois, uma mesma é a potência dos contrários, assim, a vista vê o branco e o negro. Ora, o bom e o mal são contrários. Logo, a vontade quer não só o bem, mas ainda o mal.

2. Demais. ― As potências racionais buscam os contrários, segundo o Filósofo 1. Ora, a vontade é potência racional, pois, reside na razão, como diz Aristóteles 2. Logo, a vontade busca os contrários e, portanto, quer, não só o bem, mas ainda o mal.

3. Demais. ― O bem e o ser convertem-se entre si. Ora, a vontade quer, não só o ser, mas também o não-ser, assim, queremos, umas vezes, não andar e não falar, e também queremos, outras, certos futuros, que não são realidades actuais. Logo, a vontade não quer só o bem.

Mas, em contrário, diz Dionísio: o mal é contrário à vontade, e: todos os seres apetecem o bem 3.

A vontade é um apetite racional. Ora, todo apetite só pode desejar o bem, pois, o apetite não é mais do que uma inclinação do apetente para alguma coisa, e nada se inclina senão para o que lhe é semelhante e conveniente. Donde, tudo o que existe sendo, enquanto ente e substância, um certo bem, é necessário que toda inclinação seja para um bem. E daí procede o dito do Filósofo: o que todos os seres desejam é bem 4.

Deve-se porém considerar que, como toda inclinação resulta de alguma forma, o apetite natural resulta de forma existente na natureza, ao passo que o apetite sensitivo ou também o intelectivo ou racional, chamado vontade, resulta de forma apreendida. Assim como, pois, o para que tende o apetite natural é o bem existente na realidade, assim, o para que tende o apetite animal, ou voluntário, é o bem apreendido. Portanto, para a vontade tender para alguma coisa, não é necessário que exista o bem, na realidade, mas que algo seja apreendido sob a ideia de bem. E por isso diz o Filósofo: o fim é o bem ou o que parece tal 5.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Embora a potência dos contrários seja a mesma, contudo ela não se comporta com ambos, do mesmo modo. Assim, a vontade tende para o bem e para o mal, mas para aquele, apetecendo-o, para este, fugindo. E por isso o apetite actual do bem chama-se vontade, designando esta um acto de vontade, e é neste sentido que estamos agora tratando da vontade. Ao passo que à fuga do mal se chama antes negação da vontade (noluntas). Donde, assim como a vontade quer o bem, assim a sua negação foge do mal.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― A potência racional não busca quaisquer contrários, mas só os que se contêm no seu objecto conveniente, pois nenhuma potência busca apenas o objecto que lhe convém. Ora, o objecto da vontade é o bem, e por isso ela busca só os contrários compreendidos no bem, assim, o ser movido e o repousar, o falar e o calar e outros semelhantes, para os quais a vontade é levada pela ideia de bem.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― O que não é ser real, é considerado ser de razão, por isso, as negações e as privações consideram-se seres de razão. E desse mesmo modo os futuros, enquanto apreendidos, são entes e, como tais, apreendidos sob a ideia de bem, a vontade tende para eles. Donde o dito do Filósofo: não ter mal se compreende na ideia de bem 6.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Lib. XI Metaph., lect. II.
2. III De anima, lect. XIV.
3. IV De Div. Nom., lect. XXII.
4. I ethic., lect. I.
5. II Physic., lect. IV.
6. V Ethic., lect. I.

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