05/12/2012

Tratado da bem-aventurança 01



Questão 1: Do fim último do homem.


Deve tratar-se aqui primeiro, do fim último da vida humana. Em seguida, dos meios pelos quais o homem pode alcançar esse fim ou dele desviar-se, pois, é do fim que se deduz a natureza daquilo que se a ele ordena.

Ora, como se admite que o fim último da vida humana é a bem-aventurança, necessário é, em primeiro lugar, tratar do fim último, em comum, e depois, da bem-aventurança.

Sobre o primeiro ponto oito artigos se discutem:

Art. 1 — Se convém ao homem agir para um fim.
Art. 2 — Se agir para um fim é próprio da natureza racional.
Art. 3 — Se os actos humanos não são especificados pelo fim.
Art. 4 — Se há um fim último da vida humana, ou se, nos fins, se deve proceder ao infinito.
Art. 5 — Se é possível à vontade de um mesmo homem buscar simultaneamente vários fins últimos.
Art. 6 — Se tudo o que o homem quer é por causa do fim último.
Art. 7 — Se há um só fim último para todos os homens.
Art. 8 — Se todos os outros seres têm o mesmo fim último do homem.


Art. 1 — Se convém ao homem agir para um fim.

(infra, a . 2, q. 6, a . 1, III cont. Gent., cap. II).

O primeiro artigo discute-se assim. — Parece que não convém ao homem agir para um fim.

1. — Pois, o que tem naturalmente prioridade é a causa. Ora, o fim, como a própria palavra o indica, é por natureza o último. Logo, o fim não exerce a função de causa. Ora, o homem age para a causa da acção, pois, a preposição para designa função causal. Logo, não convém ao homem agir para um fim.

2. Demais. — O fim que é último não existe para outro. Ora, certas acções constituem um fim último, como se vê no Filósofo. Logo, o homem, nem tudo faz para um fim.

3. Demais. — O homem age para um fim quando delibera. Ora, praticamos muitos actos sem deliberação e sem mesmo, muitas vezes, neles pensar, assim, enquanto pensamos em outras cousas, movemos o pé ou a mão, ou esfregamos a barba. . Logo, o homem, nem tudo faz para um fim.

Mas, em contrário. — Tudo o que pertence a um género deriva do princípio desse género. Ora, como se vê claramente no Filósofo, o fim é o principio das operações do homem. Logo, a este convém fazer tudo para um fim.

Das acções feitas pelo homem só se chamam propriamente humanas as que lhe são próprias, enquanto homem. Ora, este difere das criaturas irracionais, por ser senhor dos seus actos. Donde, chamam-se propriamente acções humanas só aquelas de que o homem é senhor. Ora, o homem é senhor das suas acções pela razão e pela vontade, sendo por isso o livre arbítrio chamado à faculdade da vontade e da razão. Portanto, chamam-se acções propriamente humanas as procedentes da vontade deliberada, e se há outras que convêm ao homem, essas podem, por certo, chamar-se acções do homem, mas não propriamente humanas, pois não procedem dele como tal. Ora, é manifesto que todas as acções procedentes de uma potência são causadas por esta, quanto à essência do próprio objecto delas. E como o objecto da vontade é o fim e o bem, é necessário que todas as acções tendam humanas para um fim.

DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Último na execução, o fim é contudo o primeiro na intenção do agente, e por isso tem a natureza de causa.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Qualquer acção humana que seja fim último há-de necessariamente ser voluntária, do contrário não seria humana, como já se disse. Ora, em duplo sentido uma acção é chamada voluntária. Por ser imperada pela vontade, como andar ou falar, ou por ser dela decorrente, como o querer, em si mesmo. Ora, é impossível que o acto mesmo decorrente da vontade seja fim último. Pois, o objecto da vontade é fim como o da visão é cor. Donde, assim como é impossível que o primeiro visível seja a visão mesma, porque toda visão se refere a algum objecto visível, assim também é impossível que o primeiro desejável, que é fim, seja o querer em si mesmo. Donde resulta que se alguma acção humana for fim último, há-de ser imperada pela vontade. E então, em tal caso, há- de haver alguma acção do homem — ao menos, o próprio querer, que seja para um fim. Logo, faça o homem, seja o que for, é verdade dizer-se que age para um fim, mesmo operando um acto que seja o último fim.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Tais acções não são propriamente humanas, por não procederem da deliberação da razão, princípio próprio dos actos humanos. E por isso têm certamente um fim imaginado , porém, não estabelecido pela razão.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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