Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 5, 13-32
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Evangelho: Mt 5, 13-32
13 «Vós sois o sal da terra. Porém, se o
sal perder a sua força, com que será ele salgado? Para nada mais serve senão
para ser lançado fora e ser calcado pelos homens. 14 Vós sois a luz
do mundo. Não pode esconder-se uma cidade situada sobre um monte; 15
nem se acende uma candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas no candelabro,
a fim de que dê luz a todos os que estão em casa. 16 Assim brilhe a
vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o
vosso Pai que está nos céus.17 «Não julgueis que vim abolir a Lei ou
os Profetas; não vim para os abolir, mas sim para cumprir.18 Porque
em verdade vos digo: antes passarão o céu e a terra, que passe uma só letra ou
um só traço da Lei, sem que tudo seja cumprido. 19 Aquele, pois, que
violar um destes mandamentos mesmo dos mais pequenos, e ensinar assim aos
homens, será considerado o mais pequeno no Reino dos Céus. Mas o que os guardar
e ensinar, esse será considerado grande no Reino dos Céus. 20 Porque
Eu vos digo que, se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não
entrareis no Reino dos Céus. 21 «Ouvistes que foi dito aos antigos:
“Não matarás”, e quem matar será submetido ao juízo do tribunal. 22
Porém, Eu digo-vos que todo aquele que se irar contra o seu irmão, será
submetido ao juízo do tribunal. E quem chamar cretino a seu irmão será
condenado pelo sinédrio. E quem lhe chamar louco será condenado ao fogo da
Geena. 23 Portanto, se estás para fazer a tua oferta diante do
altar, e te lembrares ali que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24
deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai reconciliar-te primeiro com teu
irmão, e depois vem fazer a tua oferta. 25 Concilia-te sem demora com
o teu adversário, enquanto estás com ele no caminho, para que não suceda que
esse adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao guarda, e sejas
metido na prisão. 26 Em verdade te digo: Não sairás de lá antes de
ter pago o último centavo. 27 «Ouvistes que foi dito: “Não cometerás
adultério”. 28 Eu, porém, digo-vos que todo aquele que olhar para
uma mulher, cobiçando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração. 29
Por isso se o teu olho direito é para ti causa de pecado, arranca-o e lança-o
para longe de ti, porque é melhor para ti que se perca um dos teus membros, do
que todo o teu corpo seja lançado na Geena. 30 E se a tua mão
direita é para ti causa de pecado, corta-a e lança-a para longe de ti, porque é
melhor para ti que se perca um dos teus membros, do que todo o teu corpo seja
lançado na Geena. 31 «Também foi dito: “Aquele que repudiar sua
mulher, dê-lhe libelo de repúdio”. 32 Eu, porém, digo-vos: todo
aquele que repudiar sua mulher, a não ser por causa de união ilegítima,
expõe-na a adultério; e o que desposar a mulher repudiada, comete adultério.
PONTIFÍCIO CONSELHO «JUSTIÇA E PAZ»
COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
CAPÍTULO
II
MISSÃO
DA IGREJA E DOUTRINA SOCIAL
III. A DOUTRINA SOCIAL DO
NOSSO TEMPO: ACENOS HISTÓRICOS
a) O início de um novo
caminho
87
A locução doutrina social remonta a Pio XI [139] e designa o corpus doutrinal
referente à sociedade que, a partir da Encíclica Rerum Novarum [140] (1891) de
Leão XIII, se desenvolveu na Igreja através do Magistério dos Romanos Pontífices
e dos Bispos em comunhão com eles [141]. A solicitude social certamente não
teve início com tal documento, porque a Igreja jamais deixou de se interessar
pela sociedade; não obstante a Encíclica «Rerum Novarum» dá início a um novo
caminho: inserindo-se numa tradição plurissecular, ela assinala um novo início
e um substancial desenvolvimento do ensinamento em campo social [142].
Na
sua contínua atenção ao homem na sociedade, a Igreja acumulou assim um rico património
doutrinal. Ele tem as suas raízes na Sagrada Escritura, especialmente no
Evangelho e nos escritos apostólicos, e tomou forma e corpo na doutrina dos
Padres da Igreja, dos grandes Doutores da Idade Média, constituindo uma
doutrina na qual, mesmo sem pronunciamentos magisteriais explícitos e directos,
a Igreja se foi pouco a pouco reconhecendo.
88
Os eventos de natureza económica que se deram no século XIX tiveram consequências
sociais, políticas e culturais lacerantes. Os acontecimentos ligados à
revolução industrial subverteram a secular organização da sociedade, levantando
graves problemas de justiça e pondo a primeira grande questão social, a questão
operária, suscitada pelo conflito entre capital e trabalho. Nesse quadro, a
Igreja advertiu a necessidade de intervir de modo novo: as «res novae»,
constituídas por tais eventos, representavam um desafio ao seu ensinamento e
motivavam uma especial solicitude pastoral para com as ingentes massas de
homens e mulheres. Era necessário um renovado discernimento da situação, apto a
delinear soluções apropriadas para problemas insólitos e inexplorados.
b) Da «Rerum Novarum» aos
nossos dias
89
Em resposta à primeira grande questão social, Leão XIII promulga a primeira
encíclica social, a «Rerum Novarum» [143]. Ela examina a condição dos
trabalhadores assalariados, particularmente penosa para os operários das
indústrias, afligidos por uma indigna miséria. A questão operária é tratada
segundo a sua real amplitude: é explorada em todas as suas articulações sociais
e políticas, para ser adequadamente e avaliada à luz dos princípios doutrinais
baseados na Revelação, na lei e na moral natural.
A
«Rerum Novarum» enumera os erros que provocam o mal social, exclui o socialismo
como remédio e expõe, precisando-a e actualizando-a, «a doutrina católica
acerca do trabalho, do direito de propriedade, do princípio de colaboração
contraposto à luta de classe como meio fundamental para a mudança social, sobre
o direito dos fracos, sobre a dignidade dos pobres e sobre as obrigações dos
ricos, sobre o aperfeiçoamento da justiça mediante a caridade, sobre o direito
a ter associações profissionais» [144].
A
«Rerum Novarum» tornou-se a «carta magna» da actividade cristã em campo social
[145]. O tema central da doutrina social da Encíclica é o da instauração de uma
ordem social justa, em vista do qual é mister individuar critérios de juízo que
ajudem a avaliar os ordenamentos sócio-políticos existentes e formular linhas
de acção para uma sua oportuna transformação.
90
A «Rerum Novarum» enfrentou a questão operária com um método que se tornará «um
paradigma permanente» [146] para o desenvolvimento da doutrina social. Os
princípios afirmados por Leão XIII serão retomados e aprofundados pelas
encíclicas sociais sucessivas. Toda a doutrina social poderia ser entendida
como uma actualização, um aprofundamento e uma expansão do núcleo originário de
princípios expostos na «Rerum Novarum». Com este texto, corajoso e de longo
alcance, o Papa Leão XIII «conferiu à Igreja quase um “estatuto de cidadania”
no meio das variáveis realidades da vida pública» [147] e «escreveu esta
palavra decisiva» [148], que se tornou «um elemento permanente da doutrina
social da Igreja» [149], afirmando que os graves problemas sociais «só podiam
ser resolvidos pela colaboração entre todas as forças intervenientes» [150] e
acrescentando também: «Quanto à Igreja, não deixará de modo nenhum faltar a sua
quota-parte» [151].
91
No início dos anos Trinta, em seguida à grave crise económica de 1929, o Papa
Pio XI publica a Encíclica «Quadragesimo anno» (1931) [152] , comemorativa dos
quarenta anos da «Rerum Novarum». O Papa relê o passado à luz de uma situação económico-social
em que, à industrialização se juntara a expansão do poder dos grupos financeiros,
em âmbito nacional e internacional. Era o período pós-bélico, em que se iam
afirmando na Europa os regimes totalitários, enquanto se exacerbava a luta de
classes. A encíclica adverte acerca da falta de respeito pela liberdade de
associação e reafirma os princípios de solidariedade e de colaboração para
superar as antinomias sociais. As relações entre capital e trabalho devem
dar-se sob o signo da colaboração [153].
A
«Quadragesimo anno» reafirma o princípio segundo o qual o salário deve ser
proporcional não só às necessidades do trabalhador, mas também às de sua
família. O Estado, nas relações com o sector privado, deve aplicar o princípio
de subsidiaridade princípio que se tornará um elemento permanente da doutrina
social. A encíclica refuta o liberalismo entendido como concorrência ilimitada
das forças económicas, mas reconfirma o direito à propriedade privada, evocando
a sua função social. Numa sociedade por reconstruir desde as bases económicas,
que se torna ela mesma e toda inteira «a questão» a enfrentar, «Pio XI sentiu o
dever e a responsabilidade de promover um maior conhecimento, uma mais exacta
interpretação e uma urgente aplicação da lei moral reguladora das relações humanas...
para superar o conflito de classes e estabelecer uma nova ordem social baseada
na justiça e na caridade» [154].
92
Pio XI não deixou de elevar a voz contra os regimes totalitários que durante o
seu pontificado se afirmaram na Europa. Já no dia 29 de Junho de 1931 Pio XI
havia protestado contra os abusos do regime totalitário fascista na Itália com
a Encíclica «Non abbiamo bisogno» [155]. Em 1937 publicou a Encíclica «Mit
brennender Sorge», sobre a situação da Igreja Católica no Reich Germânico (14
de Março de 1937) [156]. O texto da «Mit brennender Sorge» foi lido do púlpito
em todas as Igrejas, depois de ter sido distribuído no máximo segredo. A
encíclica aparecia após anos de abusos e de violências e fora expressamente
pedida a Pio XI pelos bispos alemães, após as medidas cada vez mais coactivas e
repressivas tomadas pelo Reich em 1936, particularmente em relação aos jovens,
obrigados a inscrever-se na «Juventude hitleriana». O Papa dirige-se directamente
aos sacerdotes e aos religiosos, aos fiéis leigos, para os incentivar e chamar
à resistência, enquanto uma verdadeira paz entre a Igreja e o Estado não se
restabelecesse. Em 1938, perante a difusão do anti-semitismo, Pio XI afirmou:
«Somos espiritualmente semitas» [157].
Com
a Carta encíclica «Divini Redemptoris», sobre o comunismo ateu e sobre a
doutrina social cristã (19 de Março de 1937) [158], Pio XI criticou de modo
sistemático o comunismo, definido como «intrinsecamente perverso» [159], e
indicou como meios principais para pôr remédio aos males por ele produzidos, a
renovação da vida cristã, o exercício da caridade evangélica, o cumprimento dos
deveres de justiça no plano inter-pessoal e social, em vista do bem comum, a
institucionalização de corpos profissionais e inter-profissionais.
93
As Radio-mensagens natalícias de Pio XII [160], juntamente com outros
importantes pronunciamentos em matéria social, aprofundam a reflexão
magisterial sobre uma nova ordem social, governado pela moral e pelo direito e
fundado na justiça e na paz. Durante o seu pontificado, Pio XII atravessou os
anos terríveis da Segunda Guerra Mundial e os tempos difíceis da reconstrução. Não
publicou encíclicas sociais, mas manifestou constantemente, em numerosos
contextos, a sua preocupação com a ordem internacional subvertida: «Nos anos da
guerra e do após-guerra, o Magistério social de Pio XII representou para muitos
povos de todos os continentes e para milhões de crentes e não crentes a voz da
consciência universal (...). Com a sua autoridade moral e o seu prestígio, Pio
XII levou a luz da sabedoria cristã a inumeráveis homens de todas as categorias
e nível social» [161].
Uma
das características fundamentais dos pronunciamentos de Pio XII está na
importância dada à conexão entre moral e direito. O Papa insiste sobre a noção
de direito natural, como alma de um ordenamento social concretamente operante
quer no plano nacional quer no plano internacional. Um outro aspecto importante
do ensinamento de Pio XII está na atenção dada às categorias profissionais e
empresariais, chamadas a concorrer em plena consciência para a consecução do
bem comum: «Pela sua sensibilidade e inteligência em detectar os “sinais dos
tempos”, Pio XII pode considerar-se o precursor imediato do Concílio Vaticano
II e do ensinamento social dos Papas que lhe sucederam» [162].
94
Os anos Sessenta abrem horizontes promissores: o reinício após as devastações
da guerra, a descolonização da África, os primeiros tímidos sinais de um degelo
nas relações entre os dois blocos, americano e soviético. Neste clima, o beato
João XXIII lê em profundidade os «sinais dos tempos» [163]. A questão social está-se
universalizando e abarca todos os países: ao lado da questão operária e da
revolução industrial, delineiam-se os problemas da agricultura, das áreas em
via de desenvolvimento, do incremento demográfico e os referentes à necessidade
de cooperação económica mundial. As desigualdades, antes advertidas no interior
das nações, aparecem no âmbito internacional e fazem emergir cada vez mais a
situação dramática em que se encontra o Terceiro Mundo.
João
XXIII, na Encíclica «Mater et Magistra» [164] (1961), «pretende actualizar os
documentos já conhecidos e avançar no sentido de comprometer toda a comunidade
cristã» [165]. As palavras-chave da encíclica são comunidade e socialização [166]:
a Igreja é chamada, na verdade, na justiça e no amor, a colaborar com todos os
homens para construir uma autêntica comunhão. Por tal via o crescimento económico
não se limitará a satisfazer as necessidades dos homens, mas poderá promover
também a sua dignidade.
95
Com a Encíclica «Pacem in terris» [167], João XXIII põe de realce o tema da
paz, numa época marcada pela proliferação nuclear. A «Pacem in terris» contém,
ademais, uma primeira aprofundada reflexão da Igreja sobre os direitos; é a
Encíclica da paz e da dignidade humana. Ela prossegue e completa o discurso da
«Mater et Magistra» e, na direção indicada por Leão XIII, sublinha a
importância da colaboração entre todos: é a primeira vez que um documento da
Igreja é dirigido também a «todas as pessoas de boa vontade» [168], que são
chamados a uma «imensa tarefa de recompor as relações da convivência na
verdade, na justiça, no amor, na liberdade» [169]. A «Pacem in terris» detém-se
sobre os poderes públicos da comunidade mundial, chamados a enfrentar «os
problemas de conteúdo económico, social, político ou cultural, (...) da alçada
do bem comum universal» [170]. No décimo aniversário da «Pacem in terris», o
Cardeal Maurice Roy, Presidente da Pontifícia Comissão Justiça e Paz, enviou a
Paulo VI uma Carta juntamente com um documento com uma série de reflexões sobre
a capacidade do ensinamento da Encíclica joanina de iluminar os problemas novos
relacionados com a promoção da paz [171].
96
A Constituição pastoral «Gaudium et spes» [172] (1965), do Concílio Vaticano
II, constitui uma significativa resposta da Igreja às expectativas do mundo
contemporâneo. Na citada Constituição, «em sintonia com a renovação
eclesiológica, se reflecte numa nova concepção de ser comunidade dos crentes e
povo de Deus. Ela suscitou, portanto, novo interesse pela doutrina contida nos
documentos precedentes acerca do testemunho e da vida dos cristãos, como caminhos
autênticos para tornar visível a presença de Deus no mundo» [173]. A «Gaudium
et spes» traça o rosto de uma Igreja «verdadeiramente solidária com o género
humano e com a sua história» [174], que caminha juntamente com a humanidade
inteira e experimenta com o mundo a mesma sorte terrena, mas que ao mesmo tempo
«é como que, o fermento e a alma da sociedade humana destinada a ser renovada
em Cristo e transformada na família de Deus» [175].
A
«Gaudium et spes» aborda organicamente os temas da cultura, da vida económico-social,
do matrimónio e da família, da comunidade política, da paz e da comunidade dos
povos, à luz da visão antropológica cristã e da missão da Igreja. Tudo é
considerado a partir da pessoa e em vista da pessoa: «a única criatura que Deus
quis por se mesma» [176]. A sociedade, as suas estruturas e o seu desenvolvimento
não podem ser queridos por si mesmos mas para o «aperfeiçoamento da pessoa
humana» [177]. Pela primeira vez o Magistério solene da Igreja, no seu mais
alto nível, se exprime tão amplamente acerca dos diversos aspectos temporais da
vida cristã: «Deve reconhecer-se que a atenção da Constituição em relação às
mudanças sociais, psicológicas, políticas, económicas, morais e religiosas estimulou
cada vez mais, no último vinténio, a preocupação pastoral da Igreja pelos
problemas dos homens e o diálogo com o mundo» [178].
97
Um outro documento do Concílio Vaticano II muito importante no «corpus» da
doutrina social da Igreja é a declaração «Dignitatis humanae» [179] (1965), no
qual se proclama o direito à liberdade religiosa. O documento trata o tema em
dois capítulos. No primeiro, de carácter geral, se afirma que o direito à
liberdade religiosa tem o seu fundamento na dignidade da pessoa humana e
afirmam que ele deve ser reconhecido e sancionado como direito civil no
ordenamento jurídico da sociedade. O segundo capítulo aborda o tema à luz da
Revelação esclarecendo as suas implicações pastorais, recordando tratar-se de
um direito que concerne não somente às pessoas individualmente consideradas, mas
também às diversas comunidades.
98
«O desenvolvimento é o novo nome da paz» [180] proclama solenemente Paulo VI na
Encíclica «Populorum progressio» [181] (1967), que pode ser considerada uma
amplificação do capítulo sobre a vida económico-social da «Gaudium et spes»,
com a introdução porém de algumas novidades significativas. Em particular ela
traça as coordenadas de um desenvolvimento integral do homem e de um desenvolvimento
solidário da humanidade: «estas duas temáticas devem considerar-se como eixos à
volta dos quais se estrutura o tecido da encíclica. Querendo convencer os
destinatários da urgência de uma acção solidária, o Papa apresenta o
desenvolvimento como “a passagem de condições menos humanas a condições mais
humanas” e especifica as suas características» [182]. Esta passagem não está
circunscrita às dimensões meramente económicas e técnicas, mas implica para
cada pessoa a aquisição da cultura, o respeito da dignidade dos outros, o
reconhecimento «dos valores supremos, e de Deus que é a origem e o termo deles»
[183]. O desenvolvimento favorável de todos responde a uma exigência de justiça
em escala mundial que garanta uma paz planetária e torne possível a realização
de «um humanismo total» [184], governado pelos valores espirituais.
99
Nesta perspectiva, Paulo VI instituiu, em 1967, a Pontifícia Comissão «Justitia
et Pax», realizando um voto dos Padres Conciliares, para os quais é «muito
oportuna a criação de um organismo da Igreja universal, com o fim de despertar
a comunidade dos católicos para que se promovam o progresso das regiões
indigentes e a justiça social entre as nações» [185]. Por iniciativa de Paulo
VI, a começar de 1968, a Igreja celebra no primeiro dia do ano o Dia Mundial da
Paz. O mesmo Pontífice dá início à feliz tradição das Mensagens que se ocupam
do tema de cada Dia Mundial da Paz, acrescendo assim o «corpus» da doutrina
social.
100
No início dos anos Setenta, num clima turbulento de contestação fortemente
ideológica, Paulo VI retoma a mensagem social de Leão XIII e a actualiza, por
ocasião do octogésimo aniversário da «Rerum Novarum», com a Carta apostólica
«Octogesima adveniens» [186]. O Papa reflete sobre a sociedade pós-industrial
com todos os seus complexos problemas salientando a insuficiência das
ideologias para responder a tais desafios: a urbanização, a condição juvenil, a
condição da mulher, o desemprego, as discriminações, a emigração, o incremento
demográfico, o influxo dos meios de comunicação social, o ambiente natural.
101
Noventa anos depois da «Rerum Novarum» João Paulo II dedica a Encíclica «Laborem
exercens» [187] ao trabalho: bem fundamental para a pessoa, factor primário da actividade
económica e chave de toda a questão social. A «Laborem exercens» delineia uma
espiritualidade e uma ética do trabalho, no contexto de uma profunda reflexão
teológica e filosófica. O trabalho não deve ser entendido somente em sentido
objectivo e material, mas há que se levar em conta a sua dimensão subjectiva,
enquanto actividade que exprime sempre a pessoa. Além de ser o paradigma
decisivo da vida social, o trabalho tem toda a dignidade de um âmbito no qual
deve encontrar realização a vocação natural e sobrenatural da pessoa.
102.
Com a Encíclica «Sollicitudo rei socialis» [188], João Paulo II comemora o
vigésimo aniversário da «Populorum progressio» e aborda novamente o tema do
desenvolvimento, para sublinhar dois dados fundamentais: «por um lado, a
situação dramática do mundo contemporâneo, sob o aspecto do desenvolvimento que
falta no Terceiro Mundo, e por outro lado, o sentido, as condições e as
exigências dum desenvolvimento digno do homem» [189]. A Encíclica introduz a,
diferença entre progresso e desenvolvimento, e afirma que «o verdadeiro
desenvolvimento não pode limitar-se à multiplicação dos bens e dos serviços,
isto é, àquilo que se possui, mas deve contribuir para a plenitude do “ser” do
homem. Deste modo pretende-se delinear com clareza a natureza moral do
verdadeiro desenvolvimento» [190]. João Paulo II, evocando o moto do
pontificado de Pio XII, «Opus iustitiae pax», a paz como fruto da justiça,
comenta: «Hoje poder-se-ia dizer, com a mesma justeza e com a mesma força de
inspiração bíblica (cf. Is 32, 17; Tg 3, 18), Opus solidarietatis pax, a paz
como fruto da solidariedade» [191].
103
No centésimo aniversário da «Rerum Novarum», João Paulo II promulga a sua
terceira encíclica social, a «Centesimus annus» [192], da qual emerge a
continuidade doutrinal de cem anos de Magistério social da Igreja. Retomando um
dos princípios basilares da concepção cristã da organização social e política,
que fora o tema central da Encíclica precedente, o Papa escreve: «o princípio,
que hoje designamos de solidariedade... várias vezes Leão XIII o enuncia, com o
nome “amizade”...; desde Pio XI é designado pela expressão mais significativa
“caridade social”, enquanto Paulo VI, ampliando o conceito na linha das
múltiplas dimensões actuais da questão social, falava de “civilização do amor”»
[193]. João Paulo II realça como o ensinamento social da Igreja corre ao longo
do eixo da reciprocidade entre Deus e o homem: reconhecer a Deus em cada homem
e cada homem em Deus é a condição de um autêntico desenvolvimento humano. A
análise articulada e aprofundada das «res novæ», e especialmente a grande
guinada de 1989, com a derrocada do sistema soviético, contém um apreço pela
democracia e pela economia livre, no quadro de uma indispensável solidariedade.
c) À luz e sob o impulso
do Evangelho
104
Os documentos aqui evocados constituem as pedras fundamentais do caminho da
doutrina social da Igreja dos tempos de Leão XIII aos nossos dias. Esta resenha
sintética alongar-se-ia muito se se levassem em conta todos os pronunciamentos
motivados, mais do que por um tema específico, pela «preocupação pastoral de
propor à comunidade cristã e a todos os homens de boa vontade os princípios
fundamentais, os critérios universais e as orientações idóneas para sugerir as
opções de fundo e a praxe coerente para cada situação concreta» [194].
Na
elaboração e no ensinamento desta doutrina, a Igreja foi e é animada por
intentos não teoréticos, mas pastorais, quando se encontra diante das
repercussões das mutações sociais sobre os seres humanos individualmente
tomados, sobre multidões de homens e mulheres, sobre a sua mesma dignidade
humana, nos contextos em que «se procura uma organização temporal mais
perfeita, sem que este progresso seja acompanhado de igual desenvolvimento
espiritual» [195]. Por estas razões, se constituiu e desenvolveu a doutrina
social: «um corpo doutrinal actualizado, que se articula à medida que a Igreja,
dispondo da plenitude da Palavra revelada por Cristo Jesus e com a assistência
do Espírito Santo (cf. Jo 14, 16. 26; 16, 13-15), vai lendo os acontecimentos,
enquanto se desenrolam no decurso da história» [196].
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________________________
Notas:
[139]
Cf. Pio XI, Carta encicl. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931) 179; Pio XII, na
Radiomensagem em comemoração do 50° aniversário da «Rerum Novarum»: AAS 33
(1941) 197, fala de «doutrina social católica», e na Exort. apost. Menti
nostrae, de 23 de Setembro de 1950: AAS 42 (1950) 657, de «doutrina social da
Igreja». João XXIII conserva as expressões «doutrina social da Igreja» (Carta
encicl. Mater et Magistra: AAS 53 [1961] 453; Carta encicl. Pacem in terris:
AAS 55 [1963] 300-301) ou ainda «doutrina social
cristã» (Carta encicl. Mater et
Magistra: AAS 53 [1961] 453), ou «doutrina social católica» (Carta encicl. Mater et Magistra: AAS 53 [1961]
454).
[140]
Cf. Leão XIII, Carta encicl. Rerum Novarum: Acta Leonis XIII, 11 (1892) 97-144.
[141]
Cf. João Paulo II, Carta encicl. Laborem exercens, 3: AAS 73 (1981) 583-584;
Id., Carta encicl. Sollicitudo rei socialis, 1: AAS 80 (1988) 513-514.
[142]
Cf. Catecismo da Igreja Católica, 2421.
[143]
Cf. Leão XIII, Carta encicl. Rerum Novarum: Acta Leonis XIII, 11 (1892) 97-144.
[144]
Congregação para a Educação Católica, Orientações para o estudo e o ensino da
Doutrina Social na formação sacerdotal, 20: Tipografia Poliglota Vaticana,
Cidade do Vaticano 1988, p. 24.
[145]
Cf. Pio XI, Carta encicl. Quadragesimo anno, 39: AAS 23 (1931) 189; Pio XII,
Radiomensagem em comemoração do 50° aniversário da «Rerum Novarum»: AAS 33
(1941) 198.
[146]
João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 5: AAS 83 (1991) 799.
[147]
João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 5: AAS 83 (1991) 799.
[148]
João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 56: AAS 83 (1991) 862.
[149]
João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 60: AAS 83 (1991) 865.
[150]
João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 60: AAS 83 (1991) 865.
[151]
Leão XIII, Carta encicl. Rerum Novarum: Acta Leonis XIII, 11 (1892) 143. Cf.
João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 56: AAS 83 (1991) 862.
[152]
Cf. Pio XI, Carta encicl. Quadragesimo anno, 9: AAS 23 (1931) 177-228.
[153]
Cf. Pio XI, Carta encicl. Quadragesimoanno: AAS 23 (1931) 186-189.
[154]
Congregação para a Educação Católica, Orientações para o estudo e o ensino da
Doutrina Social na formação sacerdotal, 21: Tipografia Poliglota Vaticana,
Cidade do Vaticano 1988, p. 24.
[155]
Cf. Pio XI, Carta encicl. Non abbiamo bisogno: AAS 23 (1931) 285-312.
[156]
Texto oficial (em alemão): AAS 29 (1937)
145-167.
[157]
Pio XI, Discurso aos jornalistas belgas da rádio (6 de Setembro de 1938), in
João Paulo II, Discurso aos dirigentes da “Anti-Defamation League of B’nai
B’rith” (22 de Março de 1984): Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VII, 1 (1984)
740-742.
[158]
Texto oficial (em latim): AAS 29 (1937), 4, 65-106.
[159]
Cf. Pio XI, Carta encicl. Divini Redemptoris, 58: AAS 29 (1937) 130.
[160]
Cf. Pio XII, Radiomensagens natalinas: sobre a paz e a ordem internacional, dos
anos 1939: AAS 32 (1940) 5-13; 1940: AAS 33 (1941) 5-14; 1941: AAS 34 (1942)
10-21; 1945: AAS 38 (1946) 15-25; 1946: AAS 39 (1947) 7-17; 1948: AAS 41 (1949)
8-16; 1950: AAS 43 (1951) 49-59; 1951: AAS 44 (1952) 5-15; 1954: AAS 47 (1955)
15-28; 1955: AAS 48 (1956) 26-41; sobre a ordem interna das nações de 1942: AAS
35 (1943) 9-24; sobre a democracia de 1944: AAS 37 (1945) 10-23; sobre a função
da civilização cristã de 1° de Setembro de 1944: AAS 36 (1944) 249-258; sobre o
retorno a Deus na generosidade e na fraternidade, de 1947: AAS 40 (1948) 8-16;
sobre o ano do grande retorno e do grande perdão, de 1949: AAS 42 (1950)
121-133; sobre a despersonalização do homem de 1952: AAS 45 (1953) 33-46; sobre
o papel do progresso técnico e a paz dos povos, de 1953: AAS 46 (1954) 5-16.
[161]
Congregação para a Educação Católica, Orientações para o estudo e o ensino da
Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal, 22: Tipografia Poliglota
Vaticana, Cidade do Vaticano 1988, p. 25.
[162]
Congregação para a Educação Católica, Orientações para o estudo e o ensino da
Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal, 22: Tipografia Poliglota
Vaticana, Cidade do Vaticano 1988, p. 25.
[163]
João XXIII, Carta encicl. Pacem in terris: AAS 55 (1963) 267-269. 278-279. 291.
295-296.
[164]
Cf. João XXIII, Carta encicl. Mater et Magistra (15 de Maio de 1961): AAS 53
(1961) 401-464.
[165]
Congregação para a Educação Católica, Orientações para o estudo e o ensino da
Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal, 23: Tipografia Poliglota
Vaticana, Cidade do Vaticano 1988, p. 26.
[166]
Cf. João XXIII, Carta encicl. Mater et Magistra, 45-55: AAS 53 (1961) 415-418.
[167]
Cf. João XXIII, Carta encicl. Pacem in terris: AAS 55 (1963) 257-304.
[168]
João XXIII, Carta encicl. Pacem in terris, Cabeçalho: AAS 55 (1963) 257.
[169]
João XXIII Carta encicl. Pacem in terris: AAS 55 (1963) 301.
[170]
JoãoXXIII Carta encicl. Pacem in terris: AAS 55 (1963) 294.
[171] Cf. Roy Card. Maurice,
Carta a Paulo VI e Documento por ocasião do décimo aniversário da «Pacem in
terris»: L’Osservatore Romano, 11 de Abril de 1973, pp. 3-6.
[172]
Cf. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes: AAS 58 (1966)
1025-1120.
[173]
Congregação para a Educação Católica, Orientações para o estudo e o ensino da
Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal, 24: Tipografia Poliglota Vaticana,
Cidade do Vaticano 1988, p. 27.
[174]
Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 1: AAS 58 (1966) 1026.
[175]
Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 40: AAS 58 (1966) 1058.
[176]
Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 24: AAS 58 (1966) 1045.
[177]
Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 25: AAS 58 (1966) 1045.
[178]
Congregação para a Educação Católica, Orientações para o estudo e o ensino da
Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal, 25: Tipografia Poliglota
Vaticana, Cidade do Vaticano 1988, p. 29.
[179]
Cf. Concílio Vaticano II, Decl. Dignitatis humanæ: AAS 58 (1966) 929-946.
[180]
Cf. Paulo VI, Carta encicl. Populorum progressio, 76-80: AAS 59 (1967) 294-296.
[181]
Paulo VI, Carta encicl. Populorum progressio: AAS 59 (1967) 257-299.
[182]
Congregação para a Educação Católica, Orientações para o estudo e o ensino da
Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal, 25: Tipografia Poliglota
Vaticana, Cidade do Vaticano 1988, p. 28-29.
[183]
Cf. Paulo VI, Carta encicl. Populorum progressio, 20-21: AAS 59 (1967) 267.
[184]
Paulo VI, Carta encicl. Populorum progressio, 42: AAS 59 (1967) 278.
[185]
Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 90 c: AAS 58 (1966) 1112.
[186]
Cf. Paulo VI, Carta apost., Octogesima adveniens (14 de Maio de 1971): AAS 63
(1971), 401-441.
[187]
Cf. João Paulo II, Carta encicl. Laborem exercens (14 de Setembro de 1981): AAS 73 (1981) 577-647.
[188]
Cf. João Paulo II, Carta encicl. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987): AAS 80 (1988) 513-586.
[189]
Congregação para a Educação Católica, Orientações para o estudo e o ensino da
Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal, 26: Tipografia Poliglota
Vaticana, Cidade do Vaticano 1988, p. 30.
[190]
Congregação para a Educação Católica, Orientações para o estudo e o ensino da
Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal, 26: Tipografia Poliglota
Vaticana, Cidade do Vaticano 1988, p. 30.
[191]
João Paulo II, Carta encicl. Sollicitudo rei socialis, 39: AAS 80 (1988) 568.
[192]
Cf. João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus: AAS 83 (1991) 793-867.
[193]
João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 10: AAS 83 (1991) 805.
[194] Congregação para a Educação
Católica, Orientações para o estudo e o ensino da Doutrina Social da Igreja na
formação sacerdotal, 27: Tipografia Poliglota Vaticana, Cidade do Vaticano
1988, p. 33.
[195] Concílio Vaticano II, Const.
past. Gaudium et spes, 4: AAS 58 (1966) 1028.
[196] João Paulo II, Carta
encicl. Sollicitudo rei socialis, 1: AAS 80 (1988) 514; cf. Catecismo da Igreja
Católica, 2422.
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