É
também nesta linha que se compreende o equilíbrio que deve entrecorrer noutro
par, o da fé e religião. A primeira é adesão pessoal, a segunda pode ser
entendida como prática externa, manifestação ritual e social. Certamente se
pode compreender o valor paradoxal da oração formulada pelo maior teólogo
protestante do século XX, Karl Barth: «Senhor, livra-me da religião e dá-me a
fé!».
De
facto a religiosidade pode reduzir-se a convenções, comportamentos exteriores,
ritualismo, antropologia cultural, e a este propósito os profetas bíblicos
foram inexoráveis a combater qualquer confusão entre religião e fé. Todavia é
indiscutível que a fé implica e envolve a pessoa na sua integralidade e,
portanto, compreende igualmente as escolhas sociais, atitudes visíveis, produz
estruturas, exprime-se em ritos e tradições, torna-se religião porque espírito
e corpo são intimamente ligados, operam e comunicam entre si. (...)
[Entre
as várias representações artísticas da fé] escolhemos a tela “A Fé”, executada
pelo grande pintor flamengo Jan Vermeer em 1675 e agora conservada no
Metropolitan Museum de Nova Iorque.
Vestida
de branco, segundo os cânones alegóricos codificados, mas com uma sobreveste
azul, a Fé é uma mulher com a mão direita sobre o coração, o olhar levantado ao
alto para uma luz irradiante do infinito, o pé sobre o globo terrestre,
enquanto que no pavimento uma maçã e uma serpente esmagada por uma pedra
incarnam o pecado e satanás derrotados pela fé em Deus.
O
braço esquerdo pousa sobre uma mesa que é, no entanto, semelhante a um altar,
sobre o qual se apoiam o cálice eucarístico, o livro das Escrituras e o
crucifixo, o mesmo Cristo crucificado que domina também a parede que está atrás
da Fé, expressão do próprio coração do Credo cristão.
Vermeer:
Com os olhos nesta imagem, deixemos serpentear até ao fim uma pergunta
inquietante de Cristo, pergunta que se transforma num apelo. No Evangelho de
Lucas Jesus lança esta interrogação que talvez nos atinja mais do que aos
interlocutores de então: «Quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre
a terra?» (18, 8). O fio interminável da fé, iniciado com os
próprios primórdios da história humana, parece aos nossos dias tornar-se cada
vez mais frágil. E então Cristo continua a repetir, como na última ceia da sua
vida terrena, entre as paredes do Cenáculo, um convite que ressoa ainda hoje
com o mesmo frémito: «Credes em Deus; crede também em mim» (João 14, 1).
armindo dos santos vaz, ocd, Semana de
Espiritualidade 2012, Avessadas, © SNPC | 11.10.12
Card.
gianfranco ravasi, Presidente do
Pontifício Conselho para a Cultura, In L'Osservatore Romano (26.7.2012), © SNPC
(trad.) | 11.10.12
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