14/11/2012

Leitura espirtual para 14 Nov 2012


Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.


Para ver, clicar SFF.

Evangelho: Jo 11, 21-37


21 Marta disse então a Jesus: «Senhor, se estivesses cá, meu irmão não teria morrido. 22 Mas também sei agora que tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá». 23 Jesus disse-lhe: «Teu irmão há de ressuscitar». 24 Marta disse-Lhe: «Eu sei que há-de ressuscitar na ressurreição do último dia». 25 Jesus disse-lhe: «Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; 26 e todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá eternamente. Crês isto?». 27 Ela respondeu: «Sim, Senhor, eu creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus, que vieste a este mundo». 28 Dito isto, retirou-se, e foi chamar em segredo sua irmã Maria, dizendo: «O Mestre está cá e chama-te». 29 Ela, logo que ouviu isto, levantou-se rapidamente, e foi ter com Ele.30 Jesus ainda não tinha entrado na aldeia, mas estava ainda naquele lugar onde Marta saíra ao Seu encontro. 31 Então os judeus, que estavam com ela em casa e a consolavam, vendo que Maria se tinha levantado tão depressa e tinha saído, seguiram-na, julgando que ia chorar ao sepulcro. 32 Maria, porém, tendo chegado onde Jesus estava, logo que O viu, lançou-se aos Seus pés e disse-Lhe: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido». 33 Jesus, vendo-a chorar, a ela e aos judeus que tinham ido com ela, comoveu-Se profundamente e emocionou-Se; 34 depois perguntou: «Onde o pusestes?». Eles responderam: «Senhor, vem ver». 35 Jesus chorou. 36 Os judeus, por isso, disseram: «Vede como Ele o amava». 37 Porém, alguns deles disseram: «Este, que abriu os olhos ao que era cego de nascença, não podia fazer que este não morresse?».




EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
VERBUM DOMINI
DO SANTO PADRE
BENTO XVI
AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
A PALAVRA DE DEUS
NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA
I PARTE
VERBUM DEI
…/2

O realismo da Palavra

10. Quem conhece a Palavra divina conhece plenamente também o significado de cada criatura. De facto, se todas as coisas «têm a sua subsistência» n’Aquele que existe «antes de todas as coisas» (Cl 1, 17), então quem constrói a própria vida sobre a sua Palavra edifica de modo verdadeiramente sólido e duradouro. A Palavra de Deus impele-nos a mudar o nosso conceito de realismo: realista é quem reconhece o fundamento de tudo no Verbo de Deus.


[1] Isto revela-se particularmente necessário no nosso tempo, em que manifestam o seu carácter efémero muitas coisas com as quais se contava para construir a vida e sobre as quais se era tentado a colocar a própria esperança. Mais cedo ou mais tarde, o ter, o prazer e o poder manifestam-se incapazes de realizar as aspirações mais profundas do coração do homem. De facto, para edificar a própria vida, ele tem necessidade de alicerces sólidos, que permaneçam mesmo quando falham as certezas humanas. Na realidade, já que «para sempre, Senhor, como os céus, subsiste a vossa palavra» e a fidelidade do Senhor «atravessa as gerações» (Sl 119, 89-90), quem constrói sobre esta palavra, edifica a casa da própria vida sobre a rocha (cf. Mt 7, 24). Que o nosso coração possa dizer a Deus cada dia: «Sois o meu abrigo, o meu escudo, na vossa palavra pus a minha esperança» (Sl 119, 114), e possamos agir cada dia confiando no Senhor Jesus como São Pedro: «Porque Tu o dizes, lançarei as redes» (L5, 5).

Cristologia da Palavra

11. A partir deste olhar sobre a realidade como obra da Santíssima Trindade, através do Verbo divino, podemos compreender as palavras do autor da Carta aos Hebreus: «Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitas vezes e de muitas maneiras, pelos Profetas, agora falou-nos nestes últimos tempos pelo Filho, a Quem constituiu herdeiro de tudo e por Quem igualmente criou o mundo» (Hb 1, 1-2). É estupendo observar como todo o Antigo Testamento se nos apresenta já como história na qual Deus comunica a sua Palavra: de facto, «tendo estabelecido aliança com Abraão (cf. Gn 15, 18), e com o povo de Israel por meio de Moisés (cf.Ex 24, 8), revelou-Se ao Povo escolhido como único Deus verdadeiro e vivo, em palavras e obras, de tal modo que Israel pudesse conhecer por experiência os planos de Deus sobre os homens, os compreendesse cada vez mais profunda e claramente, ouvindo o mesmo Deus falar por boca dos profetas, e os difundisse mais amplamente entre os homens (cf. Sl 21, 28-29; 95, 1-3; Is 2, 1-4; Jr 3, 17)». [2]
Esta condescendência de Deus realiza-se, de modo insuperável, na encarnação do Verbo. A Palavra eterna que se exprime na criação e comunica na história da salvação, tornou-se em Cristo um homem, «nascido de mulher» (Gl 4, 4). Aqui a Palavra não se exprime primariamente num discurso, em conceitos ou regras; mas vemo-nos colocados diante da própria pessoa de Jesus. A sua história, única e singular, é a palavra definitiva que Deus diz à humanidade. Daqui se compreende por que motivo, «no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo». [3] A renovação deste encontro e desta consciência gera no coração dos fiéis a maravilha pela iniciativa divina, que o homem, com as suas próprias capacidades racionais e imaginação, jamais teria podido conceber. Trata-se de uma novidade inaudita e humanamente inconcebível: «O Verbo fez-Se carne e habitou entre nós» (Jo 1, 14a). Estas expressões não indicam uma figura retórica mas uma experiência vivida. Quem a refere é São João, testemunha ocular: «Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai, como Filho único cheio de graça e de verdade» (Jo 1, 14b). A fé apostólica testemunha que a Palavra eterna Se fez Um de nós. A Palavra divina exprime-se verdadeiramente em palavras humanas.

12. A tradição patrística e medieval, contemplando esta «Cristologia da Palavra», utilizou uma sugestiva expressão: O Verbo abreviou-Se. [4] «Na sua tradução grega do Antigo Testamento, os Padres da Igreja encontravam uma frase do profeta Isaías – que o próprio São Paulo cita – para mostrar como os caminhos novos de Deus estivessem já pre-anunciados no Antigo Testamento. Eis a frase: “O Senhor compendiou a sua Palavra, abreviou--a” (Is 10, 23;Rm 9, 28). (…) O próprio Filho é a Palavra, é o Logos: a Palavra eterna fez-Se pequena; tão pequena que cabe numa manjedoura. Fez-Se criança, para que a Palavra possa ser compreendida por nós». [5] Desde então a Palavra já não é apenas audível, não possui somente uma voz; agora a Palavra tem um rosto, que por isso mesmo podemos ver: Jesus de Nazaré. [6]
Repassando a narração dos Evangelhos, notamos como a própria humanidade de Jesus se manifesta em toda a sua singularidade precisamente quando referida à Palavra de Deus. De facto, na sua humanidade perfeita, Ele realiza a vontade do Pai a todo o momento; Jesus ouve a sua voz e obedece-Lhe com todo o seu ser; conhece o Pai e observa a sua palavra (cf. Jo 8, 55); comunica-nos as coisas do Pai (cf. Jo 12, 50); «dei-lhes as palavras que Tu Me deste» (Jo 17, 8). Assim Jesus mostra que é o Logos divino que Se dá a nós, mas é também o novo Adão, o homem verdadeiro, aquele que cumpre em cada momento não a própria vontade mas a do Pai. Ele «crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens» (Lc 2, 52). De maneira perfeita, escuta, realiza em Si mesmo e comunica-nos a Palavra divina (cf. L5, 1).
Por fim, a missão de Jesus cumpre-se no Mistério Pascal: aqui vemo-nos colocados diante da «Palavra da cruz» (cf. 1 Cor 1, 18). O Verbo emudece, torna-se silêncio de morte, porque Se «disse» até calar, nada retendo do que nos devia comunicar. Sugestivamente os Padres da Igreja, ao contemplarem este mistério, colocam nos lábios da Mãe de Deus esta expressão: «Está sem palavra a Palavra do Pai, que fez toda a criatura que fala; sem vida estão os olhos apagados d’Aquele a cuja palavra e aceno se move tudo o que tem vida». [7] Aqui verdadeiramente comunica-se-nos o amor «maior», aquele que dá a vida pelos próprios amigos (cf. Jo 15, 13).
Neste grande mistério, Jesus manifesta-Se como a Palavra da Nova e Eterna Aliança: a liberdade de Deus e a liberdade do homem encontraram--se definitivamente na sua carne crucificada, num pacto indissolúvel, válido para sempre. O próprio Jesus, na Última Ceia, ao instituir a Eucaristia falara de «Nova e Eterna Aliança», estabelecida no seu sangue derramado (cf. Mt 26, 28; Mc 14, 24; L22, 20), mostrando-Se como o verdadeiro Cordeiro imolado, no qual se realiza a definitiva libertação da escravidão. [8]
No mistério refulgente da ressurreição, este silêncio da Palavra manifesta-se com o seu significado autêntico e definitivo. Cristo, Palavra de Deus encarnada, crucificada e ressuscitada, é Senhor de todas as coisas; é o Vencedor, o Pantocrator, e assim todas as coisas ficam recapituladas n’Ele para sempre (cf. Ef 1, 10). Por isso, Cristo é «a luz do mundo» (Jo 8, 12), aquela luz que «resplandece nas trevas» (Jo 1, 5) mas as trevas não a acolheram (cf. Jo 1, 5). Aqui se compreende plenamente o significado do Salmo 119 quando a designa «farol para os meus passos, e luz para os meus caminhos» (v. 105); esta luz decisiva na nossa estrada é precisamente a Palavra que ressuscita. Desde o início, os cristãos tiveram consciência de que, em Cristo, a Palavra de Deus está presente como Pessoa. A Palavra de Deus é a luz verdadeira, de que o homem tem necessidade. Sim, na ressurreição, o Filho de Deus surgiu como Luz do mundo. Agora, vivendo com Ele e para Ele, podemos viver na luz.

13. Chegados por assim dizer ao coração da «Cristologia da Palavra», é importante sublinhar a unidade do desígnio divino no Verbo encarnado: é por isso que o Novo Testamento nos apresenta o Mistério Pascal de acordo com as Sagradas Escrituras, como a sua íntima realização. São Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, afirma que Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados, «segundo as Escrituras» (15, 3) e que ressuscitou no terceiro dia «segundo as Escrituras» (15, 4). Deste modo o Apóstolo põe o acontecimento da morte e ressurreição do Senhor em relação com a história da Antiga Aliança de Deus com o seu povo. Mais ainda, faz-nos compreender que esta história recebe de tal acontecimento a sua lógica e o seu verdadeiro significado. No Mistério Pascal, realizam-se «as palavras da Escritura, isto é, esta morte realizada “segundo as Escrituras” é um acontecimento que contém em si mesmo um logos, uma lógica: a morte de Cristo testemunha que a Palavra de Deus Se fez totalmente “carne”, “história” humana». [9] Também a ressurreição de Jesus acontece «ao terceiro dia, segundo as Escrituras»: dado que a corrupção, segundo a interpretação judaica, começava depois do terceiro dia, a palavra da Escritura cumpre-se em Jesus, que ressuscita antes de começar a corrupção. Deste modo São Paulo, transmitindo fielmente o ensinamento dos Apóstolos (cf. 1 Cor 15, 3), sublinha que a vitória de Cristo sobre a morte se verifica através da força criadora da Palavra de Deus. Esta força divina proporciona esperança e alegria: tal é, em definitivo, o conteúdo libertador da revelação pascal. Na Páscoa, Deus revela-Se a Si mesmo juntamente com a força do Amor trinitário que aniquila as forças destruidoras do mal e da morte.
Assim, recordando estes elementos essenciais da nossa fé, podemos contemplar a unidade profunda entre criação e nova criação e de toda a história da salvação em Cristo. Recorrendo a uma imagem, podemos comparar o universo com uma partitura, um «livro» – diria Galileu Galilei – considerando-o como «a obra de um Autor que Se exprime através da “sinfonia” da criação. Dentro desta sinfonia, a determinado ponto aparece aquilo que, em linguagem musical, se chama um “solo”, um tema confiado a um só instrumento ou a uma só voz; e é tão importante que dele depende o significado da obra inteira. Este “solo” é Jesus (…). O Filho do Homem compendia em Si mesmo a terra e o céu, a criação e o Criador, a carne e o Espírito. É o centro do universo e da história, porque n’Ele se unem sem se confundir o Autor e a sua obra». [10]

Dimensão escatológica da Palavra de Deus

14. Por meio de tudo isto, a Igreja exprime a consciência de se encontrar, em Jesus Cristo, com a Palavra definitiva de Deus; Ele é «o Primeiro e o Último» (Ap 1, 17). Deu à criação e à história o seu sentido definitivo; por isso somos chamados a viver o tempo, a habitar na criação de Deus dentro deste ritmo escatológico da Palavra. «Portanto, a economia cristã, como nova e definitiva aliança, jamais passará, e não se há-de esperar nenhuma outra revelação pública antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. 1 Tm 6, 14; Tt 2, 13)». [11] De facto, como recordaram os Padres durante o Sínodo, a «especificidade do cristianismo manifesta-se no acontecimento que é Jesus Cristo, ápice da Revelação, cumprimento das promessas de Deus e mediador do encontro entre o homem e Deus. Ele, “que nos deu a conhecer Deus” (Jo 1, 18), é a Palavra única e definitiva confiada à humanidade». [12] São João da Cruz exprimiu esta verdade de modo admirável: «Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra – e não tem outra – Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única e já nada mais tem para dizer (…). Porque o que antes disse parcialmente pelos profetas, revelou-o totalmente, dando-nos o Todo que é o seu Filho. E por isso, quem agora quisesse consultar a Deus ou pedir-Lhe alguma visão ou revelação, não só cometeria um disparate, mas faria agravo a Deus, por não pôr os olhos totalmente em Cristo e buscar fora d’Ele outra realidade ou novidade». [13]
Consequentemente, o Sínodo recomendou que «se ajudassem os fiéis a bem distinguir a Palavra de Deus das revelações privadas», [14] cujo «papel não é (…) “completar” a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente, numa determinada época histórica». [15] O valor das revelações privadas é essencialmente diverso do da única revelação pública: esta exige a nossa fé; de facto nela, por meio de palavras humanas e da mediação da comunidade viva da Igreja, fala-nos o próprio Deus. O critério da verdade de uma revelação privada é a sua orientação para o próprio Cristo. Quando aquela nos afasta d’Ele, certamente não vem do Espírito Santo, que nos guia no âmbito do Evangelho e não fora dele. A revelação privada é uma ajuda para a fé, e manifesta-se como credível precisamente porque orienta para a única revelação pública. Por isso, a aprovação eclesiástica de uma revelação privada indica essencialmente que a respectiva mensagem não contém nada que contradiga a fé e os bons costumes; é lícito torná-la pública, e os fiéis são autorizados a prestar-lhe de forma prudente a sua adesão. Uma revelação privada pode introduzir novas acentuações, fazer surgir novas formas de piedade ou aprofundar antigas. Pode revestir-se de um certo carácter profético (cf. 1 Ts 5, 19-21) e ser uma válida ajuda para compreender e viver melhor o Evangelho na hora actual; por isso não se deve desprezá-la. É uma ajuda, que é oferecida, mas da qual não é obrigatório fazer uso. Em todo o caso, deve tratar-se de um alimento para a fé, a esperança e a caridade, que são o caminho permanente da salvação para todos. [16]

A Palavra de Deus e o Espírito Santo

15. Depois de nos termos detido sobre a Palavra última e definitiva de Deus ao mundo, é necessário recordar agora a missão do Espírito Santo relativamente à Palavra divina. De facto, não é possível uma compreensão autêntica da revelação cristã fora da acção do Paráclito. Isto deve-se ao facto de a comunicação que Deus faz de Si mesmo implicar sempre a relação entre o Filho e o Espírito Santo, a Quem Ireneu de Lião realmente chama «as duas mãos do Pai». [17] Aliás, é a Sagrada Escritura que nos indica a presença do Espírito Santo na história da salvação e, particularmente, na vida de Jesus, o Qual é concebido no seio da Virgem Maria por obra do Espírito Santo (cf. Mt 1, 18; L1, 35); ao iniciar a sua missão pública nas margens do Jordão, vê-O descer sobre Si em forma de pomba (cf. Mt 3, 16); neste mesmo Espírito, Jesus age, fala e exulta (cf. L10, 21); é no Espírito que Se oferece a Si mesmo (cf. Hb 9, 14). Quando está para terminar a sua missão – segundo narra o evangelista São João –, o próprio Jesus relaciona claramente o dom da sua vida com o envio do Espírito aos Seus (cf. Jo 16, 7). Depois Jesus ressuscitado, trazendo na sua carne os sinais da paixão, derrama o Espírito (cf. Jo 20, 22), tornando os discípulos participantes da sua própria missão (cf. Jo 20, 21). O Espírito Santo ensinará aos discípulos todas as coisas, recordando-lhes tudo o que Cristo disse (cf. Jo 14, 26), porque será Ele, o Espírito de Verdade (cf. Jo 15, 26), a guiar os discípulos para a Verdade inteira (cf. Jo 16, 13). Por fim, como se lê nos Actos dos Apóstolos, o Espírito desce sobre os Doze reunidos em oração com Maria no dia de Pentecostes (cf. 2, 1-4) e anima-os na missão de anunciar a Boa Nova a todos os povos. [18]
Por conseguinte, a Palavra de Deus exprime-se em palavras humanas graças à obra do Espírito Santo. A missão do Filho e a do Espírito Santo são inseparáveis e constituem uma única economia da salvação. O mesmo Espírito, que actua na encarnação do Verbo no seio da Virgem Maria, guia Jesus ao longo de toda a sua missão e é prometido aos discípulos. O mesmo Espírito que falou por meio dos profetas, sustenta e inspira a Igreja no dever de anunciar a Palavra de Deus e na pregação dos Apóstolos; e, enfim, é este Espírito que inspira os autores das Sagradas Escrituras.

16. Conscientes deste horizonte pneumatológico, os Padres sinodais quiseram lembrar a importância da acção do Espírito Santo na vida da Igreja e no coração dos fiéis relativamente à Sagrada Escritura: [19] sem a acção eficaz do «Espírito da Verdade» (Jo 14, 16), não se podem compreender as palavras do Senhor. Como recorda ainda Santo Ireneu: «Aqueles que não participam do Espírito não recebem do peito da sua mãe [a Igreja] o alimento da vida; nada recebem da fonte mais pura que brota do corpo de Cristo». [20] Tal como a Palavra de Deus vem até nós no corpo de Cristo, no corpo eucarístico e no corpo das Escrituras por meio do Espírito Santo, assim também só pode ser acolhida e compreendida verdadeiramente graças ao mesmo Espírito.
Os grandes escritores da tradição cristã são unânimes ao considerar o papel do Espírito Santo na relação que os fiéis devem ter com as Escrituras. São João Crisóstomo afirma que a Escritura «tem necessidade da revelação do Espírito, a fim de que, descobrindo o verdadeiro sentido das coisas que nela se encerram, disso mesmo tiremos abundante proveito». [21] Também São Jerónimo está firmemente convencido de que «não podemos chegar a compreender a Escritura sem a ajuda do Espírito Santo que a inspirou». [22] Depois, São Gregório Magno sublinha, de modo sugestivo, a obra do mesmo Espírito na formação e na interpretação da Bíblia: «Ele mesmo criou as palavras dos Testamentos Sagrados, Ele mesmo as desvendou». [23] Ricardo de São Victor recorda que são necessários «olhos de pomba», iluminados e instruídos pelo Espírito, para compreender o texto sagrado. [24]
Desejaria ainda sublinhar como é significativo o testemunho a respeito da relação entre o Espírito Santo e a Escritura que encontramos nos textos litúrgicos, onde a Palavra de Deus é proclamada, escutada e explicada aos fiéis. É o caso de antigas orações que, em forma de epiclese, invocam o Espírito antes da proclamação das leituras: «Mandai o vosso Espírito Santo Paráclito às nossas almas e fazei-nos compreender as Escrituras por Ele inspiradas; e concedei-me interpretá-las de maneira digna, para que os fiéis aqui reunidos delas tirem proveito». De igual modo, encontramos orações que, no fim da homilia, novamente invocam de Deus o dom do Espírito sobre os fiéis: «Deus salvador (…), nós Vos pedimos por este povo: Mandai sobre ele o Espírito Santo; o Senhor Jesus venha visitá-lo, fale à mente de todos e abra os corações à fé e conduza para Vós as nossas almas, Deus das Misericórdias». [25] Por tudo isto bem podemos compreender que não é possível alcançar o sentido da Palavra, se não se acolhe a acção do Paráclito na Igreja e nos corações dos fiéis.

Tradição e Escritura

17. Reafirmando o vínculo profundo entre o Espírito Santo e a Palavra de Deus, lançamos também as bases para compreender o sentido e o valor decisivo da Tradição viva e das Sagradas Escrituras na Igreja. De facto, uma vez que Deus «amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único» (Jo 3, 16), a Palavra divina, pronunciada no tempo, deu-Se e «entregou-Se» à Igreja definitivamente para que o anúncio da salvação possa ser eficazmente comunicado em todos os tempos e lugares. Como nos recorda a Constituição dogmática Dei Verbum, o próprio Jesus Cristo «mandou aos Apóstolos que pregassem a todos, como fonte de toda a verdade salutar e de toda a disciplina de costumes, o Evangelho prometido antes pelos profetas e por Ele cumprido e promulgado pessoalmente, comunicando-lhes assim os dons divinos. Isto foi realizado com fidelidade tanto pelos Apóstolos que, na sua pregação oral, exemplos e instituições, transmitiram aquilo que tinham recebido dos lábios, trato e obras de Cristo, e o que tinham aprendido por inspiração do Espírito Santo, como por aqueles Apóstolos e varões apostólicos que, sob a inspiração do Espírito Santo, escreveram a mensagem da salvação». [26] Além disso o Concílio Vaticano II recorda que esta Tradição de origem apostólica é realidade viva e dinâmica: ela «progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo»; não no sentido de mudar na sua verdade, que é perene, mas «progride a percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas», com a contemplação e o estudo, com a inteligência dada por uma experiência espiritual mais profunda, e por meio da «pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma da verdade». [27]
A Tradição viva é essencial para que a Igreja, no tempo, possa crescer na compreensão da verdade revelada nas Escrituras; de facto, «mediante a mesma Tradição, conhece a Igreja o cânon inteiro dos livros sagrados, e a própria Sagrada Escritura entende-se nela mais profundamente e torna-se incessantemente operante». [28] Em última análise, é a Tradição viva da Igreja que nos faz compreender adequadamente a Sagrada Escritura como Palavra de Deus. Embora o Verbo de Deus preceda e exceda a Sagrada Escritura, todavia, enquanto inspirada por Deus, esta contém a Palavra divina (cf. 2 Tm 3, 16) «de modo totalmente singular». [29]
18. Disto conclui-se como é importante que o Povo de Deus seja educado e formado claramente para se abeirar das Sagradas Escrituras na sua relação com a Tradição viva da Igreja, reconhecendo nelas a própria Palavra de Deus. É muito importante, do ponto de vista da vida espiritual, fazer crescer esta atitude nos fiéis. A este respeito pode ajudar a recordação de uma analogia desenvolvida pelos Padres da Igreja entre o Verbo de Deus que Se faz «carne» e a Palavra que se faz «livro». [30] A Constituição dogmática Dei Verbum, ao recolher esta tradição antiga segundo a qual «o corpo do Filho é a Escritura que nos foi transmitida» – como afirma Santo Ambrósio [31] –,  declara: «As palavras de Deus, com efeito, expressas por línguas humanas, tornaram-se intimamente semelhantes à linguagem humana, como outrora o Verbo do eterno Pai Se assemelhou aos homens tomando a carne da fraqueza humana». [32] Vista assim, a Sagrada Escritura, apesar da multiplicidade das suas formas e conteúdos, aparece-nos como uma realidade unitária. De facto, «através de todas as palavras da Sagrada Escritura, Deus não diz mais que uma só palavra, o seu Verbo único, em quem totalmente Se diz (cf. Hb 1, 1-3)», [33] como claramente afirmava já Santo Agostinho: «Lembrai-vos de que o discurso de Deus que se desenvolve em todas as Escrituras é um só, e um só é o Verbo que Se faz ouvir na boca de todos os escritores sagrados». [34]
Em última análise, através da obra do Espírito Santo e sob a guia do Magistério, a Igreja transmite a todas as gerações aquilo que foi revelado em Cristo. A Igreja vive na certeza de que o seu Senhor, tendo falado outrora, não cessa de comunicar hoje a sua Palavra na Tradição viva da Igreja e na Sagrada Escritura. De facto, a Palavra de Deus dá-se a nós na Sagrada Escritura, enquanto testemunho inspirado da revelação, que, juntamente com a Tradição viva da Igreja, constitui a regra suprema da fé. [35]

Nota: Revisão da tradução portuguesa por AMA. 


[1] Cf. Bento XVI, Homilia durante Hora Tércia no início da I Congregação Geral do Sínodo dos Bispos (6 de Outubro de 2008): AAS 100 (2008), 758-761. 
[2] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 14
[3] Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 Dezembro de 2005), 1: AAS 98 (2006), 217-218. 
[4] «Ho Logos pachynetai (ou brachynetai)». Cf. Orígenes, Peri Archon, I, 2, 8: SC 252, 127-129. 
[5] Bento XVI, Homilia na solenidade do Natal do Senhor (24 de Dezembro de 2006): AAS 99 (2007), 12. 
[6] Cf. Mensagem final, II, 4-6. 
[7] Máximo o Confessor, A vida de Maria, n. 89: Textos marianos do primeiro milénio, 2, Roma 1989, p. 253. 
[8] Cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de 2007), 9-10: AAS 99 (2007), 111-112. 
[9] Bento XVI, Audiência Geral (15 de Abril de 2009): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 18/IV/2009), p. 12. 
[10] Bento XVI, Homilia na solenidade da Epifania (6 de Janeiro de 2009): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 10/I/2009), p. 3. 
[11] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 4. 
[12] Propositio 4. 
[13] São João da Cruz, Subida do Monte Carmelo, II, 22. 
[14] Propositio 47. 
[15] Catecismo da Igreja Católica, 67. 
[16] Cf. Congr. para a Doutrina da Fé, A mensagem de Fátima (26 de Junho de 2000): Ench. Vat., 19, n. 974-1021. 
[17] Adversus haereses, IV, 7, 4: PG 7, 992-993; V, 1, 3: PG 7, 1123; V, 6, 1: PG 7, 1137; V, 28, 4:PG 7, 1200. 
[18] Cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de 2007), 12:AAS 99 (2007), 113-114. 
[19] Cf. Propositio 5
[20] Adversus haereses III, 24, 1: PG 7, 966
[21] Homiliae in Genesim, XXII, 1: PG 53, 175. 
[22] Epistula 120, 10: CSEL 55, 500-506
[23] Homiliae in Ezechielem, I, VII, 17: CC 142, 94. 
[24] «Oculi ergo devotae animae sunt columbarum quia sensus eius per Spiritum sanctum sunt illuminati et edocti, spiritualia sapientes. (…) Nunc quidem aperitur animae talis sensus, ut intellegat Scripturas»: Ricardo de São Víctor, Explicatio in Cantica canticorum, 15: PL 196, 450 B.D. 
[25] Sacramentarium Serapionis II (XX): Didascalia et Constitutiones apostolorum, ed. F. X. Funk, II (Paderborn 1906), 161. 
[26] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 7. 
[27] Ibid., 8. 
[28] Ibid., 8. 
[29] Cf. Propositio 3
[30] Cf. Mensagem final, II, 5. 
[31] Expositio Evangelii secundum Lucam 6, 33: PL 15, 1677. 
[32] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 13. 
[33] Catecismo da Igreja Católica, 102. Cf. também Ruperto de Deutz, De operibus Spiritus Sancti, I, 6: SC 131, 72-74. 
[34] Enarrationes in Psalmos, 103, IV, 1: PL 37, 1378. Análogas afirmações em Orígenes, In Iohannem V, 5-6: SC 120, pp. 380-384. 
[35] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 21

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