Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Jo 11, 21-37
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Jo 11, 21-37
21
Marta disse então a Jesus: «Senhor, se estivesses cá, meu irmão não teria
morrido. 22 Mas também sei agora que tudo o que pedires a Deus, Deus To
concederá». 23 Jesus disse-lhe: «Teu irmão há de ressuscitar». 24 Marta
disse-Lhe: «Eu sei que há-de ressuscitar na ressurreição do último dia». 25
Jesus disse-lhe: «Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que crê em Mim, ainda
que esteja morto, viverá; 26 e todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá
eternamente. Crês isto?». 27 Ela respondeu: «Sim, Senhor, eu creio que Tu és o
Cristo, o Filho de Deus, que vieste a este mundo». 28 Dito isto, retirou-se, e
foi chamar em segredo sua irmã Maria, dizendo: «O Mestre está cá e chama-te». 29
Ela, logo que ouviu isto, levantou-se rapidamente, e foi ter com Ele.30 Jesus
ainda não tinha entrado na aldeia, mas estava ainda naquele lugar onde Marta
saíra ao Seu encontro. 31 Então os judeus, que estavam com ela em casa e a
consolavam, vendo que Maria se tinha levantado tão depressa e tinha saído,
seguiram-na, julgando que ia chorar ao sepulcro. 32 Maria, porém, tendo chegado
onde Jesus estava, logo que O viu, lançou-se aos Seus pés e disse-Lhe: «Senhor,
se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido». 33 Jesus, vendo-a
chorar, a ela e aos judeus que tinham ido com ela, comoveu-Se profundamente e
emocionou-Se; 34 depois perguntou: «Onde o pusestes?». Eles responderam:
«Senhor, vem ver». 35 Jesus chorou. 36 Os judeus, por isso, disseram: «Vede
como Ele o amava». 37 Porém, alguns deles disseram: «Este, que abriu os olhos
ao que era cego de nascença, não podia fazer que este não morresse?».
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
VERBUM DOMINI
DO SANTO PADRE
BENTO XVI
AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
A PALAVRA DE DEUS
NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA
VERBUM DOMINI
DO SANTO PADRE
BENTO XVI
AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
A PALAVRA DE DEUS
NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA
I PARTE
VERBUM DEI
…/2
O realismo da
Palavra
10. Quem conhece a Palavra divina conhece plenamente também o significado de cada criatura. De facto, se todas as coisas «têm a sua subsistência» n’Aquele que existe «antes de todas as coisas» (Cl 1, 17), então quem constrói a própria vida sobre a sua Palavra edifica de modo verdadeiramente sólido e duradouro. A Palavra de Deus impele-nos a mudar o nosso conceito de realismo: realista é quem reconhece o fundamento de tudo no Verbo de Deus.
[1] Isto revela-se particularmente
necessário no nosso tempo, em que manifestam o seu carácter efémero muitas
coisas com as quais se contava para construir a vida e sobre as quais se era
tentado a colocar a própria esperança. Mais cedo ou mais tarde, o ter, o prazer
e o poder manifestam-se incapazes de realizar as aspirações mais profundas do
coração do homem. De facto, para edificar a própria vida, ele tem necessidade
de alicerces sólidos, que permaneçam mesmo quando falham as certezas humanas.
Na realidade, já que «para sempre, Senhor, como os céus, subsiste a vossa
palavra» e a fidelidade do Senhor «atravessa as gerações» (Sl 119,
89-90), quem constrói sobre esta palavra, edifica a casa da própria vida
sobre a rocha (cf. Mt 7, 24). Que o nosso coração
possa dizer a Deus cada dia: «Sois o meu abrigo, o meu escudo, na vossa palavra
pus a minha esperança» (Sl 119, 114), e possamos agir
cada dia confiando no Senhor Jesus como São Pedro: «Porque Tu o dizes, lançarei
as redes» (L c 5, 5).
Cristologia da
Palavra
11. A partir deste olhar sobre a realidade como obra da Santíssima Trindade, através do Verbo divino, podemos compreender as palavras do autor da Carta aos Hebreus: «Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitas vezes e de muitas maneiras, pelos Profetas, agora falou-nos nestes últimos tempos pelo Filho, a Quem constituiu herdeiro de tudo e por Quem igualmente criou o mundo» (Hb 1, 1-2). É estupendo observar como todo o Antigo Testamento se nos apresenta já como história na qual Deus comunica a sua Palavra: de facto, «tendo estabelecido aliança com Abraão (cf. Gn 15, 18), e com o povo de Israel por meio de Moisés (cf.Ex 24, 8), revelou-Se ao Povo escolhido como único Deus verdadeiro e vivo, em palavras e obras, de tal modo que Israel pudesse conhecer por experiência os planos de Deus sobre os homens, os compreendesse cada vez mais profunda e claramente, ouvindo o mesmo Deus falar por boca dos profetas, e os difundisse mais amplamente entre os homens (cf. Sl 21, 28-29; 95, 1-3; Is 2, 1-4; Jr 3, 17)». [2]
Esta condescendência
de Deus realiza-se, de modo insuperável, na encarnação do Verbo. A Palavra
eterna que se exprime na criação e comunica na história da salvação, tornou-se
em Cristo um homem, «nascido de mulher» (Gl 4, 4). Aqui
a Palavra não se exprime primariamente num discurso, em conceitos ou regras;
mas vemo-nos colocados diante da própria pessoa de Jesus. A sua história, única
e singular, é a palavra definitiva que Deus diz à humanidade. Daqui se
compreende por que motivo, «no início do ser cristão, não há uma decisão ética
ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá
à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo». [3] A renovação deste encontro e
desta consciência gera no coração dos fiéis a maravilha pela iniciativa divina,
que o homem, com as suas próprias capacidades racionais e imaginação, jamais
teria podido conceber. Trata-se de uma novidade inaudita e humanamente
inconcebível: «O Verbo fez-Se carne e habitou entre nós» (Jo 1,
14a). Estas expressões não indicam uma figura retórica mas uma
experiência vivida. Quem a refere é São João, testemunha ocular: «Nós vimos a
sua glória, glória que Lhe vem do Pai, como Filho único cheio de graça e de
verdade» (Jo 1, 14b). A fé apostólica testemunha que a
Palavra eterna Se fez Um de nós. A Palavra divina exprime-se
verdadeiramente em palavras humanas.
12. A tradição patrística e medieval, contemplando esta «Cristologia da Palavra», utilizou uma sugestiva expressão: O Verbo abreviou-Se. [4] «Na sua tradução grega do Antigo Testamento, os Padres da Igreja encontravam uma frase do profeta Isaías – que o próprio São Paulo cita – para mostrar como os caminhos novos de Deus estivessem já pre-anunciados no Antigo Testamento. Eis a frase: “O Senhor compendiou a sua Palavra, abreviou--a” (Is 10, 23;Rm 9, 28). (…) O próprio Filho é a Palavra, é o Logos: a Palavra eterna fez-Se pequena; tão pequena que cabe numa manjedoura. Fez-Se criança, para que a Palavra possa ser compreendida por nós». [5] Desde então a Palavra já não é apenas audível, não possui somente uma voz; agora a Palavra tem um rosto, que por isso mesmo podemos ver: Jesus de Nazaré. [6]
Repassando a
narração dos Evangelhos, notamos como a própria humanidade de Jesus se
manifesta em toda a sua singularidade precisamente quando referida à Palavra de
Deus. De facto, na sua humanidade perfeita, Ele realiza a vontade do Pai a todo
o momento; Jesus ouve a sua voz e obedece-Lhe com todo o seu ser; conhece o Pai
e observa a sua palavra (cf. Jo 8, 55);
comunica-nos as coisas do Pai (cf. Jo 12, 50);
«dei-lhes as palavras que Tu Me deste» (Jo 17, 8). Assim
Jesus mostra que é o Logos divino que Se dá a nós, mas é
também o novo Adão, o homem verdadeiro, aquele que cumpre em cada momento não a
própria vontade mas a do Pai. Ele «crescia em sabedoria, em estatura e em
graça, diante de Deus e dos homens» (L c 2, 52). De maneira
perfeita, escuta, realiza em Si mesmo e comunica-nos a Palavra divina (cf. L c 5, 1).
Por fim, a
missão de Jesus cumpre-se no Mistério Pascal: aqui vemo-nos colocados diante da
«Palavra da cruz» (cf. 1 Cor 1, 18). O Verbo
emudece, torna-se silêncio de morte, porque Se «disse» até calar, nada retendo
do que nos devia comunicar. Sugestivamente os Padres da Igreja, ao contemplarem
este mistério, colocam nos lábios da Mãe de Deus esta expressão: «Está sem
palavra a Palavra do Pai, que fez toda a criatura que fala; sem vida estão os
olhos apagados d’Aquele a cuja palavra e aceno se move tudo o que tem vida». [7] Aqui verdadeiramente
comunica-se-nos o amor «maior», aquele que dá a vida pelos próprios amigos (cf. Jo 15,
13).
Neste grande
mistério, Jesus manifesta-Se como a Palavra da Nova e Eterna Aliança:
a liberdade de Deus e a liberdade do homem encontraram--se definitivamente na
sua carne crucificada, num pacto indissolúvel, válido para sempre. O próprio
Jesus, na Última Ceia, ao instituir a Eucaristia falara de «Nova e Eterna
Aliança», estabelecida no seu sangue derramado (cf. Mt 26,
28; Mc 14, 24; L c 22, 20), mostrando-Se como o verdadeiro Cordeiro imolado, no qual se realiza a
definitiva libertação da escravidão. [8]
No mistério
refulgente da ressurreição, este silêncio da Palavra manifesta-se com o seu
significado autêntico e definitivo. Cristo, Palavra de Deus encarnada,
crucificada e ressuscitada, é Senhor de todas as coisas; é o Vencedor, o Pantocrator,
e assim todas as coisas ficam recapituladas n’Ele para sempre (cf. Ef 1,
10). Por isso, Cristo é «a luz do mundo» (Jo 8, 12),
aquela luz que «resplandece nas trevas» (Jo 1, 5) mas as
trevas não a acolheram (cf. Jo 1, 5). Aqui se compreende
plenamente o significado do Salmo 119 quando a designa «farol
para os meus passos, e luz para os meus caminhos» (v. 105); esta luz
decisiva na nossa estrada é precisamente a Palavra que ressuscita. Desde o
início, os cristãos tiveram consciência de que, em Cristo, a Palavra de Deus
está presente como Pessoa. A Palavra de Deus é a luz verdadeira, de que o homem
tem necessidade. Sim, na ressurreição, o Filho de Deus surgiu como Luz do
mundo. Agora, vivendo com Ele e para Ele, podemos viver na luz.
13. Chegados por assim dizer ao coração da «Cristologia da Palavra», é importante sublinhar a unidade do desígnio divino no Verbo encarnado: é por isso que o Novo Testamento nos apresenta o Mistério Pascal de acordo com as Sagradas Escrituras, como a sua íntima realização. São Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, afirma que Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados, «segundo as Escrituras» (15, 3) e que ressuscitou no terceiro dia «segundo as Escrituras» (15, 4). Deste modo o Apóstolo põe o acontecimento da morte e ressurreição do Senhor em relação com a história da Antiga Aliança de Deus com o seu povo. Mais ainda, faz-nos compreender que esta história recebe de tal acontecimento a sua lógica e o seu verdadeiro significado. No Mistério Pascal, realizam-se «as palavras da Escritura, isto é, esta morte realizada “segundo as Escrituras” é um acontecimento que contém em si mesmo um logos, uma lógica: a morte de Cristo testemunha que a Palavra de Deus Se fez totalmente “carne”, “história” humana». [9] Também a ressurreição de Jesus acontece «ao terceiro dia, segundo as Escrituras»: dado que a corrupção, segundo a interpretação judaica, começava depois do terceiro dia, a palavra da Escritura cumpre-se em Jesus, que ressuscita antes de começar a corrupção. Deste modo São Paulo, transmitindo fielmente o ensinamento dos Apóstolos (cf. 1 Cor 15, 3), sublinha que a vitória de Cristo sobre a morte se verifica através da força criadora da Palavra de Deus. Esta força divina proporciona esperança e alegria: tal é, em definitivo, o conteúdo libertador da revelação pascal. Na Páscoa, Deus revela-Se a Si mesmo juntamente com a força do Amor trinitário que aniquila as forças destruidoras do mal e da morte.
Assim,
recordando estes elementos essenciais da nossa fé, podemos contemplar a unidade
profunda entre criação e nova criação e de toda a história da salvação em
Cristo. Recorrendo a uma imagem, podemos comparar o universo com uma partitura,
um «livro» – diria Galileu Galilei – considerando-o como «a obra de um Autor
que Se exprime através da “sinfonia” da criação. Dentro desta sinfonia, a
determinado ponto aparece aquilo que, em linguagem musical, se chama um “solo”,
um tema confiado a um só instrumento ou a uma só voz; e é tão importante que
dele depende o significado da obra inteira. Este “solo” é Jesus (…). O Filho do
Homem compendia em Si mesmo a terra e o céu, a criação e o Criador, a carne e o
Espírito. É o centro do universo e da história, porque n’Ele se unem sem se
confundir o Autor e a sua obra». [10]
Dimensão escatológica da Palavra de Deus
14. Por meio de tudo isto, a Igreja exprime a consciência de se encontrar, em Jesus Cristo, com a Palavra definitiva de Deus; Ele é «o Primeiro e o Último» (Ap 1, 17). Deu à criação e à história o seu sentido definitivo; por isso somos chamados a viver o tempo, a habitar na criação de Deus dentro deste ritmo escatológico da Palavra. «Portanto, a economia cristã, como nova e definitiva aliança, jamais passará, e não se há-de esperar nenhuma outra revelação pública antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. 1 Tm 6, 14; Tt 2, 13)». [11] De facto, como recordaram os Padres durante o Sínodo, a «especificidade do cristianismo manifesta-se no acontecimento que é Jesus Cristo, ápice da Revelação, cumprimento das promessas de Deus e mediador do encontro entre o homem e Deus. Ele, “que nos deu a conhecer Deus” (Jo 1, 18), é a Palavra única e definitiva confiada à humanidade». [12] São João da Cruz exprimiu esta verdade de modo admirável: «Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra – e não tem outra – Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única e já nada mais tem para dizer (…). Porque o que antes disse parcialmente pelos profetas, revelou-o totalmente, dando-nos o Todo que é o seu Filho. E por isso, quem agora quisesse consultar a Deus ou pedir-Lhe alguma visão ou revelação, não só cometeria um disparate, mas faria agravo a Deus, por não pôr os olhos totalmente em Cristo e buscar fora d’Ele outra realidade ou novidade». [13]
Consequentemente,
o Sínodo recomendou que «se ajudassem os fiéis a bem distinguir a Palavra de
Deus das revelações privadas», [14] cujo «papel não é (…)
“completar” a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais
plenamente, numa determinada época histórica». [15] O valor das revelações
privadas é essencialmente diverso do da única revelação pública: esta exige a
nossa fé; de facto nela, por meio de palavras humanas e da mediação da
comunidade viva da Igreja, fala-nos o próprio Deus. O critério da verdade de
uma revelação privada é a sua orientação para o próprio Cristo. Quando aquela
nos afasta d’Ele, certamente não vem do Espírito Santo, que nos guia no âmbito
do Evangelho e não fora dele. A revelação privada é uma ajuda para a fé, e
manifesta-se como credível precisamente porque orienta para a única revelação
pública. Por isso, a aprovação eclesiástica de uma revelação privada indica
essencialmente que a respectiva mensagem não contém nada que contradiga a fé e
os bons costumes; é lícito torná-la pública, e os fiéis são autorizados a
prestar-lhe de forma prudente a sua adesão. Uma revelação privada pode
introduzir novas acentuações, fazer surgir novas formas de piedade ou
aprofundar antigas. Pode revestir-se de um certo carácter profético (cf. 1
Ts 5, 19-21) e ser uma válida ajuda para compreender e viver
melhor o Evangelho na hora actual; por isso não se deve desprezá-la. É uma
ajuda, que é oferecida, mas da qual não é obrigatório fazer uso. Em todo o
caso, deve tratar-se de um alimento para a fé, a esperança e a caridade, que
são o caminho permanente da salvação para todos. [16]
A Palavra de Deus e o Espírito Santo
15. Depois de nos termos detido sobre a Palavra última e definitiva de Deus ao mundo, é necessário recordar agora a missão do Espírito Santo relativamente à Palavra divina. De facto, não é possível uma compreensão autêntica da revelação cristã fora da acção do Paráclito. Isto deve-se ao facto de a comunicação que Deus faz de Si mesmo implicar sempre a relação entre o Filho e o Espírito Santo, a Quem Ireneu de Lião realmente chama «as duas mãos do Pai». [17] Aliás, é a Sagrada Escritura que nos indica a presença do Espírito Santo na história da salvação e, particularmente, na vida de Jesus, o Qual é concebido no seio da Virgem Maria por obra do Espírito Santo (cf. Mt 1, 18; L c 1, 35); ao iniciar a sua missão pública nas margens do Jordão, vê-O descer sobre Si em forma de pomba (cf. Mt 3, 16); neste mesmo Espírito, Jesus age, fala e exulta (cf. L c 10, 21); é no Espírito que Se oferece a Si mesmo (cf. Hb 9, 14). Quando está para terminar a sua missão – segundo narra o evangelista São João –, o próprio Jesus relaciona claramente o dom da sua vida com o envio do Espírito aos Seus (cf. Jo 16, 7). Depois Jesus ressuscitado, trazendo na sua carne os sinais da paixão, derrama o Espírito (cf. Jo 20, 22), tornando os discípulos participantes da sua própria missão (cf. Jo 20, 21). O Espírito Santo ensinará aos discípulos todas as coisas, recordando-lhes tudo o que Cristo disse (cf. Jo 14, 26), porque será Ele, o Espírito de Verdade (cf. Jo 15, 26), a guiar os discípulos para a Verdade inteira (cf. Jo 16, 13). Por fim, como se lê nos Actos dos Apóstolos, o Espírito desce sobre os Doze reunidos em oração com Maria no dia de Pentecostes (cf. 2, 1-4) e anima-os na missão de anunciar a Boa Nova a todos os povos. [18]
Por
conseguinte, a Palavra de Deus exprime-se em palavras humanas graças à obra do
Espírito Santo. A missão do Filho e a do Espírito Santo são inseparáveis e
constituem uma única economia da salvação. O mesmo Espírito, que actua na
encarnação do Verbo no seio da Virgem Maria, guia Jesus ao longo de toda a sua
missão e é prometido aos discípulos. O mesmo Espírito que falou por meio dos
profetas, sustenta e inspira a Igreja no dever de anunciar a Palavra de Deus e
na pregação dos Apóstolos; e, enfim, é este Espírito que inspira os autores das
Sagradas Escrituras.
16. Conscientes deste horizonte pneumatológico, os Padres sinodais quiseram lembrar a importância da acção do Espírito Santo na vida da Igreja e no coração dos fiéis relativamente à Sagrada Escritura: [19] sem a acção eficaz do «Espírito da Verdade» (Jo 14, 16), não se podem compreender as palavras do Senhor. Como recorda ainda Santo Ireneu: «Aqueles que não participam do Espírito não recebem do peito da sua mãe [a Igreja] o alimento da vida; nada recebem da fonte mais pura que brota do corpo de Cristo». [20] Tal como a Palavra de Deus vem até nós no corpo de Cristo, no corpo eucarístico e no corpo das Escrituras por meio do Espírito Santo, assim também só pode ser acolhida e compreendida verdadeiramente graças ao mesmo Espírito.
Os grandes
escritores da tradição cristã são unânimes ao considerar o papel do Espírito
Santo na relação que os fiéis devem ter com as Escrituras. São João Crisóstomo
afirma que a Escritura «tem necessidade da revelação do Espírito, a fim de que,
descobrindo o verdadeiro sentido das coisas que nela se encerram, disso mesmo
tiremos abundante proveito». [21] Também São Jerónimo está
firmemente convencido de que «não podemos chegar a compreender a Escritura sem
a ajuda do Espírito Santo que a inspirou». [22] Depois, São Gregório Magno
sublinha, de modo sugestivo, a obra do mesmo Espírito na formação e na
interpretação da Bíblia: «Ele mesmo criou as palavras dos Testamentos Sagrados,
Ele mesmo as desvendou». [23] Ricardo de São Victor recorda
que são necessários «olhos de pomba», iluminados e instruídos pelo Espírito,
para compreender o texto sagrado. [24]
Desejaria ainda
sublinhar como é significativo o testemunho a respeito da relação entre o
Espírito Santo e a Escritura que encontramos nos textos litúrgicos, onde a
Palavra de Deus é proclamada, escutada e explicada aos fiéis. É o caso de
antigas orações que, em forma de epiclese, invocam o Espírito antes da
proclamação das leituras: «Mandai o vosso Espírito Santo Paráclito às nossas almas
e fazei-nos compreender as Escrituras por Ele inspiradas; e concedei-me
interpretá-las de maneira digna, para que os fiéis aqui reunidos delas tirem
proveito». De igual modo, encontramos orações que, no fim da homilia, novamente
invocam de Deus o dom do Espírito sobre os fiéis: «Deus salvador (…), nós Vos
pedimos por este povo: Mandai sobre ele o Espírito Santo; o Senhor Jesus venha
visitá-lo, fale à mente de todos e abra os corações à fé e conduza para Vós as
nossas almas, Deus das Misericórdias». [25] Por tudo isto bem podemos
compreender que não é possível alcançar o sentido da Palavra, se não se acolhe
a acção do Paráclito na Igreja e nos corações dos fiéis.
Tradição e Escritura
17. Reafirmando o vínculo profundo entre o Espírito Santo e a Palavra de Deus, lançamos também as bases para compreender o sentido e o valor decisivo da Tradição viva e das Sagradas Escrituras na Igreja. De facto, uma vez que Deus «amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único» (Jo 3, 16), a Palavra divina, pronunciada no tempo, deu-Se e «entregou-Se» à Igreja definitivamente para que o anúncio da salvação possa ser eficazmente comunicado em todos os tempos e lugares. Como nos recorda a Constituição dogmática Dei Verbum, o próprio Jesus Cristo «mandou aos Apóstolos que pregassem a todos, como fonte de toda a verdade salutar e de toda a disciplina de costumes, o Evangelho prometido antes pelos profetas e por Ele cumprido e promulgado pessoalmente, comunicando-lhes assim os dons divinos. Isto foi realizado com fidelidade tanto pelos Apóstolos que, na sua pregação oral, exemplos e instituições, transmitiram aquilo que tinham recebido dos lábios, trato e obras de Cristo, e o que tinham aprendido por inspiração do Espírito Santo, como por aqueles Apóstolos e varões apostólicos que, sob a inspiração do Espírito Santo, escreveram a mensagem da salvação». [26] Além disso o Concílio Vaticano II recorda que esta Tradição de origem apostólica é realidade viva e dinâmica: ela «progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo»; não no sentido de mudar na sua verdade, que é perene, mas «progride a percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas», com a contemplação e o estudo, com a inteligência dada por uma experiência espiritual mais profunda, e por meio da «pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma da verdade». [27]
A Tradição viva
é essencial para que a Igreja, no tempo, possa crescer na compreensão da
verdade revelada nas Escrituras; de facto, «mediante a mesma Tradição, conhece
a Igreja o cânon inteiro dos livros sagrados, e a própria Sagrada Escritura
entende-se nela mais profundamente e torna-se incessantemente operante». [28] Em última análise, é a
Tradição viva da Igreja que nos faz compreender adequadamente a Sagrada
Escritura como Palavra de Deus. Embora o Verbo de Deus preceda e exceda a
Sagrada Escritura, todavia, enquanto inspirada por Deus, esta contém a Palavra
divina (cf. 2 Tm 3, 16) «de modo totalmente
singular». [29]
18. Disto
conclui-se como é importante que o Povo de Deus seja educado e formado
claramente para se abeirar das Sagradas Escrituras na sua relação com a
Tradição viva da Igreja, reconhecendo nelas a própria Palavra de Deus. É muito
importante, do ponto de vista da vida espiritual, fazer crescer esta atitude
nos fiéis. A este respeito pode ajudar a recordação de uma analogia
desenvolvida pelos Padres da Igreja entre o Verbo de Deus que Se faz «carne» e
a Palavra que se faz «livro». [30] A Constituição dogmática Dei
Verbum, ao recolher esta tradição antiga segundo a qual «o corpo do Filho é
a Escritura que nos foi transmitida» – como afirma Santo Ambrósio [31] –, declara: «As palavras
de Deus, com efeito, expressas por línguas humanas, tornaram-se intimamente
semelhantes à linguagem humana, como outrora o Verbo do eterno Pai Se
assemelhou aos homens tomando a carne da fraqueza humana». [32] Vista assim, a Sagrada
Escritura, apesar da multiplicidade das suas formas e conteúdos, aparece-nos
como uma realidade unitária. De facto, «através de todas as palavras da Sagrada
Escritura, Deus não diz mais que uma só palavra, o seu Verbo único, em quem
totalmente Se diz (cf. Hb 1, 1-3)», [33] como claramente
afirmava já Santo Agostinho: «Lembrai-vos de que o discurso de Deus que se
desenvolve em todas as Escrituras é um só, e um só é o Verbo que Se faz ouvir
na boca de todos os escritores sagrados». [34]
Em última
análise, através da obra do Espírito Santo e sob a guia do Magistério, a Igreja
transmite a todas as gerações aquilo que foi revelado em Cristo. A Igreja vive
na certeza de que o seu Senhor, tendo falado outrora, não cessa de comunicar
hoje a sua Palavra na Tradição viva da Igreja e na Sagrada Escritura. De facto,
a Palavra de Deus dá-se a nós na Sagrada Escritura, enquanto testemunho
inspirado da revelação, que, juntamente com a Tradição viva da Igreja,
constitui a regra suprema da fé. [35]
Nota: Revisão da tradução portuguesa por AMA.
[1] Cf. Bento XVI, Homilia durante a Hora
Tércia no início da I Congregação Geral do Sínodo dos Bispos (6 de
Outubro de 2008): AAS 100 (2008), 758-761.
[5] Bento XVI, Homilia na solenidade do Natal do
Senhor (24 de Dezembro de 2006): AAS 99 (2007),
12.
[7] Máximo o Confessor, A vida de Maria, n.
89: Textos marianos do primeiro milénio, 2, Roma 1989, p.
253.
[8] Cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum
caritatis (22 de Fevereiro de 2007), 9-10: AAS 99
(2007), 111-112.
[9] Bento XVI, Audiência Geral (15 de
Abril de 2009): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de
18/IV/2009), p. 12.
[10] Bento XVI, Homilia na solenidade da Epifania (6
de Janeiro de 2009): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de
10/I/2009), p. 3.
[16] Cf. Congr. para a Doutrina da Fé, A mensagem
de Fátima (26 de Junho de 2000): Ench. Vat., 19, n.
974-1021.
[17] Adversus haereses,
IV, 7, 4: PG 7, 992-993; V, 1, 3: PG 7, 1123;
V, 6, 1: PG 7, 1137; V, 28, 4:PG 7, 1200.
[18] Cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum
caritatis (22 de Fevereiro de 2007), 12:AAS 99 (2007),
113-114.
[24] «Oculi ergo devotae animae sunt columbarum quia sensus
eius per Spiritum sanctum sunt illuminati et edocti, spiritualia sapientes. (…)
Nunc quidem aperitur animae talis sensus, ut intellegat Scripturas»: Ricardo de
São Víctor, Explicatio in Cantica canticorum, 15: PL 196,
450 B.D.
[25] Sacramentarium Serapionis II (XX): Didascalia et Constitutiones
apostolorum, ed. F. X. Funk, II (Paderborn 1906), 161.
[33] Catecismo da Igreja Católica, 102. Cf. também Ruperto de Deutz, De
operibus Spiritus Sancti, I, 6: SC 131, 72-74.
[34] Enarrationes in
Psalmos, 103, IV,
1: PL 37, 1378. Análogas
afirmações em Orígenes, In Iohannem V, 5-6: SC 120, pp.
380-384.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.