Posso acreditar num Deus só
por mim, só pela minha razão?
Por exemplo, ao olhar para o
universo, para a terra, para as plantas, os animais, a vida, os homens, posso
com alguma facilidade acreditar que existe um ser superior, a quem posso chamar
deus, que tudo criou do nada, o tudo que depois foi evoluindo.
De alguma forma, a minha razão
de pessoa comum, (mais correcta ou menos correcta), leva-me a acreditar que
esse ser superior, esse deus, tem que existir, para que tudo tenha sido criado
e evoluído.
E isso é ter Fé?
Não, de modo nenhum!
Isso é ter uma crença, porque
é algo que nos é ditado apenas por argumentos mais ou menos racionais que,
fazendo-me acreditar que esse ser superior existe, não implica uma adesão de
vida a esse ser, que neste “acreditar” não tem mais qualquer impacto na minha
vida a não ser esse mesmo: acreditar que existe, ou existiu!
A Fé, ou melhor o Dom da Fé, é
algo que vai muito para além desse “acreditar”, porque não se limita a
acreditar, mas a crer implicando uma adesão de vida que reconhece em Deus o
Criador Supremo, aquele a Quem tudo pertence, aquele a Quem tudo é devido.
É que a Fé vai para além do
racional, (embora a razão não seja incompatível com a Fé, antes pelo
contrário), porque a Fé é crer num Deus que se dá a conhecer aos homens em toda
a Sua Revelação, desde os tempos mais antigos até à Sua revelação final em
Jesus Cristo.
A Fé envolve o mistério e o
mistério não é “resolvido” pela razão, por isso mesmo implica uma adesão que
vai para além da capacidade humana, ou seja, o homem precisa de ser iluminado
pelo próprio Deus para alcançar essa total adesão à Revelação de Deus.
Mas a Fé implica também, para
além da adesão, um viver, que não é “estático” como numa crença, (acredito e
pronto!), mas sim uma resposta, uma relação entre aquele que tem a Fé, e aquele
que é objecto da Fé, Aquele que doa ao homem o Dom da Fé.
É possível explicar pela
ciência a Encarnação do Filho de Deus, Jesus Cristo, no seio de Maria, sem ela
ter “conhecido” homem?
É possível explicar pela
ciência a Ressurreição de Jesus Cristo, morto e sepultado depois de três dias?
É possível explicar pela
ciência a Presença Real de Jesus Cristo na Hóstia consagrada?
Claro que não, que a ciência
não consegue explicar estes e outros mistérios do cristianismo, que apenas
podem ser acreditados e aceites pelo homem a quem o próprio Deus concedeu o Dom
da Fé.
E isso torna a ciência
incompatível com a Fé?
Também não, porque para além
de outros factores, a ciência pode demonstrar, por exemplo, que nos milagres
eucarísticos estudados, a “matéria” guardada em relíquia é carne de coração
humano, ou que no Santo Sudário há coisas inexplicáveis para a própria ciência,
o que ajuda o homem a perceber, (se quiser, iluminado pela Fé), a mão de Deus
nesses acontecimentos, ou seja, a presença de Deus no meio dos homens.
O acreditar do homem em Deus,
como Dom da Fé, é sempre iluminado pelo próprio Deus, mas é sempre também
ajudado pela inteligência do homem e pela sua experiência vivencial desse mesmo
Dom da Fé, nessa relação pessoal e comunitária com o Deus que se faz presente
na vida do homem.
Sabemos bem como as palavras
que o homem usa são finitas, isto é, não conseguem muitas vezes descrever tudo
aquilo que o homem sente e vive.
Quantos autores já tentaram
descrever o amor, em prosa e verso, na pintura e na música, enfim em tudo
aquilo que é possível ao homem.
Algum verdadeiramente já o
conseguiu descrever do modo como cada um o sente, em toda a sua plenitude?
Não, porque há sempre algo que
o homem sente e é impossível de descrever, porque as palavras não chegam,
embora, no entanto, o homem ao viver o amor saiba que o está a viver, e disso
tenha a certeza.
Como podemos nós então
descrever a Fé?
Podemos ir ao Catecismo da
Igreja Católica, ou aos documentos da Igreja, ou aos autores cristãos, e mesmo
assim, aquele que tem o Dom da Fé e a vive verdadeiramente, nunca a consegue
ver inteiramente retratada nas palavras que lê ou ouve.
Porque o Dom da Fé faz parte
integrante da plenitude do homem que quer encontrar Deus e a quem Deus chama ao
Seu encontro.
E leva a uma relação tão
pessoal e íntima com Deus, que se torna impossível de descrever em palavras
humanas, mas que pode e deve ser testemunhada, e por isso mesmo o Dom da Fé se
“completa” na sua dimensão comunitária.
Pode alguém descrever
inteiramente um momento de união mística suscitada, por exemplo, num momento de
oração ou de comunhão, em que a presença de Deus se torna tão real, que o
mundo, (com tudo o que ele representa), desaparece nesse instante?
Vários Santos descreveram
momentos desses, testemunhando-os com uma força tal, que nos apetece por vezes
sentir transportados para viver esses momentos!
Mas se os experimentamos em
nós próprios, não percebemos então que as suas palavras não conseguiram afinal
descrever a plenitude de tais momentos?
Esses testemunhos, bem com
aqueles que vimos e ouvimos no dia-a-dia das nossas vidas, nas comunidades em
que vivemos, devem levar-nos a procurar cada vez mais viver o Dom da Fé com que
fomos agraciados, para encontrarmos a plenitude da vida que nos foi dada, em
Deus e por Deus.
«Felizes os que crêem sem
terem visto» Jo 20,29, disse Jesus a Tomé, perante a sua incredulidade, que
logo foi vencida pela Fé que o levou a exclamar a primeira profissão de fé na
divindade de Cristo: «Meu Senhor e meu Deus» jo 20,28
Ou ainda como nos escreve São
Pedro na sua primeira Carta:
«Sem o terdes visto, vós o
amais; sem o ver ainda, credes nele e vos alegrais com uma alegria
indescritível e irradiante, alcançando assim a meta da vossa fé: a salvação das
almas.» 1 pe 1, 8-9
E não é exactamente isso que
nós experimentamos, quando vivemos o Dom da Fé que Deus nos concede?
Nas alegrias, na saúde, no
bem-estar, mas também, apesar das provações, das dificuldades, das tristezas,
de tudo o que a vida no mundo nos proporciona, a nossa confiança, a nossa
esperança, a nossa certeza, reside em Deus, no Seu amor por nós, que o Dom da
Fé, vivido intimamente e em comunidade, nos confirma nos nossos corações.
Por isso é tão verdadeira e
bela a frase do nosso Bispo D. António Marto, na sua Nota Pastoral deste ano:
«A fé é bela porque torna bela
a vida e é fonte de autêntica alegria» “O
Tesouro da Fé, Dom para Todos”.
Marinha Grande, 15 de Outubro
de 2012
Nota:
Texto meu publicado no Boletim da Paróquia da Marinha Grande, "Grãos de Areia", neste mês de Outubro.
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