29/10/2012

Tratado sobre a conservação e o governo das coisas 38


Questão 112: Da missão dos anjos.


Em seguida deve-se tratar da missão dos anjos.

E sobre esta questão quatro artigos se discutem:
Art. 1 — Se os anjos são enviados para ministério.
Art. 2 — Se todos os anjos são enviados em ministério.
Art. 3 — Se os anjos enviados também assistem.
Art. 4 — Se todos os anjos da segunda hierarquia são enviados.




Art. 1 — Se os anjos são enviados para ministério.

(Hebr., cap. I, lect. VI).

O primeiro discute-se assim. — Parece que os anjos não são enviados para ministério.

1. — Pois, qualquer missão é para algum determinado lugar. Ora, os actos intelectuais não determinam lugar, porque o intelecto abstrai deste e do tempo. E como os actos angélicos são intelectuais, resulta que os anjos não são enviados, para realizar os seus actos.

2. Demais. — O céu empírico é lugar pertencente à dignidade dos anjos. Se pois, eles nos são mandados, em ministério, resulta que algo lhes perece da dignidade, o que é inadmissível.

3. Demais. — As ocupações exteriores impedem a contemplação da sabedoria e por isso diz a Escritura: O que menos se distrai com outra qualquer ocupação alcançará a sabedoria. Se pois os anjos são enviados para ministérios exteriores, resulta que se desviam da contemplação. Ora, toda a felicidade deles consiste na contemplação de Deus. Se portanto, fossem enviados, diminuir-se-lhes-ia a beatitude, o que é inadmissível.

4. Demais. — É próprio do inferior ministrar, dizendo por isso a Escritura: Qual é maior, o que está sentado à mesa, ou o que serve? Não é maior o que está sentado à mesa? Ora, os anjos são superiores a nós, na ordem da natureza. Logo, não são enviados para o nosso ministério.

Mas, em contrário, diz a Escritura: Eis que eu enviarei o meu anjo, que vá adiante de ti.

Do sobredito pode ser manifesto, que certos anjos são enviados por Deus para ministério. Pois, como já se estabeleceu, quando se tratou da missão das Pessoas divinas, diz-se que é enviado aquele que de algum modo, procede de alguém, de maneira que comece a estar onde antes não estava, ou, onde antes já estava, mas de outro modo. Assim, diz-se que o Filho é enviado, bem como o Espírito Santo, por ser procedente, originariamente, do Padre, de maneira que começa a ser, de novo, isto é, pela graça ou pela natureza assumida, onde já antes estava, pela presença da Deidade. Pois, é próprio de Deus estar em toda parte, sendo agente universal, a sua virtude atinge todos os entes, estando por isso em todas as coisas, como antes já se disse. Ao passo que a virtude do anjo, agente particular, não atinge todo o universo, mas, atingindo um ponto, não atinge outro, e assim, estando num lugar, está em outro. Ora, é manifesto, pelo que já se disse, que a criatura corpórea é administrada pelos anjos. Donde, quando alguma cousa se deve fazer por algum dos anjos, em relação a alguma criatura corpórea, nessa ocasião é que o anjo aplica a esse corpo a sua virtude e, então nele começa a estar. Mas como tudo isso procede de ordem divina, resulta, conforme o que foi dito, que o anjo é enviado por Deus. A ação porém que o anjo enviado por Deus, exerce, procede de Deus, como do primeiro princípio, por cuja vontade e autoridade os anjos operam, reduz-se a Deus, como ao último fim. E essa é a razão de ser do ministro, que é um como instrumento inteligente, ora, o instrumento é movido por outro e a sua ação se ordena para outro. Donde, as acções dos anjos chamam-se ministérios, e por isso se diz que eles são enviados em ministério.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Diz-se de dois modos que uma operação é intelectual. De um modo, consistindo como que no próprio intelecto, p. ex., a contemplação, e, tal operação não tem determinado lugar, antes, segundo Agostinho, também nós, enquanto temos pela mente, algo de externo, não estamos neste mundo. De outro modo, diz-se que uma acção é intelectual, quando regulada e ordenada por algum intelecto. E assim, é manifesto, que as operações intelectuais às vezes, tem lugares determinados.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O céu empíreo pertence à dignidade do anjo, por certa congruência, pois, é congruente que o corpo supremo seja atribuído à natureza, que está acima de todos os corpos. Mas nem por isso o anjo recebe qualquer dignidade, do céu empíreo. Donde, quando neste não está actualmente, nada se subtrai à dignidade angélica, assim como nada perde o rei, quando não está actualmente sentado no sólio real, que lhe é congruente à dignidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Em nós a ocupação exterior impede a pureza da contemplação, porque nos aplicamos à acção pelas virtudes sensitivas, cujos actos, quando praticados, retardam a actividade da virtude intelectiva. Mas a actividade exterior do anjo, regulada só pela operação intelectual, de nenhum modo lhe impede a contemplação, pois, a actividade que é regra e razão de outra não impede a esta última, mas a coadjuva. E por isso Gregório diz, que os anjos não se exteriorizam de modo a serem privados das alegrias da contemplação interna.

RESPOSTA À QUARTA. — Os anjos, nas suas acções externas, servem principalmente a Deus e, secundariamente a nós. Não porque nós lhe sejamos superiores, absolutamente falando, mas porque qualquer homem ou anjo é superior a toda criatura, quando, aderindo a Deus, torna-se, com Deus, um só espírito. Donde o dizer a Escritura: Tendo cada um aos outros por superiores.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama

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