Questão
108: Da ordenação dos anjos por hierarquias e ordens.
Art. 5 — Se as ordens dos
anjos são convenientemente denominadas
(II Sent., dist. IX, a. 3, 4;
III, Cont.Gent., cap. LXXX; Compend. Theol., cap. CXXVI; Coloss., cap. I,
lect. IV).
O
quinto discute-se assim. — Parece que as ordens dos anjos não são
convenientemente denominadas.
1.
— Pois, todos os espíritos celestes chamam-se anjos e virtudes celestes. Ora, é
inconveniente apropriar só a alguns os nomes comuns. Logo, é inconvenientemente
denominada uma ordem a dos Anjos e outra, a das Virtudes.
2.
Demais. — Ser Senhor é próprio de Deus, conforme a Escritura (Sl 99, 3):
Sabei que o Senhor é Deus. Logo, inconvenientemente uma das ordens dos
espíritos celestes é chamada das Dominações.
3.
Demais. — O nome de Dominação diz respeito a governo; e semelhantemente, os dos
Principados e das Potestades. É pois, inconveniente atribuírem-se a três ordens
esses três nomes.
4.
Demais. — Denominam-se Arcanjos os que são como príncipes dos anjos. Logo, este
nome só deve ser aplicado à ordem dos Principados.
5.
Demais. — O nome de Serafim é imposto por causa do ardor, que diz respeito à
caridade; enquanto o de Querubim é imposto por causa da ciência. Ora, a
caridade e a ciência são dons comuns a todos os anjos. Logo, não devem ser
nomes de ordens especiais.
6.
Demais. — Os Tronos chamam-se sedes. Ora, diz-se que Deus tem sede na criatura
racional quando esta o conhece e ama. Logo, não deve a ordem dos Tronos
distinguir-se da dos Querubins e dos Serafins. Assim, pois, conclui-se que as
ordens dos anjos são inconvenientemente denominadas.
Mas,
em contrário, é a autoridade da Sagrada Escritura que assim os denomina. Pois,
nela se encontram as denominações de Serafins (Is 6), Querubins (Ez
1), Tronos (Cl 1), Dominações, Virtudes, Potestades, Principados
(Ef 1), Arcanjos e Anjos (em várias passagens das Escrituras).
Na denominação das ordens angélicas é necessário considerar-se que os nomes
próprios a cada ordem designam as propriedades delas, como diz Dionísio. Para
se compreender porém, a propriedade de cada ordem, é preciso considerar, que podemos
fazer uma atribuição de três modos, nos seres ordenados: por propriedade,
excesso e participação. Assim, diz-se que uma coisa está noutra, por
propriedade, quando é adequada e proporcionada à natureza desta. Por excesso,
quando a coisa atribuída a outra é menos que esta, contudo convém-lhe, por um
certo excesso, como já se disse a respeito de todos os nomes atribuídos a Deus.
Por participação, enfim, quando a atribuição não está no atribuído plenária,
mas deficientemente; assim, os homens santos chamam-se deuses, participativamente.
Se, pois, um ser deve receber a denominação que lhe designe a propriedade, tal denominação
não deve provir daquilo que esse ser participa imperfeitamente, nem do que tem,
em excesso, mas do que lhe é como coigual. Assim, quem quiser denominar
propriamente o homem dirá que é uma substância racional; não, substância intelectual,
denominação própria ao anjo, porque a simples inteligência convém ao anjo, por
propriedade, e ao homem, por participação; nem substância sensível, denominação
própria ao bruto, porque o sentido é menos do que o que é próprio ao homem, e a
este convém-lhe excelentemente, mais que aos brutos. E, portanto, devemos
considerar que, nas ordens dos anjos, todas as perfeições espirituais são
comuns a todos os anjos e todas existem mais abundantemente nos superiores, que
nos inferiores.
Mas,
como há graus nas próprias perfeições, a perfeição superior é atribuída à ordem
superior, por propriedade, à inferior, porém, como participação; e,
inversamente, a perfeição inferior é atribuída à ordem inferior, por
propriedade, e à superior, por excesso. Donde resulta que a ordem superior é
denominada pela perfeição superior. — E é assim que Dionísio expõe os nomes das
ordens, conforme a conveniência para as suas perfeições espirituais. Ao passo
que Gregório, na exposição desses nomes, parece atender mais aos ministérios
exteriores. Assim, explica, chamam-se anjos os que, anunciam as coisas mínimas;
Arcanjos, as sumas; pelas Virtudes fazem-se os milagres; pelas Potestades são
debeladas as potestades adversas; os Principados são os que presidem aos bons
espíritos.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Anjo significa núncio. Logo, todos os
espíritos celestes, como manifestadores das ordens divinas, chamam-se anjos.
Mas os anjos superiores têm, nessa manifestação, certa excelência, pela qual as
ordens superiores são denominadas. Enquanto a ordem ínfima dos anjos não
acrescenta nenhuma excelência à manifestação comum; e por isso é denominada
pela simples manifestação. E assim, o nome comum aplica-se, como próprio, à
ínfima ordem, como diz Dionísio. Ou pode dizer-se que a ordem ínfima pode ser
chamada especialmente ordem dos anjos, porque nos anunciam imediatamente. — A
virtude, porém, pode ser tomada em dupla acepção. Em acepção comum, a virtude é
média entre a essência e a operação; e então, todos os espíritos celestes se chamam
virtudes celestes, bem como essências celestes. Noutra acepção, virtude importa
excesso de força e então é nome próprio de ordem. Donde, diz Dionísio, que o
nome de Virtudes significa uma força viril e inconcussa; primeiro, em relação a
todas as operações divinas que lhes são convenientes; e segundo, para receber
os dons divinos. E assim, significa que, sem nenhum temor, se acercam das
coisas divinas que lhes dizem respeito; o que concerne à força do ânimo.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Como diz Dionísio, a Dominação é louvada, em Deus singularmente,
por excesso; mas, por participação, as Divinas Letras chamam Dominações aos
principais ornatos, pelos quais os inferiores recebem os dons de Deus. E por
isso, Dionísio diz que o nome de Dominações significa primeiro, a liberdade,
que isenta da condição servil e da sujeição plebeia, a que a plebe está submetida;
e da opressão tirânica a que, às vezes, até mesmo os maiores estão sujeitos. Em
segundo lugar, significa um governo rígido e inflexível, que não se inclina a
nenhum acto servil, nem a nenhum acto próprio aos que são sujeitos e oprimidos
pelos tiranos. Em terceiro lugar, significa o desejo e a participação do
verdadeiro domínio, que está em Deus. E semelhantemente, o nome de qualquer
ordem significa a participação do que exorta em Deus; p. ex., o nome de virtudes
significa participação da virtude divina, e assim por diante.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Os nomes de Dominação, de Potestade e de Principado dizem
respeito ao governo, diversamente. — Pois, ao senhor pertence apenas preceituar
sobre o que se deve fazer, e por isso, Gregório diz: certas ordens de anjos, a
que outras, que lhes estão sujeitas, devem obedecer, chamam-se Dominações. — Ao
passo que o nome de potestade designa certa ordenação, conforme a Escritura (Rm
13, 2): Aquele que resiste à potestade, resiste à ordenação de Deus. E,
por isso, Dionísio diz, que o nome de Potestade significa uma ordenação,
relativa, tanto ao recebimento das ordens divinas, como às acções divinas, que
os superiores comunicam aos inferiores, conduzindo-os para o alto. À ordem das
Potestades, pertence, pois, ordenar o que deve ser feito pelos súbditos. — Ser
principal, por outro lado, como diz Gregório, é ser primeiro entre os demais;
assim, são como que os primeiros, na execução do que é mandado. E por isso,
Dionísio diz, que o nome de Principados significa condutor, com ordem sagrada.
Pois, os que conduzem os outros, sendo os primeiros entre eles, chamam-se
propriamente príncipes, conforme a Escritura (Sl 67, 26): Foram adiante
os príncipes; juntamente com os que cantavam salmos.
RESPOSTA
À QUARTA. — Os Arcanjos, segundo Dionísio, são médios entre os Principados e os
Anjos. Ora, o meio, comparado com o extremo, é equiparado ao outro extremo,
como participante da natureza de ambos; assim, o tépido, em comparação com o
cálido, é frio, e em comparação com este é cálido. Assim, pois, os Arcanjos são
chamados como que Príncipes dos Anjos, porque, em relação a estes, são
príncipes, porém, em relação aos Principados são Anjos. — Contudo, segundo
Gregório, chamam-se Arcanjos porque presidem só a ordem dos Anjos, sendo como
núncios das grandes coisas. E chamam-se Principados porque presidem a todas as
virtudes celestes, cumpridoras das ordens divinas.
RESPOSTA
À QUINTA. — O nome de Serafim não é imposto tanto pela caridade, como pelo
excesso desta, excesso em que importa o nome de ardor ou de incêndio. Donde,
Dionísio interpreta o nome de Serafim pelas propriedades do fogo, no qual há
excesso de calor. Pois no fogo, três coisas se podem considerar. Primeira, o
movimento contínuo para cima. Pelo que se significa que são movidos para Deus,
indeclinavelmente. — Segunda, a virtude activa, que é a calidez. E esta não
existe de modo absoluto no fogo, mas com certa acuidade; porque ele tem acção
penetrativa em máximo grau, e atinge até às mínimas intimidades; e demais com
fervor super-excedente. E por aí se significa a poderosa acção que os referidos
anjos exercem sobre os que lhes estão sujeitos, excitando-os a fervor
semelhante e purificando-os totalmente pelo incêndio. — A terceira é a
claridade. E isto significa que os ditos anjos trazem, em si mesmos, luz
inextinguível e iluminam perfeitamente os outros. — Semelhantemente, o nome de
Querubins é imposto, pelo excesso de ciência e é interpretado como Plenitude da
ciência. O que Dionísio explica relativamente a quatro pontos: primeiro, quanto
à visão perfeita de Deus; segundo, quanto ao pleno recebimento da luz divina;
terceiro, quanto ao contemplarem, no próprio Deus, a beleza da ordem das coisas
deles derivada; quarto, quanto a difundirem copiosamente, nos outros, esse conhecimento,
em que superabundam.
RESPOSTA
À SEXTA. — A ordem dos Tronos tem excelência sobre as ordens inferiores por
poderem conhecer imediatamente, em Deus, as razões das obras divinas. Ao passo
que os Querubins têm a excelência da ciência; e os Serafins a do ardor. E
embora nestas duas excelências esteja incluída a terceira, contudo, na dos
Tronos não se incluem as duas outras. Donde, a ordem dos Tronos se distingue das
dos Querubins e Serafins. Pois, é comum para todos, que a excelência do
inferior esteja contida na do superior, e não vice-versa. — Dionísio porém,
explica o nome de Tronos, por conveniência com os sólios, na ordem material.
Nos quais, há quatro causas a considerar. — Primeiro, o lugar, pois os sólios
se elevam na terra. E assim os anjos chamados Tronos elevam-se até o
conhecimento imediato em Deus, das razões das coisas. — Segundo, nos sólios
materiais considera-se a firmeza, porque neles firmemente nos assentamos. No
caso vertente porém, dá-se o inverso, pois os anjos é que estão firmados por
Deus. — Terceiro, porque o sólio recebe quem se assenta e este pode ser
transportado nele. Assim também os anjos, de que tratamos, recebem Deus em si
mesmos e o levam, de certo modo, aos inferiores. — Quarto, figuradamente, pois,
o sólio é aberto de um lado para receber quem se assenta. Assim também os
referidos anjos estão, pela sua presteza, abertos para receber a Deus e servi-lo.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama
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