Questão
86: Do que o nosso intelecto conhece nas coisas materiais.
(De Verit., q. 2, art. 9;
Compend. Theol., cap. CXXXIII).
O segundo discute-se assim. ― Parece
que o nosso intelecto pode conhecer infinitas coisas.
1. ― Pois, Deus excede toda a
infinidade de todos os seres. Ora, o nosso intelecto pode conhecê-lo, como já
se disse (q. 12). Logo, com maior razão, pode conhecer infinitas
outras coisas.
2. Demais. ― É natural ao nosso
intelecto conhecer os géneros e as espécies. Mas, de certos géneros são
infinitas as espécies, como os números, as proposições e as figuras. Logo, o
nosso intelecto pode conhecer infinitas coisas.
3. Demais. ― Se um corpo não impedisse
outro de existir num mesmo lugar, nada impediria existirem infinitos corpos num
mesmo lugar. Ora, uma espécie inteligível não impede outra de existir simultaneamente
no mesmo intelecto, pois, é possível saberem-se muitas coisas habitualmente.
Logo, nada impede que o nosso intelecto tenha, habitualmente, ciência de
infinitas coisas.
4. Demais. ― O intelecto, não sendo
virtude da matéria corpórea, como já se viu (q. 76, a. 1), é
potência infinita. Ora, uma virtude infinita pode se referir ao infinito. Logo,
o nosso intelecto pode conhecer infinitas coisas.
Mas, em contrário, diz Aristóteles: o
infinito, como tal é desconhecido.
Sendo a potência
proporcionada ao seu objeto, necessário é que o intelecto esteja para o
infinito, na mesma relação em que está o seu objeto, que é a quidade da coisa
material. Ora, nas coisas materiais, não há infinito actual, mas só potencial,
enquanto uma coisa sucede à outra, como diz Aristóteles. Donde, em o nosso
intelecto há o infinito potencial, enquanto ele apreende uma coisa depois de
outra; pois, o nosso intelecto nunca intelige tantas coisas de modo que não
possa inteligir mais. Ora, nem actual nem habitualmente o nosso intelecto pode
inteligir infinitas coisas. ― Actualmente não, porque não pode conhecer
simultaneamente em acto senão o que conhece por uma espécie. Ora, o infinito
não tem uma só espécie; do contrário teria a essência de todo e de perfeito. Donde,
não pode ser inteligido senão apreendendo-se-lhe uma parte depois de outra,
como resulta da sua definição em Aristóteles. Pois o infinito é aquilo de que
se pode apreender uma quantidade, restando sempre alguma coisa mais a
apreender. De modo que o infinito não poderia ser conhecido actualmente, sem
que se lhe enumerassem todas as partes, o que é impossível. ― E pela mesma
razão, não podemos inteligir infinitas coisas, habitualmente. Pois, em nós, o
conhecimento habitual é causado pela consideração actual. Assim que,
inteligindo, tornamo-nos cientes, como diz Aristóteles. Donde, não poderíamos
ter o conhecimento distinto habitual de coisas infinitas, sem que considerássemos
todas elas, enumerando-as pela sucessão do conhecimento, o que é impossível. ―
E assim, nem actual nem potencialmente o nosso intelecto pode conhecer causas
infinitas; mas só potencialmente, como já se disse.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ―
Como já ficou estabelecido antes (q. 7, a. 1), diz-se que Deus é
infinito, como forma não determinada por qualquer matéria. Ao passo que, nas
coisas materiais, diz-se infinita a que tem privação da determinação formal. E
como a forma é conhecida em si, ao passo que a matéria sem a forma é
desconhecida, daí vem que o infinito material é, em si, desconhecido. Porém o
infinito formal, que é Deus, é conhecido em si mesmo; desconhecido, porém, para
nós, pela deficiência do nosso intelecto que, no estado da vida presente, tem
aptidão natural para conhecer as coisas materiais. E portanto, na vida
presente, não podemos conhecer a Deus, senão pelos efeitos materiais. Na vida
futura, porém, será eliminada, pela glória, a deficiência do nosso intelecto. E
então, poderemos ver o próprio Deus, na sua essência, sem que, todavia, o
compreendamos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― É natural ao
nosso intelecto conhecer as espécies pela abstração dos fantasmas. Donde, as
espécies dos números e das figuras, quem não as imaginou, não as pode conhecer,
nem actual nem habitualmente; salvo, talvez, genericamente e pelos princípios
universais, o que é conhecer potencial e confusamente.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Se dois ou
muitos corpos estivessem num lugar, não seria necessário que entrassem nesse
lugar, sucessivamente, de modo que pela própria sucessão desse facto esses
corpos localizados fossem enumerados. Ora, as espécies inteligíveis entram em o
nosso intelecto sucessivamente, porque muitas, simultaneamente, não podem ser
inteligidas. Donde, necessariamente, em o nosso intelecto estão espécies
enumeradas e não infinitas.
RESPOSTA À QUARTA. ― Sendo infinito
pela virtude, o nosso intelecto conhece o infinito. E a sua virtude é infinita
por que não é determinada pela matéria corpórea. E, sendo capaz de conhecer o
universal, abstrato da matéria individual, não fica consequentemente limitado a
um indivíduo, mas, em si mesmo, se aplica a infinitos indivíduos.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama
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