Questão 84: Por meio
do que a alma, unida ao corpo, intelige as coisas corpóreas.
(II
Cont. Gent., cap. LXXXIII; De Verit., q. 10, a. 6; q. 11, a. 1; q. 18, a. 7; q.
19, a. 1; Qu. De Anima, a. 15 ).
O
terceiro discute-se assim. ― Parece que a alma intelige todas as coisas por
espécies que lhe são naturalmente ínsitas.
1.
― Pois, diz Gregório, o homem tem comum com o anjo o inteligir. Ora, o anjo
intelige tudo por formas que lhe são naturalmente ínsitas; Donde, se diz no
livro De causis, que toda
inteligência está cheia de formas. Logo, também a alma tem ínsitas em si as
espécies das coisas naturais, pelas quais intelige as coisas corpóreas.
2.
Demais. ― A alma intelectiva é mais nobre que a matéria-prima corpórea. Ora,
esta foi criada por Deus com formas, em relação às quais está em potência.
Logo, com maioria de razão, a alma intelectiva foi criada por Deus com as
espécies inteligíveis. E assim, intelige as causas corpóreas por espécies que
lhe são naturalmente ínsitas.
3.
Demais. ― Ninguém pode dizer a verdade senão do que sabe. Mas, qualquer pessoa,
sem ciência adquirida, pode dizer a verdade atinente a cada assunto, contanto
que seja habilmente interrogado, como narra Platão de um certo indivíduo. Logo,
antes de alguém adquirir a ciência já tem conhecimento das causas; o que não se
daria, se a alma não tivesse espécies que lhe são naturalmente ínsitas. Logo,
por tais espécies é que ela intelige as coisas corpóreas.
Mas,
em contrário, diz o Filósofo, falando do intelecto, que este é como uma tábua
na qual nada está escrito.
Como a forma é o princípio da acção, é necessário que uma coisa esteja para a
forma, seu princípio de acção, como está para a acção. Assim, se o ser movido
para o alto provém da levidade, o que só potencialmente é levado para cima é
leve só em potências; o que, porém, é levado em acto é leve em acto. Ora, vemos
que o homem conhece às vezes, só em potência, tanto quanto ao sentido como
quanto ao intelecto. E de tal potência é reduzido ao acto: para sentir, pelas
ações dos sensíveis no sentido; para inteligir, pela disciplina ou invenção. Donde,
deve dizer-se que a alma cognoscitiva está em potência tanto para as
semelhanças, que são os princípios do sentir, como para as semelhanças, que são
os princípios do inteligir. E por isto Aristóteles ensinou, que o intelecto,
pela qual a alma intelige, não tem nenhumas espécies que lhe sejam naturalmente
ínsitas, mas é, no princípio, potencial em relação a todas essas espécies.
Mas,
o que tem forma actual, não pode, às vezes, agir segundo essa forma, por causa
de algum impedimento; assim se dá com um corpo leve se ficar impedido de ser
levado para cima. E por isso Platão ensinava, que o intelecto do homem está
naturalmente cheio de todas as espécies inteligíveis, mas, pela união com o
corpo, é impedido de se actualizar.
Mas
esta opinião não é conforme a verdade. ― Primeiro, porque, se a alma tem
ciência natural de todas as coisas, não é possível que se esqueça de tal modo
dela que não tenha consciência de a possuir. Pois, ninguém esquece o que
naturalmente conhece; p. ex., que qualquer todo é maior que a sua parte e
coisas semelhantes. E, sobretudo, ver-se-á a incongruência de tal opinião, se
se admite como natural à alma estar unida ao corpo, como antes ficou estabelecido;
pois, é incongruente que a operação natural a qualquer ser seja totalmente
impedida por aquilo que lhe é natural a ele. ― Em segundo lugar, aparecerá
manifesta a falsidade de tal opinião no facto de, faltando algum sentido,
faltar à ciência daquilo que, por esse sentido, é apreendido; assim, o cego de
nascença não pode ter nenhum conhecimento das cores. O que não se daria se ao
intelecto da alma fossem naturalmente ínsitas as noções de todos os
inteligíveis. ― E portanto, deve concluir-se que a alma não conhece as coisas
corpóreas por espécies que lhe sejam naturalmente ínsitas.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O homem tem em comum com os anjos o inteligir;
mas não tem a eminência do intelecto deles. Assim como os corpos inferiores,
que apenas existem, segundo Gregório, são deficientes em relação à existência
dos corpos superiores. Pois, a matéria destes não é totalmente completa pela
forma, mas é potencial em relação às formas que não tem; ao passo que a matéria
dos corpos celestes é totalmente completa pela forma, de modo que não é potencial
em relação à outra forma, como já se demonstrou. E, semelhantemente, o
intelecto do anjo é perfeito, na sua natureza, pelas espécies inteligíveis; ao
passo que o intelecto humano é potencial, em relação a tais espécies.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A matéria-prima tem o ser substancial, pela forma; donde, era
necessário que fosse criado sob alguma forma, pois, do contrário, não existiria
em acto. Porém, existindo sob uma forma, é potencial em relação às outras. Ao
passo que o intelecto não tem o ser substancial, pela espécie inteligível; por
isso não há símile.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A interrogação ordenada procede de princípios comuns, conhecidos
por si mesmos, para as noções próprias. E por tal processo é causada a ciência
na alma do discente. Donde, quando este responde a verdade a respeito daquilo
sobre que é pela segunda vez interrogado, não é porque já a conhecesse de
antemão, mas porque a aprende de novo. E nada importa se quem ensina, propondo
ou interrogando, procede de princípios comuns, para a conclusão. Pois, de
qualquer modo, o espírito do ouvinte certifica-se do que é posterior pelo que é
anterior.
Nota:
Revisão da tradução para português por ama
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