Em
seguida tratamos do livre arbítrio. E, sobre este ponto, quatro artigos se discutem:
Art.
1 — Se o homem tem livre arbítrio.
Art.
2 — Se o livre arbítrio é uma potência.
Art.
3 — Se o livre arbítrio é potência apetitiva ou cognitiva.
Art.
4 — Se o livre arbítrio é potência diferente da vontade.
Art.
1 — Se o homem tem livre arbítrio.
(Supra, q. 59, a. 3; Ia-IIae, q. 13, a. 6; De Verit.,
q. 24, a. 1, 2; De Malo, q. 6).
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que o homem não tem livre arbítrio.
1.
― Pois, quem tem livre arbítrio faz o que quer. Ora, o homem não faz o que quer
como se vê pela Escritura (Rm 7, 19): Porque eu não faço o bem que
quero; mas faço o mal, que não quero. Logo, o homem não tem livre arbítrio.
2.
Demais. ― Quem é livre pode querer e não querer, operar ou não. Ora, isso está
no poder do homem, conforme a Escritura (Rm 9, 16): Não pertence ao
que quer, o querer, nem ao que corre, o correr. Logo, o homem não tem livre
arbítrio.
3.
Demais. — É livre quem é causa de si, como diz Aristóteles. E não é livre o que
é movido por outro. Ora, Deus move a vontade, conforme a Escritura (Pr 21,
1): O coração do rei se acha na mão do Senhor, e (Fl 2, 13):
Ele o inclina para qualquer parte que quiser; e: Deus é o que opera em vós o
querer e o perfazer. Logo, o homem não tem livre arbítrio.
4.
Demais. ― Quem é livre é senhor dos seus actos. Ora, o homem não o é, como diz
a Escritura (Jr 10, 23): Não é do homem o seu caminho, nem é do
varão o andar e o dirigir os seus passos. Logo, o homem não tem livre arbítrio.
5.
Demais. ― O Filósofo diz: Tal é um ser, tal é o seu fim que se propõe. Ora, não
por nós mesmos, mas pela natureza, é que somos o que somos. Logo, vem da
natureza, e não do livre arbítrio, o buscarmos um determinado fim.
Mas,
em contrário, diz a Escritura (Ecle 15, 14): Deus criou o homem
desde o princípio e deixou-o na mão do seu conselho, ou seja, conforme a
Glossa, na liberdade do arbítrio.
O homem tem livre arbítrio; do contrário seriam inúteis os conselhos, as
exortações, os preceitos, as proibições, os prémios e as penas. E isto evidencia-se,
considerando, que certos seres agem sem discernimento; como a pedra, que cai e,
semelhantemente, todos os seres sem conhecimento. Outros, porém, agem com discernimento,
mas não livre, como os brutos. Assim a ovelha que, vendo o lobo, discerne que
deve fugir, por discernimento natural, mas não livre, porque esse discernimento
não provém da reflexão, mas do instinto natural. E o mesmo se dá com qualquer
discernimento dos brutos. ― O homem, porém, age com discernimento; pois, pela
virtude cognoscitiva, discerne que deve evitar ou buscar alguma coisa. Mas esse
discernimento, capaz de visar diversas possibilidades, não provém do instinto
natural, relativo a um acto particular, mas da reflexão racional. Pois a razão,
relativamente às coisas contingentes, pode decidir entre dois termos opostos,
como se vê nos silogismos dialéticos e nas persuasões retóricas. Ora, os actos
particulares são contingentes e, portanto, em relação a eles, o juízo da razão
tem de se avir com termos opostos e não fica determinado a um só. E, portanto,
é forçoso que o homem tenha livre arbítrio, pelo próprio facto de ser racional.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como já se disse antes (q. 81, a. 3 ad 2),
o apetite sensitivo, embora obediente à razão, pode contudo recalcitrar,
desejando o que a razão proíbe. Ora, o bem que o homem não faz quando quer é o que
consiste em ser concupiscente contra a razão, como diz a Glossa de Agostinho a
esse passo.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― Não se deve entender esse passo do Apóstolo no sentido em que o
homem não quer e não corre por livre arbítrio; mas como significando que o
livre arbítrio não é suficiente para isso, se não for movido e ajudado por
Deus.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― O livre arbítrio é causa do seu movimento, porque o homem, pelo
livre arbítrio, é levado a agir. Mas, contudo, não é necessário, para a
liberdade, que o livre seja a causa primeira de si mesmo; assim como não é
necessário, para uma causa ser causa de outra, que seja sua causa primeira.
Ora, Deus, pois, é a causa primeira motora, tanto das causas naturais como das
voluntárias. E assim como, movendo-as, não faz com que os actos delas deixem de
ser naturais; assim também, movendo as voluntárias, não faz com que os seus actos
deixem de ser voluntários, mas antes, causa-lhes essa qualidade, porque obra,
em cada ser, conforme a propriedade deles.
RESPOSTA
À QUARTA. ― Diz-se que não está no homem escolher o seu caminho quanto à
execução das eleições, nas quais o homem pode ser impedido, queira ou não. Mas
as eleições em si mesmas dependem de nós, suposto, contudo, o auxílio divino.
RESPOSTA
À QUINTA. ― A qualidade do homem é dupla: uma natural; outra, superveniente. ―
Aquela pode ser da parte intelectiva e do corpo ou das virtudes anexas ao
corpo. Assim, por ter tal qualidade natural intelectiva é que o homem deseja o
último fim, que é a beatitude; cujo desejo é natural e não depende do livre
arbítrio, como resulta do sobredito (q. 82, a. 1, 2). E é por ter
tal qualidade natural, quanto ao corpo e às virtudes anexas ao corpo, que o
homem tem tal compleição ou tal disposição, em virtude de determinada impressão
das coisas corpóreas, que se não podem aplicar à parte intelectiva, por esta não
ser acto de nenhum corpo. Assim, pois, cada um se propõe o fim conforme a sua
qualidade corpórea, porque, em virtude desta disposição, é que o homem se
inclina a eleger ou repudiar alguma coisa. Essas inclinações, porém, são
dependentes do juízo da razão, à qual obedece o apetite inferior, como já se
disse (q. 81, a. 3). Donde, não tolhem a liberdade do arbítrio. ―
Mas as qualidades supervenientes são como que hábitos e paixões pelas quais
alguém se inclina mais a uma que a outra coisa, dependendo também essas
inclinações do juízo da razão. E tais qualidades são, do mesmo modo,
subordinadas à razão, enquanto depende de nós adquiri-las, causal ou
dispositivamente, bem como excluí-las. Assim que, nada há de repugnante à
liberdade do arbítrio.
Nota:
Revisão da tradução para português por ama
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