29/07/2012

Tratado sobre o homem 27

Questão 78: Das potências da alma em especial.

Art. 4 ― Se os sentidos internos se distinguem convenientemente.


(Qu. De Anima, art. 13).

O quarto discute-se assim. ― Parece que os sentidos externos se distinguem inconvenientemente.

1. ― Pois, o comum não se divide por oposição com o próprio. Logo, o sentido comum não deve ser enumerado entre as virtudes sensitivas interiores, além dos sentidos exteriores próprios.

2. Demais. ― Para o que basta ao sentido próprio e externo não se deve atribuir nenhuma virtude apreensiva interna. Ora, para julgar dos sensíveis bastam os sentidos próprios e externos, pois, cada sentido julga do seu objecto próprio. E, semelhantemente, bastam para perceberem os seus próprios actos; pois, sendo a acção do sentido, de certo modo, média entre a potência e o objecto, resulta que o sentido da vista pode perceber a sua visão, como lhe sendo mais próxima, muito mais do que percebe a cor; e assim por diante. Logo, não é necessário, para isso, admitir uma potência interna, chamada sentido comum.

3. Demais. ― Segundo o Filósofo, a fantasia e a memorativa são paixões do primeiro sensitivo. Ora, a paixão não se divide por oposição com o sujeito. Logo, não se devem admitir a memória e a fantasia como outras potências, além do sentido comum.

4. Demais. ― O intelecto depende do sentido, menos que qualquer potência, da parte sensitiva. Ora, o intelecto não conhece nada que não receba do sentido; e, por isso, diz Aristóteles que, aos que falta um sentido, falta uma ciência. Logo, com maioria de razão, não se deve admitir uma potência da parte sensitiva chamada estimativa, para perceber as apreensões que o sentido não percebe.

5. Demais. ― O acto da cogitativa ― comparar, compor e dividir ― e o da reminiscitiva ― usar um silogismo, para indagar ― não distam menos do acto da estimativa e da memorativa, do que o acto da estimativa do acto da fantasia. E, portanto, deve admitir-se a cogitativa e a reminiscitiva como outras virtudes, além da estimativa e da memorativa; ou, então, não se deve admitir a estimativa e a memorativa, como outras virtudes, além da fantasia.

6. Demais. ― Agostinho admite três géneros de visões: a corpórea, que se realiza pelo sentido; a espiritual, pela imaginação ou fantasia; e a intelectual, pelo intelecto. Logo, não há outra virtude interna, média entre o sentido e o intelecto, a não ser a imaginativa.

Mas em contrário, Avicena admite cinco potências sensitivas internas: o sentido comum, a fantasia, a imaginativa, a estimativa e a memorativa.

Como a natureza não falha, nas coisas necessárias, forçoso é haver tantas ações da alma sensitiva quantas bastem para a vida do animal perfeito. E delas, as que não puderem reduzir-se a um princípio, exigem potências diferentes; pois, uma potência da alma não é outra coisa senão o princípio próximo da operação da alma.

Ora, deve considerar-se que, para a sua vida, é necessário que o animal perfeito apreenda a coisa, estando o sensível não só presente, mas ainda ausente; de contrário, pois que o seu movimento e acção resultam da apreensão, o animal não se moveria a buscar qualquer coisa ausente. Ora, é o contrário disso que se vê, sobretudo nos animais perfeitos, que se movem por movimento progressivo; pois, movem-se para alguma coisa apreendida como ausente. Logo, não somente é necessário que o animal, pela alma sensitiva, receba as espécies dos sensíveis, quando sofre mutação pela presença deles; mas ainda as retenha e conserve. Ora, receber e reter reduzem-se, nos seres corpóreos, a princípios diversos; assim, as coisas húmidas recebem bem mas retêm mal; e o contrário acontece com as secas. Por onde, sendo a potência sensitiva o acto do órgão corpóreo, é necessário haver outra potência que receba as espécies dos sensíveis e as conserve.

Além disso, deve considerar-se que, se o animal se movesse só pelo deleitável, e pelo doloroso, sensivelmente, não seria necessário admitir, no animal, senão a apreensão das formas percebidas pelo sentido, e com as quais se deleita ou sofre. Mas é necessário que o animal busque ou evite certas coisas; não só por que sejam convenientes ou inconvenientes para serem sentidas, mas também por certas outras comodidades e utilidades ou nocividades. Assim, a ovelha, vendo o lobo aproximar-se, foge, não pela feiura da cor ou da figura do mesmo, mas como sendo um inimigo da sua natureza. E, semelhantemente, a ave colhe a palha, não porque lhe deleite o sentido, mas por lhe ser útil para a feitura do ninho. Logo, é necessário ao animal perceber tais espécies intencionais, não percebidas pelo sentido externo. E essa percepção deve ter algum outro princípio, pois que a percepção das formas sensíveis provém da imutação sensível, não porém a das espécies intencionais preditas.

Assim portanto, à recepção das formas sensíveis é destinado o sentido próprio e comum, de cuja distinção a seguir se tratará. ― Porém, à retenção e à conservação dessas formas é destinada à fantasia ou imaginação, que é um como tesouro das formas recebidas pelo sentido. Ao passo que, a apreender as espécies intencionais, que não são recebidas pelo sentido, se destina à virtude estimativa. E, por fim, o conservá-las destina-se à virtude memorativa, que é o como tesouro de tais espécies intencionais. E a prova é que o princípio da lembrança resulta, nos animais, de alguma espécie intencional como esta, a saber, o que é nocivo ou inconveniente. E o passado, na sua natureza, à qual se reporta a memória, é computado entre tais espécies.

Deve considerar-se, porém, que, quanto às formas sensíveis, não há diferença entre o homem e os outros animais que, semelhantemente, sofrem mutação dos sensíveis externos. Mas há diferença quanto às espécies intencionais preditas. Pois, os animais percebem tais espécies só por um como que instinto natural; ao passo que o homem, por uma certa comparação. E por isso, a chamada estimativa natural, nos animais, chama-se cogitativa no homem, que chega a tais espécies intencionais por uma certa comparação. Donde vem o chamar-se também razão particular, à qual os médicos assinalam um órgão determinado, a saber, a parte média da cabeça. Pois, é apreensiva das espécies intencionais individuais, assim como a razão intelectiva o é das espécies intencionais universais. ― E, quanto à memorativa, o homem não somente tem a memória, como os outros animais, pela recordação súbita das coisas pretéritas; mas também a reminiscência, pela qual indaga silogisticamente a memória do passado, segundo as espécies intencionais individuais.

E, quanto a Avicena, ele admite uma quinta potência, média entre a estimativa e a imaginativa e que compõe e divide as formas imaginadas. E isso vê-se bem claramente, quando, das formas imaginadas do ouro e de uma montanha, compomos a forma única de uma montanha de oiro, que nunca vimos. Mas essa operação não existe nos animais, mas só no homem em quem, para tal, basta a virtude imaginativa. E a ele também Averróis lhe atribui tal acção, em certo livro que escreveu.

Assim que não é necessário admitir mais de quatro virtudes internas da parte sensitiva, a saber: o sentido comum, a imaginação, a estimativa e a memorativa.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O sentido interno não se chama comum por predicação, como se fosse género; mas como sendo a raiz comum e o princípio dos sentidos externos.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O sentido próprio julga do sensível próprio, discernindo-o dos outros, que lhes são também subordinados; assim, discernindo o branco do preto ou do verde. Mas nem o sentido da vista nem o do gosto podem discernir o branco do doce; porque, necessariamente, quem discerne entre duas causas deve conhecê-las. Por onde, é forçoso que o juízo pertença ao sentido comum, por discernimento do termo a que se refiram como ao término comum, todas as apreensões dos sentidos; e pelo qual sejam também percebidas as ações dos sentidos, como, p. ex., quando alguém se apercebe que vê. Pois, isto não se pode dar pelo sentido próprio, que só conhece a forma do sensível que lhe causou mutação, na qual mutação se completa a visão, e da qual resulta outra mutação no sentido comum, que percebe a visão.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Assim como uma potência nasce da alma, mediante outra, como antes se disse; assim também a alma está sujeita a outra potência, mediante uma terceira. E, deste modo, a fantasia e a memorativa chamam-se paixões do primeiro sensitivo.

RESPOSTA À QUARTA. ― Embora a operação do intelecto nasça do sentido, contudo, na causa apreendida por este último, o intelecto conhece muitas coisas que o sentido não pode perceber e o mesmo se dá com a estimativa, embora de modo inferior.

RESPOSTA À QUINTA. ― Essa eminência, que a cogitativa e a memorativa têm no homem, não é pelo que é próprio à parte sensitiva, mas por uma certa afinidade e propinquidade com a razão universal, segundo certa refluência. Por onde, não são virtudes diferentes, mas as mesmas, mais perfeitas do que as existentes nos outros animais.

RESPOSTA À SEXTA. ― Agostinho chama visão espiritual a que se dá pelas semelhanças dos corpos, na ausência destes. Por onde se vê que ela é comum a todas as apreensões internas.

Nota: Revisão da tradução para português por ama

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