Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
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Evangelho: Mt 13, 1-23
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Evangelho: Mt 13, 1-23
1 Naquele dia, saindo Jesus de casa, sentou-Se à
beira do mar. 2 E juntou-se em volta d'Ele uma grande multidão de
gente, de tal modo que foi preciso entrar numa barca e sentar-Se nela; e toda a
multidão estava em pé na praia. 3 E disse-lhes muitas coisas por
parábolas: «Eis que um semeador saiu a semear. 4 Quando semeava, uma
parte da semente caiu ao longo do caminho; e vieram as aves do céu e
comeram-na. 5 Outra parte caiu em lugar pedregoso, onde não havia
muita terra; e nasceu logo, porque não tinha profundidade de terra. 6
Mas, saindo o sol, queimou-se; e, porque não tinha raiz, secou. 7
Outra parte caiu entre espinhos; e os espinhos cresceram e a sufocaram. 8
Outra parte, enfim, caiu em boa terra, e frutificou; uns grãos deram cem por
um, outros sessenta, outros trinta. 9 Quem tem ouvidos para ouvir,
oiça». 10 Chegando-se a Ele os discípulos, disseram-Lhe: «Por que
razão lhes falas por meio de parábolas?». 11 Ele respondeu-lhes:
«Porque a vós é concedido conhecer os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles
não lhes é concedido. 12 Porque ao que tem lhe será dado ainda mais,
e terá em abundância, mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 13
Por isso lhes falo em parábolas, porque vendo não vêem e ouvindo não ouvem nem entendem.
14 E cumpre-se neles a profecia de Isaías, que diz: “Ouvireis com os
ouvidos e não entendereis; olhareis com os vossos olhos e não vereis. 15
Porque o coração deste povo tornou-se insensível, os seus ouvidos tornaram-se
duros, e fecharam os olhos, para não suceder que vejam com os olhos, e oiçam
com os ouvidos, e entendam com o coração, e se convertam, e Eu os cure”. 16
Ditosos, porém, os vossos olhos, porque vêem e os vossos ouvidos, porque ouvem.
17 Em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o
que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não o ouviram. 18
«Ouvi, pois, vós, o que significa a parábola do semeador: 19 A todo
aquele que ouve a palavra do reino e não lhe presta atenção, vem o espírito
maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração; este é o que recebeu a
semente ao longo do caminho. 20 O que recebeu a semente no lugar
pedregoso, é aquele que ouve a palavra, e logo a recebe com gosto; 21
porém, não tem em si raiz, é inconstante; e, quando lhe sobrevém a tribulação e
a perseguição por causa da palavra, logo sucumbe. 22 O que recebeu a
semente entre espinhos, é aquele que ouve a palavra; porém, os cuidados deste
mundo e a sedução das riquezas sufocam a palavra e fica infrutífera. 23
O que recebeu a semente em boa terra, é aquele que ouve a palavra e a
compreende; esse dá fruto, e umas vezes dá cem, outras sessenta, e outras
trinta por um».
Ioannes Paulus PP.
II
Centesimus annus
aos veneráveis
Irmãos no Episcopado
ao Clero
às Familías
religiosas
aos Fiéis da Igreia
Católica
e a todos os Homens
de Boa Vontade
no centenário da
Rerum
Novarum
/…2
8. Imediatamente a seguir o Papa enuncia um
outro direito do operário como pessoa. Trata-se do direito ao «justo salário»,
que não pode ser deixado «ao livre acordo das partes: de modo que o dador de
trabalho, uma vez paga a mercadoria, fez a sua parte, sem de nada mais ser
devedor» 23. O Estado, não tem
poder — dizia-se naquele tempo — para intervir na determinação destes
contratos, mas apenas para garantir o cumprimento de quanto fora explicitamente
estipulado. Semelhante concepção das relações entre patrões e operários,
puramente pragmática e inspirada num rígido individualismo, é severamente
reprovada na Encíclica, enquanto contrária à dupla natureza do trabalho, como
facto pessoal e necessário. Com efeito, se o trabalho, na sua dimensão pessoal,
pertence à disponibilidade de que cada um goza das próprias faculdades e
energias, todavia enquanto necessário, é regulado pela obrigação grave que
pende sobre cada um de «conservar a vida»; «daqui nasce por necessária
consequência — conclui o Papa — o direito de procurar os meios de sustento,
que, para a gente pobre, se reduzem ao salário do próprio trabalho» 24.
O salário deve ser suficiente para manter o
operário e a sua família. Se o trabalhador, «pressionado pela necessidade, ou
pelo medo do pior, aceita contratos mais duros porque impostos pelo
proprietário ou pelo empresário, e que, por vontade ou sem ela, devem ser
aceites, é claro que sofre uma violência, contra a qual a justiça protesta» 25.
Queira Deus que estas palavras, escritas
enquanto crescia o que foi chamado «capitalismo selvagem», não tenham hoje de
ser repetidas com a mesma severidade. Infelizmente ainda hoje é frequente
encontrar casos de contratos entre patrões e operários, nos quais se ignora a
mais elementar justiça, em matéria de trabalho de menores ou feminino, dos
horários de trabalho, do estado higiénico dos locais de trabalho, e da legítima
retribuição. E isto não obstante as Declarações e Convenções internacionais
sobre o assunto 26, e as próprias
leis internas dos Estados. O Papa atribuía à «autoridade puíblica», o «estrito
dever» de cuidar adequadamente do bem-estar dos trabalhadores, porque se o não
fizesse, ofenderia a justiça; não hesitava mesmo em falar de «justiça
distributiva» 27.
9. A tais direitos, Leão XIII junta outro,
sempre a propósito da condição operária, que considero necessário recordar
expressamente, devido à importância que tem: é o direito de cumprir livremente
os deveres religiosos. O Papa quis proclamá-lo no mesmo contexto dos outros
direitos e deveres dos operários, e isso não obstante o clima geral que, também
no seu tempo, considerava certas questões como pertencentes exclusivamente ao
âmbito individual. Ele afirma a necessidade do repouso festivo, a fim de que o
homem seja levado ao pensamento dos bens celestes e ao culto devido à majestade
divina 28. Deste direito,
radicado num mandamento, ninguém pode privar o homem: «a ninguém é lícito
violar impunemente a dignidade do homem, e o Estado deve assegurar ao operário
o exercício dessa liberdade» 29.
Não se equivocaria quem visse, nesta clara
afirmação, o gérmen do princípio do direito à liberdade religiosa, que foi
depois objecto de muitas Declarações solenes e Convenções internacionais 30, bem como da nossa Declaração conciliar e
do meu constante ensinamento 31.
A propósito, devemos interrogar-nos se os dispositivos legais vigentes e a
práxis das sociedades industrializadas asseguram hoje efectivamente o exercício
do direito elementar ao repouso festivo.
10. Outra nota importante, rica de
ensinamentos para os nossos dias, é a concepção das relações entre o Estado e
os cidadãos. A Rerum novarum critica
os dois sistemas sociais e económicos: o socialismo e o liberalismo. Ao
primeiro, é dedicada a parte inicial, na qual se reafirma o direito à
propriedade privada; ao segundo, não se dedica nenhuma secção especial, mas —
facto merecedor de atenção — inserem-se as críticas, quando se aborda o tema
dos deveres do Estado 32. Este
não pode limitar-se a «providenciar a favor de uma parte dos cidadãos», isto é,
a rica e próspera, nem pode «transcurar a outra», que representa sem dúvida a
larga maioria do corpo social; caso contrário, ofende-se a justiça, que quer
que se dê a cada um o que lhe pertence. «Todavia, na tutela destes direitos
pessoais, tenha-se uma atenção especial com os débeis e os pobres. A classe dos
ricos, forte por si mesma, tem menos necessidade de defesa pública; a classe
proletária, carente de um apoio próprio, tem uma necessidade especial de o
procurar na protecção do Estado. Por isso aos operários, que se contam no
número dos débeis e necessitados, o Estado deve preferentemente dirigir os seus
cuidados e as suas providências» 33.
Estes passos têm hoje valor sobretudo em
face das novas formas de pobreza existentes no mundo, tanto mais que são
afirmações que não dependem de uma determinada concepção do Estado nem de uma
particular teoria política. O Papa reafirma um princípio elementar de qualquer
sã organização política, ou seja, os indivíduos quanto mais indefesos aparecem
numa sociedade, tanto mais necessitam da atenção e do cuidado dos outros e,
particularmente da intervenção da autoridade pública.
Deste modo o princípio, que hoje designamos
de solidariedade, e cuja validade, quer na ordem interna de cada Nação, quer na
ordem internacional, sublinhei na Sollicitudo
rei socialis 34, apresenta-se
como um dos princípios basilares da concepção cristã da organização social e
política. Várias vezes Leão XIII o enuncia, com o nome «amizade», que
encontrámos já na filosofia grega; desde Pio XI é designado pela expressão mais
significativa «caridade social», enquanto Paulo VI, ampliando o conceito na
linha das múltiplas dimensões actuais da questão social, falava de «civilização
do amor» 35.
11. A releitura da Encíclica à luz da
realidade contemporânea, permite apreciar a constante preocupação e dedicação
da Igreja a favor daquelas categorias de pessoas, que são objecto de
predilecção por parte do Senhor Jesus. O próprio conteúdo do texto é um
testemunho excelente da continuidade, na Igreja, daquela que agora se designa
«opção preferencial pelos pobres», opção que defini como «uma forma especial de
primado na prática da caridade cristã» 36.
A Encíclica sobre a «questão operária» é, pois, um documento sobre os pobres, e
sobre a terrível condição à qual o novo e não raramente violento processo de
industrialização reduzira enormes multidões. Também hoje, numa grande parte do
mundo, semelhantes processos de transformação económica, social e política
produzem os mesmos males.
Se Leão XIII recorre ao Estado para dar o justo
remédio à condição dos pobres, é porque reconhece oportunamente que o Estado
tem o dever de promover o bem comum, e de procurar que os diversos âmbitos da
vida social, sem excluir o económico, contribuam para realizar aquele, embora
no respeito da legítima autonomia de cada um deles. Isto, contudo, não deve
fazer pensar que, para o Papa Leão XIII, toda a solução da questão social se
deverá esperar do Estado. Pelo contrário, ele insiste várias vezes sobre os
necessários limites à intervenção do Estado e sobre o seu carácter
instrumental, já que o indivíduo, a família e a sociedade lhe são anteriores, e
ele existe para tutelar os direitos de um e de outras, e não para os sufocar 37.
A ninguém escapa a actualidade destas
reflexões. Sobre o importante tema dos limites inerentes à natureza do Estado,
convirá voltar mais adiante. De momento, os pontos sublinhados, não certamente
os únicos da Encíclica, põem-se na continuidade do Magistério social da Igreja
e à luz também de uma sã concepção da propriedade privada, do trabalho, do
processo económico, da realidade do Estado e, acima de tudo, do próprio homem.
Outros temas serão depois mencionados, ao examinar alguns aspectos da realidade
contemporânea; mas será conveniente desde já ter presente que aquilo que serve
de trama e, em certo sentido, de linha condutora à Encíclica, e a toda a
doutrina social da Igreja, é a correcta concepção da pessoa humana e do seu
valor único, enquanto «o homem (è) a única criatura sobre a terra a ser querida
por Deus por si mesma». Nele gravou a Sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,
26), conferindo-lhe uma dignidade incomparável, sobre a qual a Encíclica
retorna várias vezes. Com efeito, além dos direitos que cada homem adquire com
o próprio trabalho, existem direitos que não são correlativos a qualquer obra
por ele realizada, mas derivam da sua dignidade essencial de pessoa.
II.
RUMO ÀS "COISAS NOVAS" DE HOJE
12. A comemoração da Rerum novarum não seria adequada, se não olhasse também à situação
de hoje. Já no seu conteúdo, o Documento se presta a uma tal consideração,
porque o quadro histórico e as previsões, aí delineadas, se revelam, à luz de
quanto aconteceu no período sucessivo, surpreendentemente exactas.
Isto foi confirmado de modo particular
pelos acontecimentos dos últimos meses do ano de 1989 e dos primeiros de 1990.
Estes e as consequentes transformações radicais só se explicam com base nas
situações anteriores, que em certa medida tinham materializado e
institucionalizado as previsões de Leão XIII e os sinais, cada vez mais
inquietantes, observados pelos seus sucessores. Aquele Pontífice, com efeito,
previa as consequências negativas, sobre todos os aspectos — político, social e
económico — de uma organização da sociedade, tal como a propunha o
«socialismo», que então estava ainda no estado de filosofia social e de
movimento mais ou menos estruturado. Alguém poderia admirar-se do facto de que
o Papa começasse pelo «socialismo», a crítica das soluções que se davam à
«questão operária», quando ele ainda não se apresentava — como depois aconteceu
— sob a forma de um Estado forte e poderoso, com todos os recursos à
disposição. Todavia Leão XIII mediu bem o perigo que representava, para as massas,
a apresentação atraente de uma solução tão simples quão radical da «questão
operária». Isto torna-se tanto mais verdadeiro se se considera em função da
pavorosa situação de injustiça em que jaziam as massas proletárias, nas Nações
há pouco industrializadas.
Ocorre aqui sublinhar duas coisas: por um
lado, a extraordinária lucidez na apreensão, em toda a sua crueza, da
verdadeira condição dos proletários, homens, mulheres e crianças; por outro
lado, a não menor clareza com que intuiu o mal de uma solução que, sob a
aparência de uma inversão das posições de pobres e ricos, redundava de facto em
detrimento daqueles mesmos que se propunha ajudar. O remédio revelar-se-ia pior
que a doença. Individuando a natureza do socialismo de então, como sendo a supressão
da propriedade privada, Leão XIII atingia o fundo da questão.
As suas palavras merecem ser relidas com
atenção: «Para remediar este mal (a injusta distribuição das riquezas e a
miséria dos proletários), os socialistas excitam, nos pobres, o ódio contra os
ricos, e defendem que a propriedade privada deve ser abolida, e os bens de cada
um tornarem-se comuns a todos (...), mas esta teoria, além de não resolver a
questão, acaba por prejudicar os próprios operários, e é até injusta por muitos
motivos, já que vai contra os direitos dos legítimos proprietários, falseia as
funções do Estado, e subverte toda a ordem social» 39. Não se poderia indicar melhor os males derivados da
instauração deste tipo de socialismo como sistema de Estado: aquele tomaria o
nome de «socialismo real».
13. Aprofundando agora a reflexão
delineada, e fazendo ainda referência ao que foi dito nas Encíclicas Laborem exercens e
Sollicitudo rei socialis, é preciso acrescentar que o erro fundamental do
socialismo é de carácter antropológico. De facto, ele considera cada homem
simplesmente como um elemento e uma molécula do organismo social, de tal modo
que o bem do indivíduo aparece totalmente subordinado ao funcionamento do
mecanismo económico-social, enquanto, por outro lado, defende que esse mesmo
bem se pode realizar prescindindo da livre opção, da sua única e exclusiva
decisão responsável em face do bem ou do mal. O homem é reduzido a uma série de
relações sociais, e desaparece o conceito de pessoa como sujeito autónomo de
decisão moral, que constrói, através dessa decisão, o ordenamento social. Desta
errada concepção da pessoa, deriva a distorção do direito, que define o âmbito
do exercício da liberdade, bem como a oposição à propriedade privada. O homem,
de facto, privado de algo que possa «dizer seu» e da possibilidade de ganhar
com que viver por sua iniciativa, acaba por depender da máquina social e
daqueles que a controlam, o que lhe torna muito mais difícil reconhecer a sua
dignidade de pessoa e impede o caminho para a constituição de uma autêntica
comunidade humana.
Pelo contrário, da concepção cristã da
pessoa segue-se necessariamente uma justa visão da sociedade. Segundo a Rerum novarum e toda a doutrina social
da Igreja, a sociabilidade do homem não se esgota no Estado, mas realiza-se em
diversos aglomerados intermédios, desde a família até aos grupos económicos,
sociais, políticos e culturais, os quais, provenientes da própria natureza
humana, estão dotados — subordinando-se sempre ao bem comum — da sua própria
autonomia. É o que designei de «subjectividade» da sociedade, que foi anulada
pelo «socialismo real» 40.
Se se questiona ulteriormente onde nasce
aquela errada concepção da natureza da pessoa e da subjectividade da sociedade,
é necessário responder que a sua causa primeira é o ateísmo. É na resposta ao
apelo de Deus, contido no ser das coisas, que o homem toma consciência da sua
dignidade transcendente. Cada homem deve dar esta resposta, na qual se encontra
o clímax da sua humanidade, e nenhum mecanismo social ou sujeito colectivo o
pode substituir. A negação de Deus priva a pessoa do seu fundamento e
consequentemente induz a reorganizar a ordem social, prescindido da dignidade e
responsabilidade da pessoa.
O referido ateísmo está, aliás,
estritamente conexo com o racionalismo iluminístico, que concebe a realidade
humana e social do homem, de maneira mecanicista. Nega-se deste modo a intuição
última sobre a verdadeira grandeza do homem, a sua transcendência relativamente
ao mundo das coisas, a contradição que percebe no seu coração entre o desejo de
uma plenitude de bem e a própria incapacidade de o conseguir e, sobretudo, a
necessidade da salvação que daí deriva.
14. Da mesma raiz ateísta, deriva ainda a
escolha dos meios de acção, própria do socialismo, que é condenada na Rerum novarum. Trata-se da luta de
classes. O Papa — entenda-se! — não pretende condenar toda e qualquer forma de
conflitualidade social. A Igreja sabe bem que, ao longo da história, os
conflitos de interesses entre diversos grupos sociais surgem inevitavelmente, e
que, perante eles, o cristão deve muitas vezes tomar posição decidida e
coerentemente. A Encíclica Laborem
exercens, aliás, reconheceu claramente o papel positivo do conflito, quando
ele se configura como «luta pela justiça social»; e na Quadragesimo anno
escrevia-se: «com efeito, a luta de classes, quando se abstém dos actos de
violência e do ódio mútuo, transforma-se pouco a pouco numa honesta discussão,
fundada na busca da justiça» 42.
O que se condena na luta de classes é
principalmente a ideia de um conflito que não é limitado por considerações de
carácter ético ou jurídico, que se recusa a respeitar a dignidade da pessoa no
outro (e, por consequência, em si próprio), que exclui por isso um entendimento
razoável, e visa não já a formulação do bem geral da sociedade inteira, mas sim
o interesse de uma parte que se substitui ao bem comum e quer destruir o que se
lhe opõe. Trata-se, numa palavra, da representação — no terreno do confronto
interno entre os grupos sociais — da doutrina da «guerra total», que o
militarismo e o imperialismo daquela época impunham no âmbito das relações
internacionais. Tal doutrina substituía a procura do justo equilíbrio entre os
interesses das diversas Nações, pela prevalência absoluta da posição da própria
parte, mediante a destruição da resistência da parte contrária, destruição
realizada com todos os meios, sem excluir o uso da mentira, o terror contra os
civis, as armas de extermínio, que naqueles anos começavam a ser projetadas.
Luta de classes em sentido marxista e militarismo têm, portanto, a mesma raiz:
o ateísmo e o desprezo da pessoa humana, que fazem prevalecer o princípio da
força sobre o da razão e do direito.
15. A Rerum
novarum opõe-se à colectivização pelo Estado dos meios de produção, que
reduziria cada cidadão a uma «peça» na engrenagem da máquina do Estado.
Igualmente critica uma concepção do Estado que deixe totalmente a esfera da
economia fora do seu campo de interesse e de acção. Existe com certeza uma
legítima esfera de autonomia do agir económico, onde o Estado não deve entrar.
Compete a este, porém, a tarefa de determinar o enquadramento jurídico dentro
do qual se desenrolem os relacionamentos económicos, e de salvaguardar deste
modo as condições primárias de uma livre economia, que pressupõe uma certa
igualdade entre as partes, de modo que uma delas não seja de tal maneira mais
poderosa que a outra que praticamente a possa reduzir à escravidão 43.
A este propósito, a Rerum novarum aponta o caminho de justas reformas, que restituam ao
trabalho a sua dignidade de livre actividade do homem. Aquelas implicam uma
tomada de posição responsável por parte da sociedade e do Estado, tendente
sobretudo a defender o trabalhador contra o pesadelo do desemprego. Isto
verificou-se historicamente de dois modos convergentes: ou com políticas
económicas, visando assegurar o crescimento equilibrado e a condição de pleno
emprego; ou com os seguros de desemprego e com políticas de requalificação
profissional capazes de facilitar a passagem dos trabalhadores dos sectores em
crise para outros em expansão.
Além disso, a sociedade e o Estado devem
assegurar níveis salariais adequados ao sustento do trabalhador e da sua
família, inclusive com uma certa margem de poupança. Isto exige esforços para
dar aos trabalhadores conhecimentos e comportamentos melhores, capazes de
tornar o seu trabalho mais qualificado e produtivo; mas requer também uma
vigilância assídua e adequadas medidas legislativas para truncar fenómenos
vergonhosos de desfrute, com prejuízo sobretudo dos trabalhadores mais débeis,
imigrantes ou marginalizados. Decisiva, neste sector, é a função dos
sindicatos, que ajustam os mínimos salariais e as condições de trabalho.
Por último, é necessário garantir o
respeito de horários «humanos» de trabalho e de repouso, bem como o direito de
exprimir a própria personalidade no lugar de trabalho, sem serem violados seja
de que modo for na própria consciência ou dignidade. Faz-se apelo de novo aqui
ao papel dos sindicatos não só como instrumentos de contratação, mas também
como «lugares» de expressão da personalidade dos trabalhadores: aqueles servem
para o desenvolvimento de uma autêntica cultura do trabalho e ajudam os
trabalhadores a participarem de modo plenamente humano na vida da empresa 44.
Para a realização destes objectivos, o
Estado deve concorrer tanto directa como indirectamente. Indirectamente e
segundo o princípio de subsidiariedade, criando as condições favoráveis ao
livre exercício da actividade económica, que leve a uma oferta abundante de
postos de trabalho e de fontes de riqueza. Directamente e segundo o princípio
de solidariedade, pondo, em defesa do mais débil, algumas limitações à
autonomia das partes, que decidem as condições de trabalho, e assegurando em
todo o caso um mínimo de condições de vida ao desempregado 45.
A Encíclica e o Magistério social, a ela
conexo, tiveram uma múltipla influência naqueles anos entre os séculos XIX e
XX. Essa influência é visível em numerosas reformas introduzidas nos sectores
da previdência social, das pensões, dos seguros contra a doença, da prevenção
de acidentes, no quadro de um maior respeito dos direitos dos trabalhadores 46.
16. Tais reformas foram, em parte,
realizadas pelos Estados, mas, na luta para as obter, desempenhou um importante
papel a acção do Movimento operário. Nascido como reacção da consciência moral
contra situações de injustiça e de dano, ele desenvolveu um vasto campo de
actividade sindical, reformista, distante das utopias da ideologia e mais
próxima às carências quotidianas dos trabalhadores e, neste âmbito, os seus
esforços juntaram-se muitas vezes aos dos cristãos para obter o melhoramento
humano das condições de vida dos trabalhadores. Logo a seguir, tal Movimento
foi, em certa medida, dominado por aquela mesma ideologia marxista, contra a
qual se dirigia a Rerum novarum.
Essas mesmas reformas foram também o
resultado de um processo livre de auto-organização da sociedade, com a criação
de instrumentos eficazes de solidariedade, capazes de sustentar um crescimento
económico mais respeitador dos valores da pessoa. Recorde-se aqui a multiforme
actividade, com um notável contributo dos cristãos, na fundação de cooperativas
de produção, de consumo e de crédito, na promoção da instrução popular e
formação profissional, na experimentação de várias formas de participação na
vida da empresa e, em geral, da sociedade.
Se, portanto, olhando ao passado, há motivo
para agradecer a Deus porque a grande Encíclica não ficou privada de
ressonância nos corações e impeliu a uma activa generosidade, todavia é preciso
reconhecer o facto de que o anúncio profético, nela contido, não foi cabalmente
acolhido pelos homens daquele tempo, e precisamente dessa atitude vieram
desgraças muito graves.
(Nota: Revisão da
tradução para português por ama)
____________________________
Notas:
(23) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l.
mem., 129.
(24) Ibid.: l. mem., 130 s.
(25) Ibid.: l. mem., 131.
(26) Cf. Declaratio Universalis de
Hominis Iuribus, anno 1948 habita.
(27) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l.
mem., 121-123.
(28) Cf. Ibid.: l. mem., 127.
(29) Ibid.: l. mem., 126 s.
(30) Declaratio Universalis de Hominis
Iuribus, anno 1948 habita; Declaratio de abolenda quavis forma intolerantiae et
discriminis, quae innituntur in religione vel in propria opinione.
(31) Cf. CONC. OEC. VAT. II, Declaratio
Dignitatis humanae de Libertate religiosa; IOANNES PAULUS PP. II, Epistula ad
Moderatores Nationum (1 Septembrls 1980): AAS 72 (1980), 1252-1260; Nuntius pro
Mundiali Die Paci fovendae dicato 1988: AAS 80 (1988), 278-286.
(32) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l.
mem., 99-105; 130 s.; 135.
(33) Ibid.: l. mem., 125.
(34) Cf. Litt. Enc. Sollicitudo rei
socialis, 38-40: l. mem., 564-569; cf. quoque IOANNES PP. XXIII, Litt. Enc.
Mater et Magistra: l. mem., 407.
(35) Cf. LEO PP. XIII, Litt. Enc. Rerum
novarum: l. mem., 114-116; PIUS PP. XI, Litt. Enc. Quadragesimo anno, III: l.
mem., 208; PAULUS PP. VI, Homilia exeunte Anno Iubilaei (25 Decembris 1975):
AAS 68 (1976), 145; Nuntius pro Mundiali Die Paci fovendae dicato 1977: AAS 68
(1976), 709.
(36) Litt. Enc. Sollicitudo rei socialis, 42:
l. mem., 572.
(37) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l.
mem., 101 s.; 104 s.; 130 s.; 136.
(38) CONC. OEC. VAT. II, Const. past.
Gaudium et spes de Ecclesia in tumido hulus temporis, 24.
(39) Litt. Enc. Rerum novarum: l. mem.,
99.
(40) Cf. LItt. Enc. Sollicitudo rei
socialis, 15, 28: l. mem., 530; 548 s.
(41) Cf. Litt. Enc. Laborem exercens,
11-15: l. mem., 602-618.
(42) PIUS PP. XI, Litt. Enc.
Quadragesimo anno, III: l. mem., 213.
(43) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l.
mem., 121-125.
(44) Cf. Litt. Enc. Laborem exercens,
20: l. mem., 629-632; Allocutio ad Consilium Internationale Laboris (O.I.T.)
habita Genavae (15 Iunii 1982): Insegnamenti V/2 (1982), 2250-2266; PAULUS PP.
VI, Allocutio ad idem Consilium (10 Iunli 1969): AAS 61 (1969), 491-502.
(45) Cf. Litt. Enc. Laborem exercens,
8: l. mem., 594-598.
(46) PIUS PP. XI, Litt. Enc.
Quadragesimo anno: l. mem., 178-181.
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