E
sobre este assunto, nove artigos se discutem:
Art.
1 — Se os anjos foram criados em estado de beatitude.
Art.
2 — Se o anjo precisava da graça para se converter a Deus.
Art.
3 — Se os anjos foram criados em graça.
Art.
4 — Se o anjo bem-aventurado mereceu a sua beatitude.
Art.
5 — Se o anjo possuiu a beatitude imediatamente depois de um ato meritório.
Art.
6 — Se os anjos conseguiram a graça e a glória conforme a quantidade das suas
capacidades naturais.
Art.
7 — Se os anjos beatos conservam o conhecimento e a dileção naturais.
Art.
8 — Se o anjo bem-aventurado pode pecar.
Art.
9 — Se os anjos beatos podem progredir na beatitude.
Art. 1 — Se os anjos foram criados em
estado de beatitude.
(II Sent., dist. IV, a. 1)
O
primeiro discute-se assim. — Parece que os anjos foram criados em estado de
beatitude.
1.
— Pois, como foi dito, os anjos que perseveram na beatitude, na qual foram
criados, não possuem por natureza o bem que têm 1.
Logo, os anjos foram criados em estado de beatitude.
2.
Demais. — A natureza angélica é mais nobre do que a corpórea. Ora, a criatura
corpórea foi imediatamente, desde o princípio, criada, formada e perfeita; nem
a sua formação foi precedida, quanto ao tempo, de um estado informe, mas quanto
à natureza somente, como diz Agostinho 2.
Logo, nem a natureza angélica Deus a criou informe e imperfeita. Mas a formação
e a perfeição dela se realiza pela beatitude, pela qual goza de Deus. Portanto,
foi criada em estado de beatitude.
3.
Demais. — Segundo Agostinho 3,
todas as coisas das quais se lê que foram feitas na obra dos seis dias, o foram
simultaneamente; e é então necessário que todos esses seis dias tenham existido
imediatamente, desde o princípio da criação das coisas. Ora, nesses seis dias,
segundo a exposição de Agostinho, houve o conhecimento angélico matutino pelo
qual os anjos conheceram o Verbo e as coisas, no Verbo. Portanto,
imediatamente, desde o princípio da criação, os anjos conheceram o Verbo e as
coisas, no Verbo. Ora, os anjos beatos são os que vêem o Verbo. Logo,
imediatamente, desde o princípio da criação, os anjos estiveram em estado de
beatitude.
Mas,
em contrário, da natureza da beatitude é a estabilidade ou a confirmação no
bem. Ora, os anjos não foram confirmados no bem, imediatamente, desde que foram
criados, e isso o prova a queda de alguns. Logo, não estiveram, desde a sua
criação, em estado de beatitude.
Por beatitude se entende a última perfeição racional ou intelectual da
natureza; donde vem ser a beatitude naturalmente desejada, pois cada ser
naturalmente deseja a sua última perfeição. Ora, a última perfeição racional ou
intelectual da natureza é dupla. Uma, que pode ser atingida por essa natureza
considerada em si mesma, e essa perfeição se chama, de algum modo, beatitude ou
felicidade. Por onde, a perfeitíssima contemplação do homem, pela qual o ótimo
inteligível, que é Deus, pode ser contemplado nesta vida, Aristóteles a
considera a felicidade última. Mas, acima dessa, há outra felicidade, que
esperamos no futuro, pela qual veremos Deus como Ele é. E esta é superior à
natureza de qualquer intelecto criado, como antes já se demonstrou 4. — Portanto, quanto à primeira beatitude,
que o anjo podia atingir, em virtude de sua natureza, foi criado beato; pois,
essa perfeição o anjo não a adquire por algum movimento discursivo, como o
homem, mas imediatamente lhe é coexistente, pela dignidade da sua natureza,
como antes já se disse 5. Porém,
a beatitude última, excedente à capacidade da sua natureza, os anjos não a
tiveram imediatamente, no princípio da sua criação, porque essa beatitude não é
algo da natureza, senão o fim desta; e, por isso eles não a deviam ter,
imediatamente, desde o princípio.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — No passo citado, beatitude é empregada pela
perfeição natural que o anjo tinha no estado de inocência.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A criatura corporal não podia ter imediatamente, no princípio da
sua criação, a perfeição à qual é levada pela sua operação. Por onde, segundo
Agostinho 6, as plantas não germinaram
da terra, imediatamente, desde as primeiras obras, que deram à terra somente a
virtude germinativa das plantas. E semelhantemente, a criatura angélica, no
princípio da sua criação, teve a perfeição da sua natureza; não porém a
perfeição à qual devia chegar, pela sua operação.
REPOSTA
À TERCEIRA. — O anjo tem duplo conhecimento do Verbo: um natural, outro, pela
glória. Pelo primeiro, conhece o Verbo pela semelhança deste que transluz em a
natureza angélica; pelo segundo, porém, o anjo conhece o Verbo pela sua
essência. E, por um e outro, o anjo conhece as coisas no Verbo;
imperfeitamente, pelo conhecimento natural; perfeitamente, pelo conhecimento da
glória. Ora, o primeiro conhecimento das coisas, no Verbo, os anjos o tiveram
desde o princípio da sua criação; o segundo, porém, só quando se tornaram
beatos pela conversão ao bem. E este é o que propriamente se chama conhecimento
matutino.
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Notas:
1. De Eccles. Dog. (c. XXIX).
2. I Super Gen. ad litteram (cap. XV).
3. IV Super Gen. ad litteram (cap. XXXIV)
4. Q. 12, a. 4.
5. Q. 58, a. 3.
6. De Gen. ad litt., lib. V, c. IV.
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