Em seguida devemos tratar do que respeita à vontade dos
anjos. E, primeiro, trataremos da vontade própria. Segundo, do seu movimento,
que é amor ou dileção.
E, sobre o primeiro ponto, quatro artigos se discutem:
Art. 1. — Se nos anjos há vontade.
Art. 2 — Se nos anjos difere a vontade, do intelecto e
da natureza.
Art. 3 — Se nos anjos há livre arbítrio.
Art. 4 — Se nos anjos há o apetite irascível e o
concupiscível.
Art. 1. — Se nos
anjos há vontade.
(II
Cont. Gent., cap. XLVII; De Verit., q. 23, a. 1)
O primeiro discute-se assim. – Parece que nos anjos não
há vontade.
1. —Porque, como diz o Filósofo, a vontade está na
razão 1. Ora, nos anjos não há
razão, mas algo que lhe é superior. Logo, neles não há vontade, mas algo que
lhe é superior.
2. Demais. — A vontade é uma espécie de apetite, como é
claro pelo Filósofo 2 Ora, este é
de natureza imperfeita, pois se refere ao que ainda não é possuído. Resulta,
logo, que nos anjos não há vontade, porque neles não há, sobretudo nos santos,
nenhuma imperfeição.
3. Demais. — O Filósofo diz que a vontade é um motor
movido, pois é movida pelo objeto apetecível inteligido 3. Ora, os anjos, sendo incorpóreos são
imóveis. Logo neles não há vontade.
Mas, em contrário, diz Agostinho que na alma está a
imagem da Trindade representada pela memória, a inteligência e a vontade 4. Ora, a imagem de Deus se encontra, não só
na alma humana, mas também no espírito angélico, pois também este é capaz de
Deus. Logo, nos anjos há vontade.
É forçoso admitir-se a vontade nos anjos.
Para a evidência do que se deve considerar na procedência de todos os seres, da
vontade divina; todos, a seu modo, mas diversamente, inclinando-se ao bem, pelo
apetite. — Assim, certos buscam o bem pela só tendência natural, sem conhecimento,
como as plantas e os corpos inanimados. E essa inclinação para o bem se chama
apetite natural. — Outros, porém, buscam o bem com algum conhecimento; não, decerto,
conhecendo a própria natureza do bem, mas conhecendo algum bem particular, como
o sentido, que conhece o doce, o branco e coisas semelhantes. E essa inclinação
resultante de tal conhecimento se chama apetite sensitivo. — Outros seres, por
fim, buscam o bem conhecendo-lhe a natureza própria, o que é próprio do
intelecto. E esses buscam-no perfeitissimamente não como somente dirigidos ao
bem por meio de outrem, como os seres sem conhecimento; nem como se fossem dirigidos
somente ao bem particular, como os seres que têm apenas conhecimento sensível;
mas como inclinados que são ao mesmo bem universal. E esta inclinação chama-se vontade.
Donde, conhecendo os anjos, pelo intelecto, a natureza universal do bem, é
manifesto que neles há vontade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Um é o modo pelo
qual a razão transcende o sentido, e outro, aquele pelo qual o intelecto
transcende a razão. A razão transcende o sentido pela diversidade dos objetos
conhecidos: este conhece o particular, aquela, o universal. E, por isso, é
forçoso seja um o apetite próprio à razão, e tendente ao bem universal; outro, o
próprio ao sentido e tendente ao bem particular. O intelecto e a razão, porém
diferem quanto ao modo de conhecer, pois aquele conhece por intuição simples, e
esta, discorrendo de um objeto para outro. Todavia, a razão, pelo discurso, chega
a conhecer o universal, que o intelecto conhece sem discurso. Portanto, o mesmo
é o objeto proposto ao apetite pela razão e pelo intelecto. Por onde, nos
anjos, puras inteligências, não há apetite superior à vontade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora o nome da parte apetitiva
seja derivado de se apetirem as coisas que se não têm, todavia ela estende-se não
só a tais coisas, mas ainda a muitas outras; assim como o nome lápide é
derivado de lesão do pé, sem que, contudo, tal denominação convenha somente à
lápide. Semelhantemente, a potência irascível é assim chamada por causa da ira,
embora compreenda várias outras paixões, como a esperança, a audácia e demais.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz-se que a vontade é um motor
movido porque o querer é um certo movimento e uma certa intelecção; ora, nada
impede que exista nos anjos um tal movimento, que é acto do ser perfeito, como
diz Aristóteles 5.
S. tomás de aquino, Suma Teológica.
(Nota:
Revisão da tradução para português por ama)
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Notas:
1. III De anima (lect. XIV).
2. III De anima (lect. XIV, XV).
3. III De nama (lect. XV).
4. X De Trin. (c. XII).
5. III De anima (lect. XII).
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