13/05/2012

Tratado dos Anjos 39

Questão 59: Da vontade dos anjos. 1

Em seguida devemos tratar do que respeita à vontade dos anjos. E, primeiro, trataremos da vontade própria. Segundo, do seu movimento, que é amor ou dileção.

E, sobre o primeiro ponto, quatro artigos se discutem:

Art. 1. — Se nos anjos há vontade.
Art. 2 — Se nos anjos difere a vontade, do intelecto e da natureza.
Art. 3 — Se nos anjos há livre arbítrio.
Art. 4 — Se nos anjos há o apetite irascível e o concupiscível.

Art. 1. — Se nos anjos há vontade.

(II Cont. Gent., cap. XLVII; De Verit., q. 23, a. 1)

O primeiro discute-se assim. – Parece que nos anjos não há vontade.

1. —Porque, como diz o Filósofo, a vontade está na razão 1. Ora, nos anjos não há razão, mas algo que lhe é superior. Logo, neles não há vontade, mas algo que lhe é superior.

2. Demais. — A vontade é uma espécie de apetite, como é claro pelo Filósofo 2 Ora, este é de natureza imperfeita, pois se refere ao que ainda não é possuído. Resulta, logo, que nos anjos não há vontade, porque neles não há, sobretudo nos santos, nenhuma imperfeição.

3. Demais. — O Filósofo diz que a vontade é um motor movido, pois é movida pelo objeto apetecível inteligido 3. Ora, os anjos, sendo incorpóreos são imóveis. Logo neles não há vontade.

Mas, em contrário, diz Agostinho que na alma está a imagem da Trindade representada pela memória, a inteligência e a vontade 4. Ora, a imagem de Deus se encontra, não só na alma humana, mas também no espírito angélico, pois também este é capaz de Deus. Logo, nos anjos há vontade.

É forçoso admitir-se a vontade nos anjos. Para a evidência do que se deve considerar na procedência de todos os seres, da vontade divina; todos, a seu modo, mas diversamente, inclinando-se ao bem, pelo apetite. — Assim, certos buscam o bem pela só tendência natural, sem conhecimento, como as plantas e os corpos inanimados. E essa inclinação para o bem se chama apetite natural. — Outros, porém, buscam o bem com algum conhecimento; não, decerto, conhecendo a própria natureza do bem, mas conhecendo algum bem particular, como o sentido, que conhece o doce, o branco e coisas semelhantes. E essa inclinação resultante de tal conhecimento se chama apetite sensitivo. — Outros seres, por fim, buscam o bem conhecendo-lhe a natureza própria, o que é próprio do intelecto. E esses buscam-no perfeitissimamente não como somente dirigidos ao bem por meio de outrem, como os seres sem conhecimento; nem como se fossem dirigidos somente ao bem particular, como os seres que têm apenas conhecimento sensível; mas como inclinados que são ao mesmo bem universal. E esta inclinação chama-se vontade. Donde, conhecendo os anjos, pelo intelecto, a natureza universal do bem, é manifesto que neles há vontade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Um é o modo pelo qual a razão transcende o sentido, e outro, aquele pelo qual o intelecto transcende a razão. A razão transcende o sentido pela diversidade dos objetos conhecidos: este conhece o particular, aquela, o universal. E, por isso, é forçoso seja um o apetite próprio à razão, e tendente ao bem universal; outro, o próprio ao sentido e tendente ao bem particular. O intelecto e a razão, porém diferem quanto ao modo de conhecer, pois aquele conhece por intuição simples, e esta, discorrendo de um objeto para outro. Todavia, a razão, pelo discurso, chega a conhecer o universal, que o intelecto conhece sem discurso. Portanto, o mesmo é o objeto proposto ao apetite pela razão e pelo intelecto. Por onde, nos anjos, puras inteligências, não há apetite superior à vontade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora o nome da parte apetitiva seja derivado de se apetirem as coisas que se não têm, todavia ela estende-se não só a tais coisas, mas ainda a muitas outras; assim como o nome lápide é derivado de lesão do pé, sem que, contudo, tal denominação convenha somente à lápide. Semelhantemente, a potência irascível é assim chamada por causa da ira, embora compreenda várias outras paixões, como a esperança, a audácia e demais.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz-se que a vontade é um motor movido porque o querer é um certo movimento e uma certa intelecção; ora, nada impede que exista nos anjos um tal movimento, que é acto do ser perfeito, como diz Aristóteles 5.

S. tomás de aquino, Suma Teológica.

(Nota: Revisão da tradução para português por ama)
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Notas:
1. III De anima (lect. XIV).
2. III De anima (lect. XIV, XV).
3. III De nama (lect. XV).
4. X De Trin. (c. XII).
5. III De anima (lect. XII).

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