08/06/2011

Restaurar a esperança dos portugueses

Observando

Recordo-me de uma expressão que ouvi há uns 20 anos atrás ao Cardeal Poupard, então presidente do Dicastério da Cultura, no Vaticano.

A frase que me marcou profundamente até hoje, e que recordo no momento muito especial que vivemos em Portugal, é mais ou menos a seguinte: “A Esperança é a virtude estratégica dos tempos trágicos”.
O Papa Bento XVI recorda-no-lo vigorosamente na sua Carta Encíciclica Spe Salvi, de 30 de novembro de 2007.
Na sua Carta Encíclica diz-nos o Sumo Pontífice: “A redenção é-nos oferecida no sentido que nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho.”
Muita água já passou por debaixo da ponte das eleições de ontem, 5 de Junho.
E muito mais água passará, para gáudio da comunicação social e terapia dos analistas políticos.
Pelo meu lado, gostaria apenas de sublinhar que nestas eleições, em tempo verdadeiramente crítico, senão trágico, para a comunidade nacional, se vê restaurada a esperança dos portugueses, levantada a alma lusa, retomada a consciência de que poderemos vencer a adversidade apesar, e sem embargo, da troika.
É esta uma das vantagens óbvias do regime democrático.
Quando a usura do poder faz evidenciar os seus efeitos, seja pelo autismo no modo como ele é exercido, seja pela sobranceria no seu exercício prolongado, o povo tem o poder de, brandindo a “arma” ao seu dispor – o voto, proclamar a alternância democrática e de, por essa via, pôr cobro às derivas de governação.
E, acrescente-se, o povo português tem revelado uma extraordinária sabedoria sempre que é chamado a decidir, ao longo dos últimos 37 anos de vivência democrática.
Serve esta lição não apenas para os que, contundentemente derrotados, deixam a esfera do poder. Mas, constitui igualmente matéria de profunda reflexão – e de aviso – para aqueles que se veem investidos na nobilíssima tarefa de, em confortável maioria parlamentar, se ocuparem da res publica a partir de agora.
Mas de que Esperança anseiam os portugueses?
Primeiro, uma Esperança de estabilidade política... e social. O povo português não criou, nem desejou, a crise política que levou à convocação de eleições antecipadas, ainda antes de cumprida metade da legislatura. Castigou exemplarmente os seus fautores e deu um sinal inequívoco de ambicionar viver em ambiente sereno para fazer face, com rigor e parcimónia, aos difíceis desafios que enfrenta. Mais, o resultado das eleições deve ainda ser interpretado como um sério aviso àqueles que, falhos de outros argumentos, ameaçam novamente com a agitação social e as ações de rua para fazerem ouvir vozes minoritárias, na pueril presunção de que os portugueses se deixarão intimidar ou assustar com vozearias incongruentes.
Segundo, uma Esperança de reequilíbrio em valores de humanidade e de convivialidade que respeitam a raiz cultural e espiritual do modo de ser lusitano, após um período de teses “fraturantes” esgrimidas ao sabor de conveniências conjunturais da política, entendida esta em termos oportunistas e desagregadoras dos alicerces da sociedade, ditados por mero capricho faccioso. Importa reafirmar bem alto a Esperança num tempo mais ético, e coerente com os valores humanistas e cristãos que desde sempre suportam a matriz civilizacional de Portugal.
Terceiro, uma Esperança em sinais de futuro, luzes ao fundo do túnel, que nas sábias palavras de Bento XVI, acima citadas, permitam suportar as canseiras do presente em nome de uma visão mobilizadora de um novo tempo de prosperidade. A Esperança é, pois, a virtude estratégica dos portugueses para alimentar a coragem e a determinação em virar esta folha delicada do seu livro de nove centúrias.
A crise foi praticamente uma constante na história destes 900 anos. Mas, mais forte do que a crise que nos assolou em quase permanência, a memória nacional regista sobretudo a vontade inquebrantável de a ultrapassar, de fazer dela uma oportunidade para renascer e se recriar, como comunidade soberana e como nação independente.
Sublinho, para remate, que o cristão é portador de uma especial e irrenunciável responsabilidade neste tempo de grande exigência.
O cristão é, por mandato e por missão, portador da Esperança; do mesmo passo que a Igreja que, para ser verdadeiramente Ecclesia, tem de ser profética.
Compete-nos, pois, dar testemunho vivo e inequívoco sendo “sal da terra” e “consciência” profética da sociedade em que labutamos e vivemos.
Há apenas dois dias atrás, num notável pronunciamento feito no Teatro Nacional de Zagreb, Croácia, o Papa dizia: “A qualidade da vida social e civil, a qualidade da democracia dependem em grande parte deste ponto «crítico» que é a consciência, de como a mesma é entendida e de quanto se investe na sua formação (...) se a consciência é descoberta novamente como lugar da escuta da verdade e do bem, lugar da responsabilidade diante de Deus e dos irmãos em humanidade – que é a força contra toda a ditadura – então há esperança para o futuro.”
Confiemos, pois, e afirmemos com vigor a nossa “conscienciosa” Esperança cristã no futuro da nação portuguesa.

roberto carneiro, Ecclesia, 2011.06.07

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