Parece que a oração não deve ser vocal:
1. Com efeito, a oração dirige-se principalmente a Deus. Ora, ele conhece as palavras do coração. Logo, é inútil empregar a oração vocal.
2. Além disso, a alma do homem deve elevar-se a Deus. Ora, as palavras impedem o homem de elevar-se à contemplação de Deus, como também as demais coisas sensíveis. Logo, não se devem usar palavras na oração.
3. Ademais, a oração deverá ser feita a Deus ocultamente, segundo o Evangelho de Mateus: “Quando orares, entra no teu aposento, fecha a porta, e ora ao teu Pai em oculto” (6, 6). Ora, pela palavra a oração se torna conhecida. Logo, a oração não deve ser vocal.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o Salmista: “Pela minha palavra clamei ao Senhor, pela minha palavra supliquei ao Senhor” (Sl 141, 2).
A oração é colectiva ou particular. A oração colectiva é a que é oferecida a Deus pelos ministros da Igreja em nome de todo o povo fiel. Assim sendo, é necessário que ela seja conhecida por todo o povo, em cujo nome é proferida, o que é possível pela oração vocal. Por isso, com razão foi instituído que os ministros da Igreja pronunciem essa oração também em voz elevada, para que ela possa ser ouvida por todos.
A oração particular é a que é oferecida por uma pessoa singular, quer na intenção de si mesma, quer na de outros. E não é necessário que a oração particular seja vocal. Por três razões, no entanto, a palavra é a ela acrescentada.
Primeiro: para excitar a devoção interior pela qual a mente de quem ora se eleva para Deus. Os sinais exteriores, quer os sonoros, quer os expressos de outros modos, movem a mente pelo conhecimento, e, em consequência, pela afeição. Donde Agostinho escrever: “Pelas palavras ou por outros sinais, nós mesmos nos excitamos para o aumento dos santos desejos”. Por isso, na oração particular, quer pelas palavras, quer por outros sinais, esses devem ser usados enquanto aumentam a devoção interior. Mas, se tais sinais nos distraem ou nos servem de impedimento para a devoção, eles devem ser afastados. Devem ser principalmente afastados daqueles cuja mente, sem esses sinais, já está suficientemente acostumada à devoção. Assim diz o Salmista: “Disse-te em meu coração: meu rosto te procura’. Ademais, é dito de Ana que “falava em seu coração” (1Re 1, 13).
Segundo: a palavra é acrescentada à oração particular para satisfação de uma dívida, isto é, que o homem sirva a Deus, mediante tudo aquilo que recebeu de Deus, não só pela alma mas também pelo corpo. Isso compete sobretudo à oração satisfatória. Por isso, diz o livro de Oseias: “Afasta toda iniquidade e recebe o bem; assim oferecemos o sacrifício dos nossos lábios”.
Terceiro: é acrescentada a palavra à oração, por certa redundância da alma no corpo causada por uma grande afeição. O Salmista diz a respeito: “Alegrou-se o meu coração, e a minha língua exultou” (15, 9).
Suma Teológica, ST II-II, 83, 12
Quanto às objecções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. A oração vocal não é feita para que algo desconhecido seja manifestado a Deus, mas para que a mente de quem ora e a dos outros se elevem para Ele.
2. As palavras referentes a outras coisas distraem a mente de quem ora e impedem-lhe a devoção. Mas as palavras devotas excitam as mentes, sobretudo as mentes que não possuem muita devoção.
3. Como diz São João Crisóstomo: “O Senhor não quer que se participe da oração colectiva com a intenção de ser visto pelos outros. Por isso, quem ora não deve manifestar extravagâncias que os homens observam, ou clamando, ou batendo no peito, ou elevando as mãos”. A respeito, escreve Agostinho: “Não é mau que sejamos vistos pelos homens; mas fazer alguma coisa com intenção de sermos vistos por eles”.
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