13/04/2011

Deus que se revela nos outros

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Temos de um modo geral todos nós, uma grande facilidade em julgarmos os outros, em estabelecermos parâmetros e “verdades” sobre os demais, convencendo-nos que eles são exactamente como nós os vemos e sentimos.

Poderíamos olhar para nós verdadeiramente, e logo perceberíamos que, a face que apresentamos não reflecte a maior parte das vezes a nossa interioridade, e muito mais até, quando nos referimos à nossa prática religiosa.

E é bem verdade que devíamos, devemos, ser testemunhas a todo o tempo do dom da Fé que nos foi dado, da alegria da vida que em nós foi criada, da certeza de sabermos, acreditarmos que o nosso Deus está sempre connosco, mas a verdade é que há sempre uma parte da nossa relação com Deus que apenas exprimimos na nossa intimidade com Ele.

Os momentos de oração em que sozinhos com Deus, nos baixamos na nossa fraqueza para subirmos até Ele, (mesmo em momentos de aridez), ficam nos nossos corações, e não somos capazes, a maior parte das vezes, de os transmitir, não só pela incapacidade das palavras, mas também para preservamos em nós essa doce alegria de olharmos humildemente nos olhos de Deus e nos sentirmos profundamente amados, amando-O com o Seu amor.

É assim muito fácil para os outros, (tal como nós fazemos em relação a eles), fazerem juízos sobre nós, sobre os nossos procedimentos, sobre como tantas vezes parece que o que dizemos, que o que apregoamos, não coincide com o que fazemos, com o que praticamos.

E então estabelecemos padrões, considerando que uns são orgulhosos e vaidosos, outros são falsos, outros apenas querem dar nas vistas, outros ainda nada sabem, nem têm conhecimentos, não cuidando de percebermos se essas fraquezas que lhes apontamos não são afinal um “espinho carne” 2 Cor12,7, que eles diariamente confrontam e combatem, por vezes com um esforço heróico que os leva a abdicarem de si, do seu conforto, para entregarem a Deus o seu sacrifício em penitência pelas suas fraquezas.

Sabemos lá nós dos caminhos de amor que Deus coloca a cada um, servindo-se das fraquezas, para fortalecer as forças, servindo-se do orgulho, para lutarmos pela humildade, servindo-se dum feitio adverso, para construir a Sua vontade?

É tão fácil julgar os outros, não sabendo das suas lutas diárias, da sua dedicação e empenho à conversão, das suas desilusões e tristezas quando em determinados momentos perdem essa luta, e têm de recomeçar de novo!

Resta-nos e consola-nos o amor de Deus, que quando caímos nos vai dizendo em cada momento:
«Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar.» Jo 8,11

Vem isto tudo a propósito de recentemente ter tido conhecimento, que uma determinada pessoa que muito bem conheci, já falecida, lutava diariamente com as suas fraquezas, com o seu especial modo de ser, e que, num amor profundo aos seus mais chegados, foi capaz de se entregar sem medida para combater as suas fraquezas e para se dar em sofrimento pela salvação dos seus.

Essa pessoa foi capaz de, (depois de ter consultado o seu director espiritual), usar um cilício à volta da cintura, bem como flagelar-se, não como um uso espúrio do sofrimento sem sentido, mas forçosamente para se unir à Paixão de Cristo, como expiação das suas faltas e sobretudo entregando-se pela salvação dos seus.

E eu, no meu íntimo, “julguei” muito essa pessoa, o seu feitio, a sua maneira de ser, e não fui capaz de reconhecer as provações, as dificuldades, que um tal modo de ser acarreta a quem quer fazer e viver a vontade de Deus no dia-a-dia.

Não fui capaz de reconhecer que muito mais do que pedir por uma boa vida, (ao jeito do mundo), para quem se gosta, é pedir uma vida com Deus e para Deus, que dá tudo o que precisamos do mundo, e dá o todo que vai para além do mundo.

Nunca é tarde para percebermos o que devemos mudar em nós.
Nunca é tarde para percebermos que não devemos julgar, porque nunca vemos o todo daquele que julgamos.
Nunca é tarde para reconhecermos que errámos, e pedirmos perdão a Deus e a aquele a quem julgámos, mesmo que já não esteja entre nós.

Dou graças a Deus por me ter revelado este facto, e por ter colocado na minha vida essa pessoa que assim me ensina, ainda, a ser melhor, e a procurar o bem para os outros e para mim, aceitando e tentando dar de mim, tudo o que for da vontade de Deus.



Monte Real, 12 de Abril de 2011
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1 comentário:

  1. Sei quem é a "pessoa" a que o Joaquim se refere e, por isso, compreendo muito bem o que escreve.

    Também eu fiquei surpreendido e pesaroso de ter, tantas vezes, deixado de "ver" o que não era aparente devido à modéstia, reserva, dignidade e pudor da pessoa em causa.

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