Tempo de Quaresma |
Foi com muito gosto que te acompanhei na visita para a qual me convidaras já há algum tempo. Desde logo fiquei espantado com a tua entrega ao exercício no Health Club de que és sócio. O nome destes modernos templos da cultura física é muito in e claro está que se lhes chamassem clubes de saúde ninguém lá punha os pés. Das sessões nas máquinas de musculação ao tapete rolante e da piscina aos furiosos jogos de squash, é admirável ver como cuidas do corpinho que Deus te deu e é invejável o teu diâmetro onde habitualmente os homens da tua idade têm o pneu, para não falar dos teus 70 quilos mais coisa menos coisa. Tomas a forma física muito a sério, mas acho que foste um bocado maldoso quando me mostraste as senhoras já de uma certa idade deliciadas com a sua hidro-ginástica e me disseste que o principal efeito nelas é abrir-lhes o apetite, a avaliar pelos lautos lanches com que costumam complementar as sessões.
Também me contaste coisas interessantes, como naquele jogging que fazes de uma légua, mas ao ar livre: naturalmente que não tens pachorra para fazeres essa distância na passadeira e preferes o ar livre. Naquela ocasião ias todo lançado na corrida, quando pára um carro com um casal de velhinhos que, condoídos com o teu esforço, te oferecem boleia! Não estás muito certo se eles perceberam mesmo que corrias por gosto, que não estavas atrasado e nem sequer ias a parte alguma... Admirados com a tua gentil recusa, lá seguiram incrédulos o seu caminho. Outra foi a da tua tia que fez aquele tratamento para esticar a pele. Parece que os médicos exageraram e agora a pobre da senhora, afirmavas tu, de cada vez que se senta abre a boca.
Devo dizer-te, entretanto, que fiquei muito contente quando me contaste do que te tinhas decidido fazer nesta Quaresma. Achaste que estas penitências para bem do teu corpo estavam a precisar de uns cuidados paralelos para a alma, e resolveste-te a fazer aquilo que dantes se chamava a desobriga: a confissão anual. E isto, dizias-me, é só para começar, pois nem te parecia muito bem, em coisa de tanto valor, ficares-te pelos serviços mínimos, como se faz quando há greves. E depois vieste-me com uma comparação que me deixou de boca aberta: o procedimento para as caixas negras dos aviões quando há um acidente. Uma das principais preocupações, depois dos socorros a sobreviventes, se os há, é encontrar a caixa negra, esse receptáculo super resistente, habitualmente colocado perto da cauda – o local que por regra menos danos sofre na queda de aviões – onde se guardam os registos do que se passou nos momentos anteriores ao acidente para se tentar averiguar o que realmente aconteceu. A ideia, obviamente, é tentar corrigir de futuro o que correu mal para evitar novos acidentes. E a tua ideia, dizias-me, era fazer um exame de consciência em condições... como se faz, e com iguais objectivos, às caixas negras.
Isso tudo me pareceu muito bem, mas deixa-me que te diga uma coisa, se é que não sabes: essas famosas caixas negras, de negras só têm o nome, pois se pintam de uma vistosa... cor de laranja.
fernando sena esteves
INFORMAÇÕES MUITO BREVES [De vez em quando] 30.03.2011
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