‘Morri’!!!
Sonhei com a minha morte e,
de certa forma bizarra, percebi que estava a ficar preocupado com algo que,
sei, vai acontecer: o “interrogatório” que o Senhor me fará!
O que vou responder? Como
vou responder? Penso que poderia usar um pequeno (grande) “truque” e usar as
palavras de Pedro: «Tu, Senhor, Tu sabes tudo! Porque me interrogas?»
Mas, talvez, Ele vá insistir
em obter respostas concretas.
Tenho ali, a meu lado, o meu
Anjo da Guarda e olho para ele num apelo mudo e um pouco aflito. Inclina-se
sobre o meu ombro e segreda-me: ‘Ne timeas…’
Assim, de repente, penso que
isso é bem fácil de dizer, mais a mais a um Anjo: Não temas! Grande coisa!!!
Não tive tempo de lhe
explicar que não tenho medo, sim… na verdade, não tenho medo! Tenho a convicção
absoluta que este chamamento final, derradeiro, do Senhor se deve à Sua
Misericórdia. Muito provavelmente terá decidido fazê-lo pensando: ‘Chamemos
este desgraçado antes que faça mais disparates!!!’
Ou seja… provavelmente não
estava “pronto”, quero dizer, não tinha tudo em ordem, arrumado, muito
certinho… seria só chegar ali e mostrar-me, abrir o livro e… pronto…
Mas… não! O livro é Ele Quem
o tem nas Suas mãos.
Tem setenta e tal páginas
escritas em letra bem nítida e compreensível.
Consigo ver muitos pontos de
exclamação e, isto, preocupa-me um pouco porque não sei se se devem a uma
apreciação positiva ou negativa.
Depois vejo a Senhora!
Radiante, linda, sereníssima.
Tem um enorme marcador verde
na mão direita e, debruçando-se sobre o livro começa a sublinhar frases
inteiras, às vezes, períodos extensos.
Fico fascinado e expectante
enquanto a Senhora, tranquilamente, vai passando página após página sempre sublinhando,
sem qualquer hesitação palavras após palavras.
De soslaio olho para o meu
Anjo que me sorri de volta: ‘Ne timeas…’
O Filho não diz nada,
observa atentamente a “tarefa” da Sua Mãe. Parece-me que já está habituado a
estas coisas e, espera, pacientemente, até que, nas Suas mãos, fica um livro
cheio de marcas verdes. Uma coisa inacreditável!
Fico, também, calado, pois
que hei-de eu dizer?
Finalmente, este maravilhoso
interregno, acaba e, eu, fico à espera do tal “interrogatório”.
Mas… O Senhor, não diz nada.
Fecha o livro e entrega-o ao meu Anjo para que o guarde na grande Estante dos
Livros da Vida dos Homens.
Olha para mim uns
brevíssimos momentos como se uma pequena hesitação o assaltasse, mas, logo de
imediato, estende-me a Sua Mão e diz-me simplesmente: ‘Vem!’)
Apercebo-me sem dificuldade
que faz todo o sentido a presença da Mãe. De facto, ela tem muito a ver com
tudo o que se passa com a humanidade. Afinal todos os homens – por vontade
expressa do Filho - somos seus filhos. Mas também tem muito a ver com o mar
porque é Guia dos Navegantes; a Stela Maris; a segurança – iter para tuto.
A sua vida depois que o
Filho começou a ingente tarefa que O trouxe ao mundo foi passada entre
pescadores, homens do mar, gente habituada aos “altos e baixos” da profissão,
das pescas abundantes e dos malogros das redes vazias. Sabe do que falam,
conhece o que desejam, consola-os e anima-os a prosseguir. Tal como o Filho
também ela lhes diz: «Duc in altum», fazei-vos ao largo onde a pesca será mais
abundante e compensadora do esforço despendido. Não vai com eles nas barcas,
mas fica em terra, na praia, pensando neles, pedindo insistentemente ao Filho
que os guie, os proteja (,) que os ventos e as ondas não se tornem perigos
insuperáveis. Mas, se acaso, soçobram ou estão prestes a sucumbir porque ou
perderam os remos ou as velas e estão à deriva num mar desconhecido apressa-se
a socorrê-los.
Em Dezembro de 2011 a
embarcação “Virgem do Sameiro” com seis pescadores a bordo naufragou. Os
pescadores recolheram-se numa balsa e andaram sessenta horas à deriva no mar,
exaustos, sem comida nem água sem quaisquer meios disponíveis para sobreviver
quando finalmente foram avistados por um helicóptero que os resgatou e os
trouxe para terra. Rodeado pelas televisões e jornalistas, o Mestre da
embarcação respondeu a uma jornalista que perguntava o que tinha a dizer sobre
o que se afirmava que teria sido milagre por intervenção de Nossa Senhora:
‘Sim, estou convencido que foi um milagre! Não é por acaso que o nome da
embarcação é “Virgem do Sameiro” e que dentro da balsa tínhamos um Terço do
Rosário’».
É bem conhecida a devoção
das gentes do mar à Virgem Santíssima.
Muitas das suas embarcações
têm nomes que a invocam. Fazem-se procissões em sua honra muito concorridas com
os barcos engalanados em ambiente de grande festa e alegria. Algumas ostentam
pinturas algumas de carácter bem ingénuo quase infantis, outras mais elaboradas
retratando cenas mais complexas em que a Senhora é sempre a figura central.
Desde sempre o mar atrai o
ser humano talvez pelo que encerra de mistério e desconhecido. Constitui um
desafio que está ali, poderosamente presente aguardando que alguém se aventure
à descoberta do que esconde. E o que é a nossa vida senão um navegar num oceano
desconhecido onde a cada momento precisamos acertar o rumo, corrigir a rota,
guiando-nos pela bússola que nos indica o porto onde queremos chegar.
Há muitíssimos portos que,
aparentemente, podem parecer-nos atraentes, interessantes. Talvez, até,
adequados àquilo que costumamos chamar “a nossa maneira de ser”.
Vamos por ali, navegando
como sabemos e podemos, determinados, umas vezes, outras, tergiversando,
lutando contra os ventos e as marés, as tempestades ou as faltas de vento que
enfunem as velas da nossa esperança.
Consideramo-nos marinheiros
experimentados, sabendo muito bem como fazer para chegar ao porto?
Temos a certeza que os meios
que usamos são os mais adequados, em cada momento e circunstância, para atingir
o nosso fim?
Não seria muito melhor
deixar nas mãos de Cristo o leme da nossa barca?
Ele sabe como fazer – sempre – para levar essa
barca, que é a nossa vida, pelas águas mais tranquilas, pelo rumo mais
certeiro, com os ventos mais favoráveis. Nas borrascas, estará firme no Seu
posto, no cansaço da luta não Se deixará vencer nem pela fadiga nem pelo
desânimo. No fim e ao cabo, Ele, é o Caminho!
Cristo está junto ao mar
porque quer ver como nos comportamos na nossa barca, na nossa navegação. Ele
sabe muito bem os perigos que o mar desta vida tem, conhece profundamente e em
detalhe as nossas incapacidades e deficiências como “marinheiros”. Está ali,
para “o que der e vier”. Da praia, se nos vir em perigo, aflitos com a perda do
rumo, acenar-nos-á para que vamos ter com Ele.
É tão bom saber que Cristo
está na praia do nosso mar! Que confiança nos dá o sabê-lo ali, disponível para
o que for preciso! Mesmo quando não nos damos conta, ou pior, quando ignoramos
a Sua presença, Ele está lá, sempre, solícito e pronto a acudir-nos. Até se nos
consideramos importantes, capazes, instruídos, sabedores, Ele não Se afasta,
continua sempre disponível e expectante à nossa espera.
Foi na praia que Jesus
começou a fantástica história da salvação humana. Eram homens do mar os que, em
primeiro lugar, Jesus escolheu para concretizar a Sua Missão Salvadora. Muito
particularmente, estes três: Pedro, Tiago e João, hão-de acompanhá-lo-ão sempre
mais perto da Sua intimidade.
Quantas longas horas deve
ter passado instruindo a sua pouca cultura, limando as rudezas do seu carácter,
cimentando a sua dedicação!
Desejou tê-los consigo nos
momentos mais marcantes, que conhecemos, da Sua vida pública: Nos grandes milagres,
como a ressurreição de Lázaro – e agora, neste, da filha de Jairo -, como
testemunhas particulares da Sua Divindade – na Transfiguração do Tabor - nas
horas dramáticas de Getsémani.
A Pedro, impetuoso, decidido
e… cobarde, desculpar-lhe-á a traição, o abandono e confere-lhe a suprema honra
de ser o Seu primeiro representante na terra. Sabe que, apesar de tudo, pode
contar com ele. A sua maneira de ser é por vezes irreflectida, mas, quando o
Mestre o chama, mesmo sabendo que não lhe é possível caminhar sobre as águas
lança-se impetuosamente ao mar para ir ter com Ele. Depois, cai em si, encara a
situação e a sua confiança no Senhor esmorece e como resultado começa a
afundar-se. Mas Cristo está ali a pouca distância, o Seu olhar tranquilo não se
despega do seu cheio de temor e grita: «Salva-me, Senhor!»
Jesus conversa com eles de
forma que eles entendem bem:
Fala-lhes do mar e da faina
da pesca. Diz-lhes que o que espera deles, a tarefa grandiosa, extraordinária
que lhes tem reservada. Talvez não tenham percebido completamente o que
encerrava esta primeira lição, mas não precisaram de mais para se decidirem. Na
escolha feita por Jesus, o que contou, de facto, foi a pronta decisão de O
seguirem assim que os chamou.
Certamente haveria, na
Palestina, outros homens de igual ou melhor carácter, com qualidades, talvez,
mais marcantes, muito provavelmente mais capazes de apreenderem com maior
rapidez a missão que lhes destinaria. Mas, no mar, sozinho entre o céu e a as
águas profundas e misteriosas, o homem sente-se mais entregue a si mesmo,
percebe que a sua vida depende da sua perícia, da sua aptidão, da sua
capacidade de enfrentar as dificuldades. Os pescadores estão habituados a
trabalhar em equipa, a obedecer a um chefe, o patrão da barca, a quem confiam
as suas vidas. É ele quem dá as ordens, quem destina o que se deve fazer em
cada momento, quem escolhe o rumo, quem melhor conhece os ventos e a força das
ondas.
Pedro, não só é, deles, o
que tem mais experiência, mas é quem sabe sempre o que fazer em todos os
momentos. Mantém a calma e a serenidade perante os perigos sempre à espreita,
sabe mandar e, muito importante, é capaz de substituir sempre quem, por este ou
aquele motivo, se encontre incapacitado para o trabalho que lhe compete.
São solidários uns com os
outros, se um, por qualquer motivo, falha no que lhe está cometido, é
substituído sem demora e sem recriminações.
Parece lógico que, a Igreja,
venha a ser confiada a homens assim.
Mais tarde, é na margem do
mar, que Cristo Ressuscitado lhes aparece.
Sabe onde os encontrar nas
horas da desilusão e atordoamento que se seguiram à Sua Paixão e Morte;
«Disse-lhes então Jesus: Não temais. Ide dar a notícia aos Meus irmãos, para
que vão para a Galileia e lá Me verão».
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