14/11/2020

Vida de Maria

 


Os anos de Nazaré

 

Jesus entre os doutores

 

Que angústia a da Virgem quando se apercebeu de que se tinha perdido o Menino! Encontrou-O em Jerusalém, como se contempla neste novo artigo sobre a vida de Nossa Senhora.

A Lei de Moisés obrigava os varões israelitas a apresentarem-se diante do Senhor três vezes por ano: na Páscoa, no Pentecostes e na festa dos Tabernáculos. Esse dever não afectava as mulheres nem os meninos antes de completarem 13 anos, idade em que ficavam sujeitos em tudo aos ditames da Lei. No entanto, entre os israelitas piedosos, era frequente que também as mulheres subissem a Jerusalém para adorar a Deus, por vezes na companhia dos filhos.

 

No tempo de Jesus, era costume que apenas os que residiam a menos de um dia de viagem fizessem essa peregrinação, que além disso se costumava limitar à festa da Páscoa. Como Nazaré distava de Jerusalém vários dias de caminho, também José não estava estritamente obrigado pelo preceito. No entanto, tanto ele como Maria «iam todos os anos a Jerusalém pela festa da Páscoa» (Lc 2, 41). O evangelista não diz se Jesus os acompanhava nessas ocasiões, como era frequente nas famílias piedosas. Só agora fala expressamente desta viagem, talvez para fixar cronologicamente o episódio que se dispõe a relatar, talvez porque o Menino, entrado já no décimo terceiro ano de vida, podia considerar-se obrigado ao preceito. E assim, quando chegou aos doze anos, «foram a Jerusalém segundo o costume daquela festa» (Lc 2, 42).

 

Jerusalém era  uma massa fervilhante de peregrinos e comerciantes. Tinham chegado caravanas das regiões mais remotas: dos desertos da Arábia, das margens do Nilo, das montanhas da Síria, das cultas cidades da Grécia... Reinava a confusão por todo o lado: burros, camelos e bagagem enchiam as ruas e os arredores da cidade. E no Templo, os fiéis aglomeravam-se para oferecer os seus sacrifícios e fazer as suas orações.

 

Com não menos confusão se preparavam para o regresso para o lugar da procedência, homens e mulheres em separado; as crianças, de acordo com a idade, podiam juntar-se a um ou a outro grupo. Não havia uma organização férrea; bastava saber o lugar e a hora aproximada da partida. Não é estranho que, acabados os dias que ela (a festa) durava, «quando voltaram, o Menino ficou em Jerusalém, sem que os Seus pais o advertissem» (Lc 2, 43).

 

Maria e José não se aperceberam até que, ao cair a tarde do primeiro dia de viagem, as caravanas da Galileia fizeram uma paragem no caminho para passar a noite. Que angústia a sua, quando notaram a falta de Jesus! Gastaram as horas que restavam do dia «procurando-O entre os parentes e conhecidos» (Lc 2, 44). A toda a pressa, talvez nessa mesma noite, regressaram a Jerusalém à Sua procura. Encaminharam-se para o local onde tinham comido o cordeiro pascal, foram ao Templo, perguntaram aos amigos e conhecidos que encontravam pelas ruas. Tudo em vão, ninguém tinha visto Jesus. Podemos imaginar os pensamentos de Nossa Senhora: seria esta a espada de dor, predita por Simeão, que lhe ia atravessar o coração?

 

Assim decorreu o segundo dia, com ansiedade e dor. Voltaram uma e outra vez a percorrer os locais onde tinham estado, até que ao terceiro dia de buscas O encontraram no Templo, seguramente num dos salões, situados junto aos átrios, que os escribas utilizavam para dar as suas lições. Era uma cena frequente nos dias de festa: o mestre, num assento de cerimónia em local elevado, para ser bem visto e ouvido, com um rolo do livro sagrado nas mãos, explicava alguma passagem da Escritura aos ouvintes, que escutavam sentados no chão. De vez em quando, o escriba fazia alguma pergunta ao auditório, à qual respondiam os alunos mais adiantados. Foi assim que José e Maria encontraram Jesus: «sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os. E todos os O ouviam estavam maravilhados da Sua sabedoria e das Suas respostas» (Lc 2, 46-47).

 

Também a Nossa Senhora e o seu Esposo, quando O viram, «admiraram-se» (Lc 2, 48). Mas o seu assombro não se devia à sabedoria das respostas, mas ao facto de ser a primeira vez que sucedia algo semelhante: Jesus, o filho obedientíssimo, tinha ficado em Jerusalém sem os avisar. Não se tinha perdido; tinha-os abandonado voluntariamente.

 

«- Filho, porque procedeste assim connosco? Eis que teu pai e eu Te procurávamos cheios de aflição. Ele disse-lhes: Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-Me nas coisas de Meu Pai? Eles, porém, não entenderam o que lhes disse» (Lc 2, 48-50).

 

Ao receber essa resposta, sem a compreender, Maria e José acataram os planos de Deus, com uma humildade e uma docilidade plenas. É uma lição para todos os cristãos, que nos convida a aceitar com amor as manifestações da Providência divina, ainda que por vezes não as entendamos.

 

J. A. Loarte

 

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