MISTÉRIOS DO EVANGELHO [i]
Terceiro Mistério
A Família de Jesus Cristo
“Todo aquele que escuta e faz a Vontade de Meu Pai, que está nos céus, é
Meu irmão, Minha irmã e Minha mãe”. (Cfr. Mt 12, 46-50)
Porque é que Cristo tratou, aparentemente,
com indiferença a sua Mãe?
Não se tratava de uma mãe
qualquer, mas de uma Mãe virgem.
Maria, com efeito, recebeu o
dom da fecundidade sem prejuízo da sua integridade: Foi virgem ao conceber, no
parto e perpétuamente.
No entanto, o Senhor relegou
uma Mãe tão excelente para que o afecto materno não O impedisse de realizar a
obra começada.
Que fazia Cristo?
Evangelizava as gentes,
destruía o homem velho e edificava um novo, libertava as almas, iluminava as inteligências
obscurecidas, realizava todo o tipo de boas obras. Todo o Seu Ser Se abrasava
em tão santa empresa. E nesse momento anunciaram-Lhe o afecto da carne. Já
ouvistes o que respondeu, para que o vou repetir?
Estejam atentas as mães,
para que com o seu carinho não dificultem as boas obras dos seus filhos. E se
pretendem impedi-las ou põem obstáculos para atrasar o que não podem anular,
sejam desprezadas pelos filhos.
Mais ainda, atrevo-me a
dizer que sejam desdenhadas, desdenhadas por piedade. Se a Virgem Maria foi
assim tratada, porque há-de aborrecer-se a mulher — casada ou viúva — quando o
seu filho, disposto a fazer o bem, a despreze?
Dir-me-ás: Então, comparas o
meu filho com Cristo?
E respondo-te: Não, não o
comparo com Cristo, nem a ti com Maria.
Cristo não condenou o afecto
materno, mas mostrou com o Seu exemplo sublime que se deve postergar a própria
mãe para realizar a obra de Deus (...).
Como podemos interpretar que
também somos mães de Cristo?
Atrever-me-ei a dizer que o
somos?
Sim, atrevo-me a dizê-lo.
Acaso a Virgem Maria —
eleita para que dela nos nascesse a salvação e criada por Cristo antes que Cristo
fosse nela criado — não cumpria a vontade do Pai?
Sem dúvida que a cumpriu, e
perfeitamente.
Santa Maria, que pela fé
acreditou e concebeu, teve em mais ser discípula de Cristo do que Mãe de
Cristo.
Recebeu maiores ditas como
discípula do que como Mãe.
Maria era já bem-aventurada
antes de dar à luz, porque levava no seu seio o Mestre.
Repara se não é verdade o
que digo. Ao ver o Senhor que caminhava entre a multidão e fazia milagres, uma
mulher exclamou: «bem-aventurado o ventre que Te trouxe!». Mas o Senhor, para
que não procurássemos a felicidade na carne, o que é que responde? «Antes
bem-aventurados, os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática».
Depois, Maria é
bem-aventurada porque ouviu a palavra de Deus e guardou-a: Conservou a verdade
na mente melhor do que a carne no seu seio.
Cristo é Verdade, Cristo é
Carne.
Cristo Verdade estava na
alma de Maria, Cristo Carne encerrava-se no seu seio; mas o que se encontra na
alma é melhor do que o que se concebe no ventre.
Maria é Santíssima e
Bem-aventurada. No entanto, a Igreja é mais perfeita do que a Virgem Maria.
Porquê?
Porque Maria é uma porção da
Igreja, um membro santo, excelente, supereminente, mas afinal membro de um
corpo inteiro.
O Senhor É a Cabeça, e o
Cristo Total É Cabeça e Corpo.
Que direi então?
A nossa Cabeça é divina: Temos
Deus como Cabeça.
Vós, caríssimos, também sois
membros de Cristo, sois corpo de Cristo.
Vede como sois o que Ele
disse: «Eis Minha mãe e Meus irmãos».
Como sereis mãe de Cristo?
O próprio Senhor nos
responde: «Todo aquele que escuta e faz a Vontade de Meu Pai, que está nos
céus, é Meu irmão, Minha irmã e Minha mãe».
Olhai, entendo o de irmão e
o de irmã, porque única é a herança; e descubro nestas palavras a misericórdia
de Cristo: Sendo O Unigénito, quis que fossemos herdeiros do Pai, co-herdeiros
com Ele.
A Sua herança é tal, que não pode diminuir
ainda que participe dela uma multidão.
Entendo, pois, que somos
irmãos de Cristo, e que as mulheres santas e fiéis são Suas irmãs.
Mas como podemos interpretar
que também somos mães de Cristo? Atrever-me-ei a dizer que o somos?
Sim, atrevo-me a dizê-lo.
Se antes afirmei que sois
irmãos de Cristo, como não vou a afirmar agora que sois Sua mãe?
Porventura poderia negar as
palavras de Cristo?
Sabemos que a Igreja é
Esposa de Cristo, e também, embora seja mais difícil de entender, que é Sua
Mãe.
A Virgem Maria adiantou-se
como tipo da Igreja.
Porquê — pergunto-vos — é
Maria Mãe de Cristo, mas porque deu à luz os membros de Cristo?
E a vós, membros de Cristo,
quem vos deu à luz?
Ouço a voz do vosso coração:
A Madre Igreja!
Semelhante a Maria, esta Mãe
santa e honrada, ao mesmo tempo dá à luz e é virgem.
Vós mesmos sois prova do
primeiro: nascestes dela, como Cristo, de Quem sois membros.
Da sua virgindade não me
faltarão testemunhos divinos.
Adianta-te ao povo,
bem-aventurado Paulo, e serve-me de testemunha. Eleva a voz para dizer o que
quero afirmar: Desposei-vos para vos apresentar como virgem pura, a um único esposo,
a Cristo; mas temo que assim como a serpente seduziu Eva com a sua astúcia,
assim também percam as vossas mentes a castidade que está em Cristo Jesus.
Conservai, pois, a
virgindade nas vossas almas, que é a integridade da fé católica.
Aí onde Eva foi corrompida
pela palavra da serpente, aí deve ser virgem a Igreja com a graça do
Omnipotente.
Portanto,
os membros de Cristo dêem à luz na mente, como Maria iluminou Cristo no seu
seio, permanecendo virgem.
Desse
modo sereis mães de Cristo.
Esse
parentesco não vos deve estranhar nem repugnar: Fostes filhos, sede também
mães.
Ao
ser baptizados, nascestes como membros de Cristo, fostes filhos da Mãe.
Trazei
agora ao lavatório do Baptismo aqueles que possais; e assim como fostes filhos
pelo vosso nascimento, podereis ser mães de Cristo conduzindo os que vão
renascer”. (Santo
Agostinho, Sermão 72 A, 3. 7-8)
Eu, pobre homem, sou da Família de Cristo!
Que honra!
Que dignidade!
(AMA, 2019)
[i]
Escolhi este
título para uma série de reflexões sobre os mistérios contidos no Evangelho. Se
por “mistério” consideramos algo que não entendemos inteiramente ou não
compreendemos com meridiana clareza, então julgo que o Evangelho contém muitas
atitudes, palavras, gestos de Jesus Cristo cujo verdadeiro significado e
“alcance” nos escapa.
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