2
– A origem da Igreja e da liturgia
Ao dizer que “do lado de Cristo dormindo na
cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja”, repetindo assim palavras
de santo Agostinho, o Concílio refere-se evidentemente ao relato do evangelista
São João sobre a morte de Jesus.
Para
dizer que Jesus morreu escreveu: “Entregou o espírito” [i].
Muitos
dos santos padres viam nisso uma segunda afirmação do evangelista, a saber que
Jesus entregou, na hora da sua morte, o Espírito Santo.
Esta
interpretação certamente baseia-se no contexto do quarto Evangelho.
Como lemos no sétimo capítulo do Evangelho de
São João, na festa do templo Jesus anunciou água viva.
O
evangelho explica que Jesus estava falando do Espírito, que ainda não havia,
porque Jesus ainda não foi glorificado [ii]
.
A
glorificação de Jesus, no entanto, coincide para São João com a exaltação do
Filho do Homem na cruz [iii].
Na
base desta interpretação compreende-se bem que o Ressuscitado na tarde do dia
da ressurreição soprou sobre os apóstolos e lhes disse:
«Recebei o Espírito Santo» [iv].
Mas
devemos dar um passo a mais.
Em
antigas e recentes representações iconográficas da morte de Jesus ilustra-se a
abertura do lado aberto pela lança e uma figura feminina que está debaixo da
cruz com um cálice nas mãos. Para dentro deste cálice jorram o sangue e a água.
Os
padres da Igreja interpretam também a abertura do lado de Jesus como
derramamento do Espírito Santo, vendo na mulher com o cálice a Igreja e na água
e no sangue os sacramentos do baptismo e da eucaristia.
Como lemos na “Sacrosanctum
Concilium”, em santo Agostinho e em muitos outros padres da
Igreja, este derramamento do Espírito é o nascimento da Igreja como sacramento
universal de salvação, do qual os sete sacramentos, também os sacramentais e
as outras celebrações litúrgicas, são como que um desdobramento.
A Igreja e a liturgia nasceram do coração de
Jesus.
Já
que estamos falando em nascimento da Igreja, parece-me bem completar esta visão
a partir do Evangelho de São Mateus, onde se pode ver como ela foi concebida.
Lemos
neste Evangelho, no fim do capítulo 9, que Jesus, percorrendo as cidades e os
povoados, ensinando o Evangelho do Reino e curando toda sorte de doenças e
enfermidades, “ao ver a multidão teve
compaixão dela, porque estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor”.
Então pediu aos discípulos que rezassem, para que o Senhor enviasse operários para
a messe; mas também e sobretudo chamou os doze e “deu-lhes autoridade de expulsar os espíritos imundos e de curar toda
sorte de males e enfermidades” [v].
Estes
doze são, evidentemente, o núcleo da futura Igreja.
Não
será permitido entender este texto no sentido de que a Igreja foi concebida
pela compaixão de Jesus, no seu coração compassivo? Podemos assim agora
concluir que São João e São Mateus têm, no fundo, a mesma visão da origem da
Igreja. E São Lucas no fundo não discorda de São João e São Mateus sobre a
origem da Igreja pelo derramamento do Espírito Santo, embora a descreva de modo
diferente.
Parece-me
que a “Sacrosanctum Concilium”
confirma esta visão da origem da Igreja e com ela da Liturgia, dizendo no
artigo 6 que a Igreja, que, como vimos no artigo 5, nasceu na cruz, “no dia de Pentecostes
apareceu ao mundo”.
Para
a interpretação do texto citado de são Mateus, que apresentei, vendo ai a
concepção da Igreja no coração de Jesus, não posso indicar referências, mas
penso que esteja em harmonia com o contexto que citei.
(P.
Gregório Lutz, CSSp)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.