(Cfr. Lc 8, 49-56)
Não nos damos conta
que o que nos mantém “deitados” é o egoísmo, a indiferença, a tibieza. Quem
assim se sente, viveu uma vida para si, em que os objectivos e planos foram
sempre os seus, a sua pessoa, os seus interesses. Se ainda não o está, virá a
ficar “comodamente” sozinho, porque não terá ninguém, que agradecido,
solidário, deseje retribuir-lhe um amor, interesse e carinho que dele deveria
ter recebido.
Quantas vezes
estamos deitados no torpor da nossa consciência, na modorra da nossa falta de
entusiasmo.
Parece que nada nos
importa, que estamos à margem de tudo, que já não contamos para nada. A vida
vai passando, numa sucessão monótona de dias e noites, sempre iguais, sem
incidentes de percurso.
Acomodamo-nos nesta
vida de pequenas certezas, de esquemas bem organizados em que tudo está
previsto, numa sucessão de actos que se vão sucedendo, num maquinismo bem
oleado que funciona perfeitamente.
Construímos
laboriosamente esse estilo de vida a que chamamos “a felicidade tranquila a que
tenho direito”; custou-nos não pouco trabalho e muita, muitíssima aplicação.
Os vendavais da
vida não nos arrancam do nosso posto, nem as torrentes ou temporais alteram a
nossa postura.
Ao nosso lado,
vemos um cortejo de misérias, dificuldades e pobreza gritantes, mas, olhamos de
lado porque não nos diz respeito. No nosso bem esquematizado sistema pessoal de
vida, já contemplámos esses casos e destinámos uma verba, nalguns casos
significativa, para essa “solidariedade institucional”, a que não nos eximimos.
Já demos o nosso
contributo, já trabalhámos, já nos cansámos, agora, é tempo de descanso, de
colher frutos, de… ficar deitado.
Eu, agora, estou
reformado!
Outros que
trabalhem, que façam que… vivam!
Também a estes, - a
nós, talvez - Jesus diz:
Em latim: Surge! Ou em aramaico: Kum!
‘Quero que te
levantes, que saias desse torpor, desse estar deitado que é prenúncio de morte;
quero que vivas a haustos largos a vida que ainda tens pela frente, que olhes
para os teus irmãos, os homens, que te rodeiam e que esperam de ti uma palavra,
um gesto que, com a tua experiência de vida mais ou menos longa, serão palavras
e gestos de esperança e paz.
Acumulaste uns
bens, conhecimentos, experiência, tens de reparti-los pelos outros.
Tens de ensinar
quem não sabe, ajudar a ver quem enxerga mal, explicar ao que não entende,
desafiar o acomodado, urgir o indeciso, pressionar o tíbio.
O teu lugar só pode
ser ocupado por ti, o que tens de fazer, só tu o podes levar a cabo, só tu
podes pronunciar as palavras que pus na tua boca, partilhar os sentimentos que
insinuei no teu coração.’
Surge! Kum! Ergue-te!
A cada momento o
Senhor interpela-nos como que a chamar-nos à realidade da vida.
Acorda-nos do nosso
torpor, do nosso acomodado “para que vou meter-me nisto”, para que nos
levantemos e encaremos a vida de frente, como deve ser.
Temos de estar
despertos, vigilantes, atentos, quando não…
«Não duvidemos: na
hora da tentação, do cumprimento do dever, do sacrifício e a entrega, da
rejeição ante o ambiente insano, o Senhor dirige-se aos seus filhos para nos
perguntar: dormes?» [1]
«(…) e mandou que dessem de comer à pequena.»
O cuidado do Senhor
para connosco vai muito para além da cura do mal que nos afecta.
Sabe que, nós,
debilitados pela doença que é o pecado, enfraquecidos pelo mal que é a cedência
às tentações, não poderemos viver, plenamente, o dom da vida que nos concede,
sem alimento.
Por isso quis ficar
na Eucaristia como alimento sublime e total para que tenhamos vida em
abundância.
Um alimento que nos
dá dimensão, volume, estatura, que nos fortalece e anima.
«Efectivamente
Jesus está numa atitude de convite, de conhecimento e de compaixão por nós;
mais ainda, de oferecimento, de promessa, de amizade, de bondade; de remédio
para os nossos males, de confortador, e ainda mais, de alimento, de pão, de
fonte de energia e de vida.» [2]
Fico-me
a pensar, por vezes, que a Eucaristia é como que uma “história” fabulosa de
amor, tão extraordinária que chega a parecer inacreditável!
Mas,
não, é bem real e verdadeira… uma “história” do Amor de Deus pelos homens, por
mim!
E
entrego-me à oração com mais fervor, procurando na pequenez do meu pobre
coração a grandeza do Coração de Jesus e, inevitavelmente, encontro a Sua
imagem reflectida na minha alma.
E
escolho – tento escolher sempre – essa face da moeda que sou -, para lha dar a
Ele porque Lhe pertence.
Então,
qualquer pequeno, ou grande sentimento de
tristeza que teime em aflorar, desvanece-se como que por encanto, e fico
tranquilo e absolutamente seguro que me ouve e, que não obstante as minhas
numerosas faltas e não poucas traições, me quer bem.
Redobro
os meus esforços para que, nos “Getsemanis”
da minha vida, não me deixe invadir nem pelo torpor nem pelo sono e que, sobretudo,
a tristeza pelas faltas cometidas não me condicione o coração.
A tristeza adormece o homem e impede-o de acompanhar Cristo.
Cristo quer, ao longo da nossa vida, encontrar-se com cada um de nós e, que
pode fazer se nos encontra a dormir:
Segue o Seu caminho!
Mas, se estamos acordados, despertos e atentos ao que se passa à nossa
volta, se nos desprendemos da carapaça que nos cobre o coração, carapaça que
vamos construindo com as nossas dúvidas, os nossos problemas, preocupações e
temores, detêm-se... e fica.
Tristeza porquê?
Porque caímos, em faltas grandes ou pequenas, por impulso ou por hábito?
Não!
Arrependimento, sim.
Mas o arrependimento não é tristeza é a alegria de reencontrar o caminho de
começar outra vez.
Espero ansiosamente a hora de
participar na Santa Missa diária.
Sei que encontrarei não só o refúgio
e a paz que procuro, mas, sobretudo, esse alimento que me é imprescindível para
a minha vida. E, embora tenha plena consciência da “enormidade” do que me
espera, não me deixo abalar nem desviar do meu propósito. Com toda a humildade,
digo-lhe:
«Vejo-me tal como sou: nada, absolutamente. E tenho esta percepção da
grandeza que me está reservada dentro de momentos: Receber o Corpo, o Sangue, a
Alma e a Divindade do Rei e Senhor do Universo.
Este pobre homem com pés de
barro e vontade frágil, estou aqui na expectativa do momento sublime em que Te
receberei meu Deus e Senhor.
Tenho o meu coração palpitando de alegria,
confiança e amor.
Alegria por ser convidado, confiança em
que saberei esforçar-me por merecer o convite e amor sem limites pela caridade
que me fazes.
Aqui me tens, tal como sou e não como
gostaria e deveria ser.
Não sou digno, não sou digno, não sou
digno!
Sei, porém, que a uma palavra Tua a minha
dignidade de filho e irmão me dará o direito a receber-te tal como Tu mesmo
quiseste que fosse.
No meu coração, na
minha alma, sinto a cada momento que o Senhor me diz:
Surge! Kum!
Ergue-te!
Fim
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