02/03/2020

THALITA KUM 118


THALITA KUM 118

(Cfr. Lc 8, 49-56)



Não nos damos conta que o que nos mantém “deitados” é o egoísmo, a indiferença, a tibieza. Quem assim se sente, viveu uma vida para si, em que os objectivos e planos foram sempre os seus, a sua pessoa, os seus interesses. Se ainda não o está, virá a ficar “comodamente” sozinho, porque não terá ninguém, que agradecido, solidário, deseje retribuir-lhe um amor, interesse e carinho que dele deveria ter recebido.

Quantas vezes estamos deitados no torpor da nossa consciência, na modorra da nossa falta de entusiasmo.
Parece que nada nos importa, que estamos à margem de tudo, que já não contamos para nada. A vida vai passando, numa sucessão monótona de dias e noites, sempre iguais, sem incidentes de percurso.
Acomodamo-nos nesta vida de pequenas certezas, de esquemas bem organizados em que tudo está previsto, numa sucessão de actos que se vão sucedendo, num maquinismo bem oleado que funciona perfeitamente.

Construímos laboriosamente esse estilo de vida a que chamamos “a felicidade tranquila a que tenho direito”; custou-nos não pouco trabalho e muita, muitíssima aplicação.
Os vendavais da vida não nos arrancam do nosso posto, nem as torrentes ou temporais alteram a nossa postura.

Ao nosso lado, vemos um cortejo de misérias, dificuldades e pobreza gritantes, mas, olhamos de lado porque não nos diz respeito. No nosso bem esquematizado sistema pessoal de vida, já contemplámos esses casos e destinámos uma verba, nalguns casos significativa, para essa “solidariedade institucional”, a que não nos eximimos.
Já demos o nosso contributo, já trabalhámos, já nos cansámos, agora, é tempo de descanso, de colher frutos, de… ficar deitado.

Eu, agora, estou reformado!

Outros que trabalhem, que façam que… vivam!

Também a estes, - a nós, talvez - Jesus diz:

Em latim: Surge! Ou em aramaico: Kum!

‘Quero que te levantes, que saias desse torpor, desse estar deitado que é prenúncio de morte; quero que vivas a haustos largos a vida que ainda tens pela frente, que olhes para os teus irmãos, os homens, que te rodeiam e que esperam de ti uma palavra, um gesto que, com a tua experiência de vida mais ou menos longa, serão palavras e gestos de esperança e paz.
Acumulaste uns bens, conhecimentos, experiência, tens de reparti-los pelos outros.
Tens de ensinar quem não sabe, ajudar a ver quem enxerga mal, explicar ao que não entende, desafiar o acomodado, urgir o indeciso, pressionar o tíbio.
O teu lugar só pode ser ocupado por ti, o que tens de fazer, só tu o podes levar a cabo, só tu podes pronunciar as palavras que pus na tua boca, partilhar os sentimentos que insinuei no teu coração.’

Surge! Kum! Ergue-te!

A cada momento o Senhor interpela-nos como que a chamar-nos à realidade da vida.
Acorda-nos do nosso torpor, do nosso acomodado “para que vou meter-me nisto”, para que nos levantemos e encaremos a vida de frente, como deve ser.
Temos de estar despertos, vigilantes, atentos, quando não…

«Não duvidemos: na hora da tentação, do cumprimento do dever, do sacrifício e a entrega, da rejeição ante o ambiente insano, o Senhor dirige-se aos seus filhos para nos perguntar: dormes?» [1]

«(…) e mandou que dessem de comer à pequena

O cuidado do Senhor para connosco vai muito para além da cura do mal que nos afecta.

Sabe que, nós, debilitados pela doença que é o pecado, enfraquecidos pelo mal que é a cedência às tentações, não poderemos viver, plenamente, o dom da vida que nos concede, sem alimento.
Por isso quis ficar na Eucaristia como alimento sublime e total para que tenhamos vida em abundância.
Um alimento que nos dá dimensão, volume, estatura, que nos fortalece e anima.

«Efectivamente Jesus está numa atitude de convite, de conhecimento e de compaixão por nós; mais ainda, de oferecimento, de promessa, de amizade, de bondade; de remédio para os nossos males, de confortador, e ainda mais, de alimento, de pão, de fonte de energia e de vida.» [2]

Fico-me a pensar, por vezes, que a Eucaristia é como que uma “história” fabulosa de amor, tão extraordinária que chega a parecer inacreditável!

Mas, não, é bem real e verdadeira… uma “história” do Amor de Deus pelos homens, por mim!
E entrego-me à oração com mais fervor, procurando na pequenez do meu pobre coração a grandeza do Coração de Jesus e, inevitavelmente, encontro a Sua imagem reflectida na minha alma.
E escolho – tento escolher sempre – essa face da moeda que sou -, para lha dar a Ele porque Lhe pertence.
Então, qualquer pequeno, ou grande sentimento de tristeza que teime em aflorar, desvanece-se como que por encanto, e fico tranquilo e absolutamente seguro que me ouve e, que não obstante as minhas numerosas faltas e não poucas traições, me quer bem.

Redobro os meus esforços para que, nos “Getsemanis” da minha vida, não me deixe invadir nem pelo torpor nem pelo sono e que, sobretudo, a tristeza pelas faltas cometidas não me condicione o coração.

«Saíu da Sua oração, veio ter com os discípulos e encontrou-os a dormir, com a tristeza.[3]

A tristeza adormece o homem e impede-o de acompanhar Cristo.
Cristo quer, ao longo da nossa vida, encontrar-se com cada um de nós e, que pode fazer se nos encontra a dormir:

Segue o Seu caminho!
Mas, se estamos acordados, despertos e atentos ao que se passa à nossa volta, se nos desprendemos da carapaça que nos cobre o coração, carapaça que vamos construindo com as nossas dúvidas, os nossos problemas, preocupações e temores, detêm-se... e fica.

Tristeza porquê?

Porque caímos, em faltas grandes ou pequenas, por impulso ou por hábito?
Não!
Arrependimento, sim.
Mas o arrependimento não é tristeza é a alegria de reencontrar o caminho de começar outra vez.

NUNC COEPI!» [4]

Espero ansiosamente a hora de participar na Santa Missa diária.
Sei que encontrarei não só o refúgio e a paz que procuro, mas, sobretudo, esse alimento que me é imprescindível para a minha vida. E, embora tenha plena consciência da “enormidade” do que me espera, não me deixo abalar nem desviar do meu propósito. Com toda a humildade, digo-lhe:

«Vejo-me tal como sou: nada, absolutamente. E tenho esta percepção da grandeza que me está reservada dentro de momentos: Receber o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade do Rei e Senhor do Universo.
Este pobre homem com pés de barro e vontade frágil, estou aqui na expectativa do momento sublime em que Te receberei meu Deus e Senhor.
Tenho o meu coração palpitando de alegria, confiança e amor.
Alegria por ser convidado, confiança em que saberei esforçar-me por merecer o convite e amor sem limites pela caridade que me fazes.
Aqui me tens, tal como sou e não como gostaria e deveria ser.
Não sou digno, não sou digno, não sou digno!
Sei, porém, que a uma palavra Tua a minha dignidade de filho e irmão me dará o direito a receber-te tal como Tu mesmo quiseste que fosse.
Aqui me tens, Senhor. Convidaste-me e eu vim.» [5]
 
 No meu coração, na minha alma, sinto a cada momento que o Senhor me diz:

Surge!  Kum!  Ergue-te!


Fim




[1] D. Javier Echevarría, Getzemani, cap. V, 8.
[2] SÂO PAULO VI, Homília no Corpus Christi, 13.06.1974.
[3] Lc 22, 45
[4] 2007.03.04
[5] AMA, orações diárias, preparação para a comunhão.

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