JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR 6
Iniciação à Cristologia
PRIMEIRA PARTE
A PESSOA DE JESUS CRISTO
Capítulo III
A REALIDADE DA ENCARNAÇÂO DO FILHO DE DEUS
3. Jesus Cristo é perfeito Deus
Jesus quis ir revelando a sua divindade de modo progressivo, pois esta verdade tornava-se muito difícil de admitir para uma mentalidade como a judia enraizada num rígido monoteísmo. Primeiro com as suas obras e milagres foi preparando os ânimos para essa revelação, e depois gradualmente foi manifestando a sua condição divina.
O facto é que no final da sua vida terrena ficou patente que se proclamava Filho de Deus, e Deus. Por isso, alguns judeus não acreditavam n’Ele, acusavam-no de ser «homem que se faz Deus» (Jo 10,33), e julgaram-no como um blasfemo. Também na actualidade, o erro cristológico principal é negar que Jesus seja Deus, o Filho de Deus feito homem.
Agora, ao correr de alguns erros pretéritos, veremos a fé da Igreja e também estudaremos alguns textos da Escritura sobre a divindade de Jesus.
a) As heresias do adopcionismo e do arianismo, e o concílio de Niceia
O adopcionismo. Paulo de Samossata, bispo de Antioquia na Síria (século II), entre outros, sustentava que Cristo não era uma pessoa divina, mas sim um homem no qual Deus infundiu um poder sobrenatural para fazer milagres, e o adoptou como filho no baptismo do Jordão. Jesus teria uma participação especial no poder do Pai e nisto se assemelharia a Ele, mas não seria Filho de Deus por natureza, mas sim só por adopção.
Paulo de Samossata foi condenado e deposto do seu cargo no ano 268.
O arianismo. Houve quem interpretasse alguns textos da Escritura como se existisse uma inferioridade e subordinação do Filho respeitante ao Pai; p. ex. as palavras de Jesus: «O Pai é maior que eu» (Jo 14,28), que se referem claramente à sua humanidade.
Além disso, nos ambientes filosóficos gregos, sobretudo neo-platónicos, entendia-se que Deus é absolutamente transcendente ao mundo e a sua essência não pode entrar em contacto com ele; por isso necessitaria ser um ser inferior para actuar no mundo. Daqui que alguns afirmassem que o Verbo era esse ser intermédio, inferior a Deus e subordinado a Ele.
Ariano, presbítero de Alexandria (séculos III-IV), é o representante mais extremo dessas doutrinas subordinacionistas, e sustentava que o Filho não tinha sido engendrado desde a eternidade, mas sim criado do nada por livre vontade do Pai. Não é da mesma substância do Pai, mas sim inferior a Deus. É a primeira criatura do Pai e a mais perfeita, através da qual se fizeram as demais coisas, mas não é Deus (acaso pode chamar-se-lhe «um deus de segunda categoria»).
O arianismo, que é uma heresia trinitária e também cristológica[1], foi refutado principalmente por Santo Atanásio. Foi condenado várias vezes, e finalmente no domicílio de Niceia no ano 325.
O concílio de Niceia (ano 325). Este concílio confessou no Credo que compôs: «Creio num só Senhor, Jesus Cristo, Filho único de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, engendrado, não criado, da mesma natureza (homoousios) do Pai, por quem tudo foi feito».
Nesse texto afirma-se que o Filho de Deus é eterno; insiste-se na sua verdadeira divindade; e define, como ponto cardeal, a consubstancialidade do Filho com o Pai. Este termo (homoousios), ainda que filosófico, expressa o sentido autêntico do Novo Testamento sobre Cristo, sem ambiguidade alguma. Também afirma que é o próprio Verbo quem se encarnou, se fez, homem, sofreu, morreu e ressuscitou ao terceiro dia.
Este concílio condenou Ariano explicitamente.[2]
O Magistério da Igreja ensinou sempre que «Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é Deus e homem. É deus, engendrado da mesma substância que o Pai, antes do tempo; e homem, engendrado da substância da sua Mãe no tempo. Perfeito Deus e perfeito homem; que subsiste com alma racional e carne humana. É igual ao Pai segundo a divindade; menor que o Pai segundo a humanidade»[3]
b) Erros modernos sobre a divindade de Cristo
Na Introdução resumimos o erro dos que negam que o Jesus da história seja Deus; segundo eles esta doutrina teria sido uma criação da fé cristã pós-pascal, que se reflectiu depois na redacção dos Evangelhos. Este erro passou ao campo católico com o modernismo e foi condenado por S. Pio X[4].
Também actualmente, desde diversos pressupostos filosóficos, se difundem erros semelhantes. Segundo estas opiniões – que veremos no capítulo seguinte – Cristo não seria uma pessoa divina e eterna, mas sim um homem que teria tido uma relação muito profunda com Deus. A Congregação para a Doutrina da Fé, condenou estas doutrinas em 1972.
c) Testemunhos da Sagrada Escritura sobre prerrogativas divinas de Jesus
O Novo Testamento mostra-nos em Jesus uma série de atribuições que só encontram explicação se se admite que Ele era Deus, ou pelo menos que pensava que o era. Entre os numerosos testemunhos da Escritura sobre este ponto, vejamos alguns:
Jesus atribui-se uma superioridade sobre a Lei e o templo.
É superior ao templo, sede da glória de Deus (cf. Mt 12,6); e é senhor do Sábado, estabelecido por Deus para o culto divino (cf. Mt 12,1-8).
Jesus atribui-se uma superioridade sobre todas as criaturas, sobre os anjos e sobre os homens.
É superior aos profetas e reis: é mais que Jonas e que Salomão (cf. Mt 12,41-42); superior aos próprios anjos (cf. Mt 24,36).
Tem poder para perdoara os pecados, poder exclusivo de Deus.
Assim se manifesta no caso do paralítico de Cafarnaum (cf. Mt 9,6), ou em casa de Simão, o fariseu (cf. Lc 7,48-50).
Equipara-se com Deus na autoridade.
Equipara-se com Deus enquanto legislador: «Ouvistes que foi dito aos antigos… (Deus disse na Lei…) Mas Eu digo-vos…» (Mt 5,22ss). E da mesma forma quanto ao poder para julgar os homens (cf. Jo 5,22).
Jesus impõe preceitos que só Deus pode exigir.
Pede a fé na sua pessoa, igual à fé em Deus (cf. Jo 14,1); exige um amor por cima de tudo, mais que ao pai ou à mãe (cf. Mt 10,37); aceitar Jesus é requisito para a salvação (cf. Mt 10,32); inclusive pede que se entregue a vida por Ele para se salvar (cf. Lc 17,33).
d) Testemunho da Escritura sobre a sua pré-existência ao mundo
Ele existe antes de tudo, e é o criador e conservador do mundo.
O próprio Jesus diz: «Agora, Pai, glorifica-me perto de ti mesmo com a glória que tive junto a ti antes que o mundo existisse» (Jo 17,5). E São Paulo: «é o primogénito de toda a criação, porque n’Ele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra (…) tudo foi criado por Ele e para Ele; e existia com anterioridade a tudo, e tudo tem n’Ele a sua consistência»
Ele veio ao mundo enviado pelo seu Pai.
São numerosíssimos os textos em que aparece esta missão no mundo para nos salvar e dar-nos a vida[5]. Ele veio «do céu» (Jo 3,13). «do alto» (Jo 8,23), «saiu de Deus Pai» (cf. Jo 8,42) e a Ele «volta» depois da sua Paixão e Morte (cf. Jo 13,3).
e) Testemunhos da Escritura sobre a igualdade de Jesus com o Pai
Jesus, na sua actividade, é igual ao Pai e realiza as obras de Deus.
Como o Pai actua sempre, assim Jesus dá a vida e a saúde, inclusive ao Sábado (cf. Jo 5,17).
Jesus afirma a sua igualdade e a sua compenetração com Deus Pai.
«Se me conhecêsseis a mim conheceríeis também o Pai» (Jo 8,19); «O Pai está em mim e eu no Pai» (Jo 10,38; 14,10); «O que me viu a mim viu o Pai» (Jo 14,9).
Ele é um só e mesmo Deus com o Pai.
«O Pai e eu somos uma só coisa» (Jo 10,30). Aqui Jesus declara-se abertamente Deus, como bem o entendem os judeus.
f) Afirmações explícitas e directas da sua condição divina
No Novo Testamento normalmente o nome de «Deus» dirige-se ao Pai, enquanto para expressar o carácter divino de Cristo se lhe dá o título de «Filho de Deus». Portanto, para afirmar a divindade de Cristo são mais que suficientes os textos citados mais acima. Todavia, existem outras passagens nas quais directamente se o denomina «Deus». Entre outros textos assinalemos[6]:
O Prólogo do Evangelho de São João:
«No princípio existia o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus» (Jo 1,1). Aqui se afirma explicitamente que o Verbo é Deus, eterno e diferente do Pai. Nos versículos seguintes fala-se da sua participação na obra da criação, da sua vinda ao mundo para nos comunicar a Filiação Divina, da sua verdadeira Encarnação. Ele é o Unigénito de Deus que nos dá a conhecer o Pai.
Rom 9,5: «Dos patriarcas segundo a carne descende Cristo, o qual é sobre todas as coisas Deus bendito pelos séculos». É uma afirmação da sua verdadeira humanidade e, ao mesmo tempo, uma confissão directa da sua divindade.
Flp 2,5-8: Cristo «sendo de condição divina, não reteve avidamente o ser igual a Deus, mas diminui-se a si mesmo tomando a condição de servo, fazendo-se semelhantes aos homens e parecendo no seu porte como homem; e humilhou-se a si mesmo, obedecendo até á morte e morte de cruz». São Paulo fala-nos da humildade de Cristo que é Deus, e pré-existe na forma de Deus; o qual, ao contrário de Adão que ambicionava ser como Deus, se abaixou fazendo-se homem, tomando a forma e natureza de homem, e mostrando-se através dela. Este abaixamento (kénosis) do Filho de Deus não significa que deixou de ser Deus, mas que assumiu uma humanidade privada de glória, submetida ao sofrimento e à morte.
Tit 2,13-14: «Esperamos a manifestação gloriosa do grande Deus e nosso Salvador, Jesus Cristo». É uma clara afirmação da divindade de Jesus Cristo, do qual esperamos o regresso glorioso no final dos tempos.
Vicente Ferrer Barriendos
(Tradução do castelhano por ama)
[1] Os arianos sustentavam, além disso, que o Logos (o Verbo), ao não ser Deus mas sim inferior a Ele, tinha uma natureza passível e podia unir-se ao corpo de Cristo desempenhando a função de alma, podendo sofrer, entristecer-se e experimentar as fraquezas próprias da humanidade. Quer dizer, para eles, o Verbo não assumiu uma natureza humana íntegra, mas só a carne.
[2] Cf. CONC. DE NICEIA, DS, 126; 130.
[3] Símbolo Quicumque, DS, 76.
[4] Cf. DS, 3427 ss.
[5] Cf. Gal 4,4; Rom 8,3ss.; 1 Tim 3,16; Jo 3,16ss.; etc.
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