27/03/2020

Leitura espiritual

Pensamentos para a vida diária 

Felicidade 4

Capítulo IV


Instabilidade – um período de deslize

Vivemos da qual podemos dizer que tudo parece correr ao sabor do vento.
Folhas secas e neve acumulam-se em montículos, conforme a variação do vento.

É também assim que, em certos momentos da História, os espíritos são impelidos pelos ventos mais opostos de doutrinas e de teorias faltando-lhes quaisquer apoios com os quais possam avaliar o que está a acontecer-lhes.

Uns chamam-lhes “Sorte, outros “Destino”.
Seja, porém, a designação que lhe dêem não passa, afinal, de um abandono às forças exteriores, passividade e falta de resistência às vagas que sacodem, a seu sabor, o navio.

Encontramos isto na Europa, onde há quem diga:
‘Construir uma casa? Para quê? Outra guerra que venha destruí-la-à’.

E também o encontramos nos Estados Unidos da América entre aqueles que se recusam a examinar a causa das nossas tribulações.

A grande diferença que existe entre uma civilização cristã ou morale a nossa civilização pós-cristã é esta: na primeira encarava-se o mundo como um andaime, por meio do qual as almas ascendiam até Reino dos Céus. Quando a última tivesse chegado lé acima, o andaime seria demolido e queimado no fogo ardente, não por ser insignificante, mas sim, porque realizara a sua tarefa de nos conduzir de novo até Deus.
Isto significava que havia sempre um conjunto de valores e uma soma de critérios pelos quais as acções do mundo político, social e económico podiam ser julgadas em qualquer momento.
Todos podiam saber se realmente progrediam ou não, pois que havia sempre um ponto fixo de chegada.

Na nossa civilização contemporânea não há pontos fixos.
Estes tornaram-se mutáveis e a essa incessante mutação dá-se o nome de progresso.
É como jogar a “bola ao cesto”, com este a mudar de lugar constantemente.
A mira do jogador será, em determinada ocasião, impelir a bola para dentro do cesto, daí a instantes será acertar no árbitro e, logo a seguir, será atingir um cesto que muda de lugar, à semelhança de um brinquedo mecânico em que um coelho é perseguido por um cão.
Ninguém parece estar seguro do objectivo da vida e daí resulta o desânimo de muita gente, pois toda a viajem perde o seu interesse, a não s er que tenha um destino.

A impressão de instabilidade é caudadas pela fatuidade de se julgar que o mundo existe apenas para si próprio, como sea lâmpada eléctrica não tivesse outra explicação a não ser a de ser lâmpada, como se Edison a não tivesse inventado, ou que a explicação de um poema reside somente na métrica, ou que as cores são suficientes para explicar uma pintura.

Este desejo de se sentir arrastado na corrente da Natureza, sem destino, sem objectivo, sem motivo, levou Chesterton a comentar lacónica e sarcasticamente:
«Eu só queria ser um molusco do mar, para que não pudesse cair pela escada abaixo»[1].

Uma das incongruências que resultaram de nos deixarmos levar ao sabor da corrente consiste em que não há ponto de referência para se saber onde se está e para onde se caminha.

Quando os homens baseiam os seus critérios unicamente na civilização em cujo meio vivem, nunca sabem nem podem saber se esses critérios são bons ou maus.
Em tais circunstâncias não se vê que diferença possa haver entre um peixe que se encontra no mar e um homem prestes a afogar-se nas ondas do oceano: tanto um como outro vão na corrente e, fora dela, na existe porque motivo o peixe está no seu elemento e o homem não.
Desde que se parta do princípio que os homens só têm como alicerce de pensamento e acção as areias movediças em que vivem  é claro ninguém jamais poderá convencê-los a construir as suas casas sobre pedra.

A forma de nos libertarmos dessa sensação de instabilidade, dessa impressão de sermos arrastados pela corrente, consiste em desembaraçar-nos das peias do mundo em que vivemos e compreendermos que existe um abismo entre o que fazemos e o que deveríamos fazer; entre os nossos ideais e o nosso procedimento; entre que realmente “queremos” e o afinal «não queremos».

Se o mundo vai sendo arrastado para mais uma guerra, é porque nele existe muita gente que se deixa levar inertemente nessa corrente, ou porque se deixou embrutecer por qualquer estupefaciente que lhe fez crer que tudo quanto acontece resulta de circunstâncias sobre as quais não têm poder nenhuma vontade ou esforço humanos.

O critério basilar para se fugir a um aluimento consiste em partir-se do princípio de que ninguém se deve deixar apanhar por tal fenómeno.
Portanto, para se sair da confusão em que e encontra o mundo, cada homem tem de partir deste princípio: primeiro, que não foi criado para se deixar levar ao sabor das ondas, mas sim para atingir a perfeição própria e encontrar nela a felicidade; segundo, porque está sempre em frágil risco de perder essa felicidade, tão depressa capitule perante o mal e caia em pecado; terceiro, que, mesmo depois de ter pecado, ainda existe uma porta de salvação, a qual consiste em implorar o perdão de Deus.

Talvez isto não sirva para fazer carreira na política, mas é caminho de santidade.

Felicidade 5

Capítulo V
Felicidade

Exagera-se a importância dos conflitos e opiniões.

Quando uma nação começa a manifestar maior interesse pelos conflitos de opiniões que pela permanência dos princípios é que soou a hora dela fazer exame de consciência.

Quando a virtude e o vício, o patriotismo e a traição, a pureza e a podridão descem a uma pista de circo, em torno da qual os espectadores apenas se interessam pelo espectáculo de os verem esmurrar-se mutuamente, chegou o momento de se deplorar que nada já reste e tão sagrado para que valha a pena morrer em sua defesa, e nada tão vil que se deva combater com todo o ardor.

Quais será os factores psicológicos e espirituais capazes de provocar semelhante situação em qualquer país?
Bastará, talvez, mencionar dois: o esquecimento dos ideais, dos fins a atingir e dos valores autênticos e, como resultante desta primeira causa, a vacuidade e a solidão das almas.
saudações na praça pública»[2].


Fulton J. Sheen, Thoughts for dayly living, (tradução por AMA)


[1] G. K. Chesterton – A Sabedoria do Padre Brown
[2] Ibid

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